Clássicos para fazer chorar sem culpa em cartaz no Humberto Mauro

Paulo Henrique Silva - Do Hoje em Dia
10/07/2012 às 09:56.
Atualizado em 21/11/2021 às 23:27
 (Universal/Divulgação)

(Universal/Divulgação)

Muito prazer, Douglas Sirk. Para a maioria dos espectadores, a menção do nome do cineasta alemão não traz qualquer referência à mente, o que pode gerar surpresas ao se afirmar que uma novela como “Avenida Brasil” tem muitos elementos inspirados na obra do mestre do melodrama.

“No Brasil, as novelas, pelo menos as melhores, foram as maiores herdeiras da lógica melodramática dos filmes de Sirk e de outros melodramas clássicos”, analisa Pedro Maciel Guimarães, um dos curadores, ao lado de Cássio Starling, de mostra com dez longas do diretor.

Clássicos como “Palavras ao Vento” (1957) e “Imitação da Vida” (1959) poderão ser conferidos a partir desta terça-feira (10), no Cine Humberto Mauro, com entrada franca. “Sirk mostrou que o melodrama poderia trazer embutido na sua forma flamejante discussões profundas sobre o papel da mulher na sociedade e o preconceito racial e social”, destaca Guimarães, nesta entrevista ao Hoje em Dia.

Douglas Sirk ainda é um cineasta pouco conhecido e valorizado, embora seja definido como o mestre do melodrama. A razão reside no preconceito ao gênero?

Nas décadas 1940 e 1950, Sirk era conhecido como um competente artesão de melodramas, que conseguia alcançar o público ao contar histórias tocantes e sentimentalmente envolventes. Não se via criação artística em sua obra. Foi preciso que Rainer Werner Fassbinder, outro cineasta alemão, olhasse para a obra de Sirk, na década de 1970, e dissesse: esse cara é um autor que usou a forma cinematográfica do melodrama para contar histórias de caráter emocional, mas também histórias que descrevessem com pertinência as mazelas e podres da sociedade americana.

Mas ainda existe muito preconceito com relação ao gênero...

Ainda há, e muito. É como se histórias que falassem diretamente ao sentimento do espectador tivessem que ser necessariamente filmes alienados, feitos apenas para encantar e não para fazer pensar. Sirk mostrou que o melodrama poderia trazer embutido na sua forma flamejante discussões profundas sobre o papel da mulher na sociedade e o preconceito racial e social.

Dos que fugiram da Alemanha nazista, ele é um dos que tiveram carreira mais prolífera e sólida em Hollywood?

Diversos diretores germanofóbicos alcançaram êxitos em Hollywood e deram sua contribuição a gêneros tipicamente hollywoodianos. Fritz Lang e Otto Preminger no filme noir; Lang também no western; Robert Siodmak no suspense; Josef von Sternberg em filmes de espionagem, etc. Sirk revolucionou o melodrama. Embora tenha chegado tarde a Hollywood, em 1940, sua carreira foi uma das mais rápidas e fulgurantes (apenas 19 anos). Um produtor disse que tinham que erguer uma estátua de Hitler em Hollywood, pela contribuição que os cineastas fugidos do nazismo deram ao cinema americano dos anos 40 e 50. Exagero, claro, mas mostra que Hollywood foi, pelo menos na sua fase áurea dos anos 50, feito por exilados.

Como eram os filmes dele na Alemanha? São diferentes em relação ao que produziu depois para a Universal?

São diferentes, pois o modo de produção e a época eram outros. Não havia cor, elemento que foi essencial para a definição do tom dos filmes de Sirk na Universal. Mas já havia uma grande valorização da trilha sonora e das histórias envolvendo mulheres fortes e decididas, duas marcas de Sirk na época da Universal. Ainda assim, alguns clássicos como Recomeçar a Vida e A nova Sinfonia, rodados no estúdio UFA, o maior da Alemanha, são do nível dramático e estético dos grandes clássicos feitos nos EUA.

Quais são os outros elementos característicos de Sirk? Por que se tornou tão importante para o gênero?

Porque ele ousou ir fundo no excesso dos dramas representados. Embora fosse alemão, de uma criação mais contida e menos expressiva, Sirk se adequou como ninguém a esse tipo de filmes em que a representação dos dramas, principalmente românticos, era muito exacerbada. Mas a contribuição de Sirk foi sobretudo por ter usado os melôs para subverter alguns cânones do cinema americano, como colocar sempre as mulheres como personagens fortes e os homens como coadjuvantes, e por tratar de temas polêmicos como o preconceito racial de forma direta e incisiva. Sirk tinha um refinamento, proveniente da sua trajetória como artista plástico e diretor de teatro na Alemanha, que foi colocada dentro desses filmes, como o enquadramento e o uso das cores, que diferenciam Imitação da Vida e Palavras ao Vento de todos os outros feitos em Hollywood nessa época.

Quais desses elementos foram inspiradores de cineastas como Fassbinder e Almodóvar?

Para Almodóvar, foi sobretudo o excesso e a atenção especial a composição cromática das cenas. Para Fassbinder, o interesse era tratar da hipocrisia da sociedade burguesa, o que se tornou a principal motivação para fazer um remake de Tudo o que o Céu Permite em O Medo Devora a Alma. Quando vemos o tom dos filmes do Sirk e depois os de Fassbinder, temos um choque, pois um era excessivo e o outro inerentemente contido. Isso é outro mérito de Sirk: ter conseguido influenciar um diretor como Fassbinder, que aparentemente não tem nada a ver com seu estilo de se fazer cinema.

Foi a falta de retorno financeiro e as críticas negativas, na época, que fizeram Sirk abandonar o cinema?

Foi sobretudo uma vontade de voltar para seu continente de origem. Sirk sai dos Estados Unidos em 1959, depois de Imitação da Vida, seu maior sucesso de público e um dos mais respeitados pelos críticos. Ele sai no auge, deixando para traz cinco ou seis filmes que modificaram a maneira americana de ver melodramas. A cena final de Imitação da Vida é o enterro de um jeito de se fazer cinema e não somente o enterro da sua personagem Annie Johnson. A partir dali, o melodrama migra para a televisão.

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por