Milton Nascimento leva turnê dos 50 anos de carreira a Três Pontas

Elemara Duarte - Do Hoje em Dia
02/09/2012 às 08:17.
Atualizado em 22/11/2021 às 00:57
 (Rafael Mota/Arquivo Hoje em Dia)

(Rafael Mota/Arquivo Hoje em Dia)

SÃO PAULO – Sábado (1°) foi a vez de Salvador, no Teatro Castro Alves. Mas um dos pontos altos da turnê de 50 anos de carreira de Milton Nascimento acontece no próximo dia 8, quando ele volta à cidade mineira de Três Pontas, onde foi criado, e na qual deu o pontapé inicial de uma trajetória que conquistou aplausos efusivos em todo o mundo.

Mas que ninguém se engane. Nem se quisesse, "Bituca" teria descanso. Logo na sequência, o mote "festejos" se direciona aos seus 70 anos de vida. Milton nasceu no dia 26 de outubro de 1942, no Rio, mas mudou-se ainda pequeno (por volta dos dois anos de idade), com os pais, Dona Liliam e Seu Josino Campos, para Três Pontas, onde seu talento artístico floresceu.

O show comemorativo às cinco décadas de carreira tem o patrocínio Natura Musical, que reuniu o artista com representantes da imprensa antes do início da turnê. Na ocasião, Milton Nascimento lembrou, por exemplo, de quando veio para Belo Horizonte, em 1963 "Queria fazer a faculdade de Astronomia. Aprendi com meu pai a gostar disso. O pessoal achava que ele era maluco. Naquela época, eu com seis anos, ele recebia coisas do céu, mapas, da Nasa. A gente tinha até telescópio".

Toda noite, a família se reunia para observar o céu. "Fui me apaixonando, me apaixonando... E além da música, a minha diversão era essa". Instado pelo Hoje em Dia a falar sobre Três Pontas, ele recorre à poesia: "Três Pontas para mim é como se fosse um jardim de primavera de músicos e de poetas". Milton garante que, se passa dois meses sem ir lá, quando volta, "já tem um monte de gente fazendo música. Tudo novinho".

Travessia

A pergunta seguinte é, na verdade, um pedido: refletir sobre as cinco décadas de trajetória artística. Milton não se faz de rogado. "Se não fosse do jeito que foi, não ia gostar, não". E vamos para o início de tudo, que ele considera "uma coisa muito maluca". "A gente fez a letra de ‘Travessia’ e a irmã do Fernando (Brant) pediu para eu assinar o violão dela. Perguntei: Mas pra quê? E ela falou: ‘Vocês vão ganhar o festival’", rememora.

No ano seguinte, lá estava a turma no Rio, no Festival Internacional da Canção. E veio o segundo lugar. "E no outro ano, eu já estava nos Estados Unidos gravando, com o pessoal do jazz. Então, eu acho que tem tudo a ver a música, a astronomia e tudo mais. Eu acho que não poderia ser de outro jeito", filosofa.

Foi o disco "Courage" que deu início à carreira internacional de Milton.

Um Clube que nasceu sob o signo da amizade

De datas redondas, o ano de 2012 está repleto, em se tratando da trajetória de Milton Nascimento. Este ano, também são lembrados os 40 anos do Clube da Esquina. Com a palavra, um de seus principais signatários.

"O poder do Clube da Esquina vem diretamente de uma coisa chamada amizade. Na época do Clube da Esquina, o Lô (Borges) tinha 17 anos, a gente começou a compor em um dia que foi até interessante. Eu fui à casa dos Borges, em BH, e não tinha ninguém. Estava andando em volta, aí chegou o Lô. Falei: Lô, vamos até ali embaixo tomar alguma coisa num bar, em Santa Tereza. Quanto anos eu tinha? Sei lá. Não tenho anos. O Lô tinha 17, 16. (sorri) Aí, no boteco, pedi uma batida de limão, ele outra, e ele recebeu um olhar... Sabe aquele olhar? Ele chegou pra mim e falou: "Bituca, adoro você... E isso é desde pequenininho"

Lembranças de um tempo permeado pelo companheirismo

Lô Borges e Milton moraram no mesmo edifício. "A mãe pedia para ele ir comprar qualquer coisa, e ele ficava na escada me ouvindo. Aí ele falou que me adorava, mas que tinha uma tristeza". O futuro parceiro acabou confessando o motivo: "Apesar de gostar tanto de vocês, vocês não gostam de mim". Milton perguntou que história era aquela. E Lô falou: "Vocês saem pela madrugada e ninguém nunca me chama".

