BRASÍLIA – "Aquela agressividade não existe mais", vai logo avisando Ney Matogrosso ao comentar a principal mudança de comportamento da época em que subia aos palcos com o Secos & Molhados para o homem de 71 anos, prestes a completar quatro décadas de carreira. "Fui, com o tempo, amansando, perdendo o medo. Eu tinha medo de ser agredido, então, agredia primeiro", revela o intérprete.

Em rápida passagem pela capital federal, para divulgar o documentário "Olho Nu", que refaz a sua trajetória artística, Matogrosso confessou ao Hoje em Dia – pouco antes de embarcar para Portugal, para cumprir uma agenda de shows – que a sua relação com o público virou uma espécie de "união estável".

"Outra coisa que não existe mais é aquela sexualidade exacerbada – que era verdadeira. Eu desejava a plateia. Olhava para aquela gente e queria transar com eles. Mas tinha 30 aninhos na época. Hoje em dia, olho para a plateia como uma pessoa com quem me relaciono há 40 anos. Agora apenas brinco em cima do tema com ela", compara Matogrosso.

"Liberalizador"

Mesmo "domado", o intérprete de canções marcantes como "Rosa de Hiroshima", "Sangue Latino" e "Homem como H" continua provocando reações eufóricas do público por onde passa. Seu mais recente show, "Beijo Bandido", há três anos na estrada, é prova disso. "Não faço isso para ganhar alguém. Não estou tentando seduzir. É a minha maneira de estar no palco e as pessoas entendem isso", explica.

Ele se define como um "liberalizador" e um "desrepressor". Quando canta "Pro Dia Nascer Feliz", de Cazuza, frisa a parte da letra que diz "Essa é a vida que eu quis".

Pés fincados

Exatamente por estar satisfeito com os rumos que tomou, Ney Matogrosso não permitiu que o diretor de "Olho Nu", Joel Pizzini, tentasse usar uma frase extraída de um dos muitos filmes em que trabalhou: "Em mim nada está como é; tudo é um tremendo esforço para mim". Matogrosso é categórico neste ponto: "Tudo está como é". Aliás, não foi a única coisa que palpitou no filme.

"Durante a confecção do documentário, opinei muito. Foi a primeira coisa que deixei claro quando falou-se em fazer um filme a meu respeito. Tinha que ser algo compatível com o que imagino e houve momento que o Joel tentou ficcionalizar, mas finquei o pé, dizendo que não era ficção", observa. O documentário será exibido sábado, na mostra competitiva.

"Tudo o que venho falando, todos esses anos, está concentrado lá"

Grande parte do material que embasa o documentário saiu dos arquivos do próprio cantor, que guardou mais de 300 horas de imagens de entrevistas e apresentações, em suportes diversos (fitas de rolo e VHS). "Nunca guardei pensando em um filme. Era só para ter. Estava tudo lá em casa, alguns mofados ou com a cor perdida. Tiveram que ser restaurados e passados para o digital".

Para Matogrosso, se ver na tela "é bom para se ter um documento, ainda mais que falam que a gente vive num país que não se lembra de nada". Ele enxerga, no filme, uma síntese do seu pensamento: "Tudo que venho falando nesses anos todos está concentrado no documentário", assinala. O único depoimento é o de sua mãe, que lembra o parto difícil, quando nasceu com apenas um quilo e meio.

"Claro que dei uma entrevista para o filme, após tudo estar bem adiantado, para complementar. E também tive que refazer muitas falas, especialmente aquelas que foram retiradas de frases mais longas. Procurei perceber qual a intenção que estava colocando naquilo para refazer dentro do tempo certo, e ficou bacana", avalia.

Não poderiam faltar as músicas, mas são poucas as executadas na íntegra. Ele lamenta não poder ter, de forma inteira, os 20 números musicais com participações de gente do quilate de João Gilberto e Elza Soares. Insatisfação que será em parte contornada com o lançamento de uma série de dez DVDs, pelo Canal Brasil, também baseada no material que o cantor tem em casa.


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