Ícone da música mineira, Marcus Viana discorre sobre mercado e crise, entre outros tópicos

Vanessa Perroni - Hoje em Dia
02/11/2015 às 08:36.
Atualizado em 17/11/2021 às 02:18
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

Em seu estúdio, no bairro Serra, o músico Marcus Viana está, atualmente, focado em reeditar antigos vídeos gravados nos shows do grupo Sagrado Coração da Terra, que pretende lançar em DVD até o final deste ano.

Além disso, está dando os primeiros passos para o projeto “Pharmácia de Música”, que levará canções a hospitais, escolas e presídios, dentre outros. Ao Hoje em Dia, Marcus Viana discorreu, dentre vários assuntos, sobre seu trabalho para o audiovisual e sobre a crise econômica.

Você produziu muito para o audiovisual (TV e cinema). A dinâmica é muito diferente? Como se comporta o músico?
Quando você está trabalhando para televisão, é um mundo maluco, pois a obra que você faz pode ser linda e maravilhosa, mas se o Ibope não estiver bom, sua música faz parte do lixo também. As minhas obras mais conhecidas foram de novelas, e eu tive 20 anos de exposição muito grande. Tenho que agradecer à vida por ter sido encontrado por um cara como o Jayme Monjardim. Mas teve um trabalho que deu tudo errado e eu caí junto com a novela. Existem sucessos e fracassos. Isso é da vida, e é lindo. Quando você faz um filme, é uma obra inteira. Você pode brigar com o diretor, mas não é algo que você mexe no meio do caminho como a TV. Você entrega a obra pronta e pode ter mais acertos. Quando trabalho sem o chicote de um diretor, eu sou muito preguiçoso. No Sagrado Coração da Terra, foram 30 anos de existência, e eu soltei cinco discos. Agora estou em uma época de julgamento, de saber onde estou e para onde vou. O que vou fazer em relação à minha vida. Eu não estou mais na TV e ninguém me obriga a fazer nada.

Diante do avanço da tecnologia e os aplicativos de música streaming, o que se pode esperar do mercado fonográfico mundial?
O CD está acabando. Como você produz uma coisa que as pessoas já não consomem mais? Vai haver cada vez mais um controle sobre o streaming. Cada vez mais as coisas vão ser pagas, vigiadas e monetizadas. Como as faixas das músicas têm um código, o ICRS, logo a leitura disso vai ser via satélite e bloqueada. É uma questão de tempo. Música vai ser uma das pequenas coisas do controle social. Pela primeira vez coloquei minha obra em uma plataforma digital. E ela está mandando minha música para mundo. É interessante você poder fazer downloads meus lá na China, no Cazaquistão... E quem vai pagar não é o cara, é quem está patrocinando. Quando aparece aquela propaganda na frente, pode saber que alguém está me pagando. Pode ser mixaria, mas a gente recebe o direito autoral, e em nível de mundo, começa a ser interessante.

Você descobriu alguns nomes na música. Como avalia a nova geração de artistas brasileiros?
Teve uma época que estava muito voltado para novos talentos. Aconteceu de chegarem, na minha vida, pessoas que até alçaram o grau de primeira grandeza, caso da Paula Fernandes. Mas não foram coisas que eu planejei, a vida trouxe. Há alguns intérpretes legais que pintam. Mas é difícil para um músico que está produzindo se ater a novos talentos, pois o tempo está apertado. Com o meu afastamento da TV, não sou um cara que está na onda de descobrir talentos. Nosso estado produz muitos artistas, que nem sempre “acontecem” porque estamos à margem desse processo rápido da televisão, que é guiado por Rio de Janeiro e São Paulo. Mas sempre que estou na frente de uma pessoa talentosa, dou direcionamentos, oriento e impulsiono.