Milton retrucou: "Lô, você viu o olhar que te dei quando você também pediu a batida (de limão)? Hoje fiquei sabendo que você não é mais uma criança. Então, a partir de hoje, a vida muda". Ao que Lô falou: "Tenho umas coisas de música que faço, mas só acompanhamento".

"Perguntei a ele se queria mostrar. Então fomos para lá e ficamos ouvindo música até que ele começou a tocar uma coisa lá. Peguei o violão, fechei o olho e toquei. E sei quando tá acontecendo uma coisa assim, eu fecho o olho e vou tocando".

Quando abriu, estava Márcio Borges sentado no chão com um caderno escrevendo a letra e a mãe deles (Dona Maricota), em pé, chorando. "Essa foi a primeira música que a gente fez, que foi 'Clube da Esquina'".

Dos desenhos aos 118 afilhados

Desenhos animados. Curiosamente, essa é resposta de Milton Nascimento quando indagado a falar sobre suas primeiras lembranças musicais. "E acho que o primeiro foi Cinderela. E também foi uma marca na minha vida, pois quando a gente se mudou para Três Pontas, eu era pequenininho, tocava sanfona e inventava histórias de desenhos. Para cada personagem, eu compunha uma música na hora, sem nem saber o que iria sair. Eu tinha uns seis anos. Era uma loucura, porque às vezes tinha gente mais velha do que eu, ouvindo minhas canções de desenho animado".

Sobre o famoso disco "Clube da Esquina", Milton Nascimento diz que o disco, até hoje, " dá uma alegria para a gente..." Mas ele ouve o CD. "O vinil, me roubaram a vitrola. Ouço qualquer dia e me emociono".

Infância

No cômputo geral, Milton Nascimento diz que suas lembranças musicais estão intrinsecamente ligadas às memórias familiares. "Tudo que eu faço da minha vida eu devo aos meus pais", conta, acrescentando que é um filho adotivo que nunca foi tratado como filho adotivo, "mas sim, como filho".

E as lembranças vêm à tona. "Eu era pequenininho e meu pai estava conversando com minha mãe, a respeito dos amigos deles, e não estavam vendo que eu estava ali. E eu ouvia tudo. Eles sempre estavam ajudando os amigos. Outra coisa: em cidade do interior, geralmente, as mães não gostam que as crianças vão para a casa dos outros, pois vão sujar o chão, vai isso, vai aquilo. Minha mãe era completamente diferente. Ela queria a criançada toda lá".

Milton se lembra que ela fazia chocolate e lanche para todo mundo. "Os meninos eram apaixonados por ela. Além de tudo isso, ela era uma das mulheres mais lindas que já vi. Podem ver as fotos para vocês verem se eu estou mentindo", provoca.
 


Em clique de Raymond Asséo, Milton Nascimento e seu inseparável boné, sua marca registrada

Afilhados

Não por outro motivo, ele é enfático ao dizer que detesta silêncio. "Eu gosto da minha casa cheia e quando mais gente, mais sai música. Eu tenho 118 afilhados de batismo".

É uma loucura quando chegam as férias. "Aí é a época que eu mais componho. É aquela molecada fazendo aquele barulho que é ótimo, na minha casa no Rio de Janeiro", conta.

Quando ele usa a palavra compor, o leitor pode estar certo de que é na acepção do termo. Milton Nascimento segue a dar vazão à sua criatividade, a pleno vapor. "Graças a Deus. Se eu parar, eu morro", exagera.

Foi justamente da lavra de Milton que nomes como os de Elis Regina foram buscar pepitas para seu repertório. "Elis, na minha vida é uma coisa assim, que se eu fosse explicar, ficaria aqui uns dez dias. O principal de tudo é que desde que eu a conheci, todas as músicas que faço, até hoje, eu penso nela cantando. Não penso em mim. Faço para ela".


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