O país passa por uma crise econômica de grandes proporções. De que maneira esse panorama reverbera no universo da música e no seu trabalho (uma vez que tem uma gravadora)? Enxerga uma saída?
Sou uma pessoa que não sabe falar de economia, nunca geri minha vida no nível econômico, e sempre andei na contramão. Quando o (rock) progressivo acabou, minha música estava saindo, e todo mundo riu, falava que eu estava vindo com velharia. Aprendi a não ficar muito ligado no que vai no mundo. Percebo a crise muito como um movimento mental coletivo. É uma onda que vem, e gera uma onda de mal estar. A bolsa despenca, mas nada para, e uma hora sobe. As crises vêm e vão. Como artista, não posso pensar em crise, pois, se pensar, deixo de ser criativo. Todas as vezes em que me deixei embarcar em sentimentos de perda em relação ao mundo, perdi tempo em fazer coisas que não tinham relação com a arte. A sensação que tenho é que a crise é colocada de fora pra dentro na gente. A sensação é que tem alguém manipulando. Eu, como músico, prefiro pensar que a crise é um estímulo para a gente crescer. É na crise que as coisas acontecem, porque, quando está tudo bem, as pessoas se acomodam.

Como é o universo da música new age? É um nicho com pouca concorrência?
É difícil falar de negócio e sonho. O meu sonho é fazer música de cura, e a concorrência é quando você tem que vender no mesmo nicho no qual estão outras pessoas. O grande compositor húngaro Béla Bartók falava que concorrência é para cavalos, e não para artistas. Eu tento colocar isso dentro de mim, e muitas vezes vejo que estou esbravejando, e tento parar. Me observo muito. Tento cavar o meu espaço sem deixar que esse sentimento de concorrência invada. O nicho new age é completamente caótico, pois há vários movimentos dentro dele.

Em agosto, o Ministério da Cultura fez uma publicação nas redes sociais (#DialogaBrasil), na que afirmava que “você pode até não gostar de funk, mas dizer que não é cultura é desconsiderar essa manifestação cultural riquíssima”, o que gerou polêmica. Como percebe essa questão? Concorda com o termo manifestação riquíssima?
Acho que é uma questão política. Tem uma questão de valorizar tudo que é feito por segmento de gueto no Brasil, para dar uma força cultural nisso. Isso é uma prática do governo de estimular a cultura de massa. Mas o governo tem que ficar neutro nisso, porque ele não promove a manifestação dessa cultura. Não toma a posição de promover a Filarmônica, mas também promover os funks como produtos culturais... Acho que o investimento, se existir, tem que ser nas duas áreas. É normal que não concorde vindo da escola que venho, mas compreendo.

Caetano Veloso disse, recentemente, que detecta hoje, no mundo, uma onda de conservadorismo... Concorda?
Acho que vamos viver coisas do arco-da-velha, e vai haver um enrijecimento social sim. Vai existir uma invasão do mundo pobre para o rico e isso vai se acentuar. Sou um pouco messiânico nesse ponto. Para deter o caos humano, só a mãe natureza. A hora que começar uns cataclismos de acomodação geológica para o problema. Acredito na questão cíclica, que após o verão, vem a primavera. Então, o que está rígido agora, uma hora vai dissolver.

Já o mineiro Samuel Rosa falou, à coluna da Monica Bergamo, e de forma corajosa, sobre o que seria um mau momento para a música brasileira hoje... Concorda com ele?
Como estou na contramão e pra mim todo ano é difícil... Acho que continua difícil, mas gosto, porque é o jogo que me foi dado para jogar. Tenho um público muito selecionado e pequeno, mas extremamente carinhoso. O cara que gosta de progressivo tem que gostar de música clássica, de rock e de ler sobre a humanidade, filosofia e geologia. Eu falava para a Paula Fernandes que eu não queria ter o público dela. Não troco mil (pessoas) do meu (público) por cem mil do dela. E, realmente, isso é uma verdade muito séria. Acho que o artista tem que semear e deixar o dinheiro e o negócio pra lá, e torcer para que os dois andem juntos. Se não, vai ser um infeliz. Eu poderia estar com o estúdio ocupado produzindo funk, mas não é o caso. Ou sertanejo, que também não é o caso, porque é uma onda. Depois da Paula, muita gente me procura, eu poderia estar todos os dias gravando... mas não é isso que quero.

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