Ações inclusivas aproximam deficientes visuais da cultura em Belo Horizonte

Vanessa Perroni
vperroni@hojeemdia.com.br
01/07/2016 às 19:43.
Atualizado em 16/11/2021 às 04:08
 (Arquivo SVOA)

(Arquivo SVOA)

Em cena, uma atriz está sentada no sofá. Outros quatro atores em pé tentam forçá-la a sair do local. Empurram-na para fora do recinto. Esse jogo de corpos e a intensidade da cena o funcionário público Carlito Homem de Sá só conseguiu apreender porque a peça tinha audiodescrição. Deficiente visual, o rapaz de 30 anos é ávido por teatro, mas nem sempre consegue ter a compreensão total da obra.

A audiodescrição geralmente é oferecida em sessões específicas. Na entrada o espectador recebe um kit com fone de ouvido pelo qual recebe informações sobre expressões usadas pelos artistas durante a encenação ou quando alguém sai do palco, por exemplo. 

“Tem muitas cenas que não dão para perceber somente pelas falas dos atores. Se não tivesse a audiodescrição, as falas ficariam confusas. Esse trabalho é necessário. Consegui ‘ver’ 100% da peça e foi incrível”, afirma Carlito, que foi conferir “Nós”, trabalho mais recente do grupo Galpão. 

Apesar de novo no Brasil, o recurso da audiodescrição tem aparecido com certa frequência em produções da capital mineira. A última edição do Festival Sesi Bonecos do Mundo também contou com o recurso. “Hoje há conscientização maior sobre acessibilidade. Isso torna a coisa mais fluida. E a própria comunidade com deficiência visual cria expectativa e sempre nos liga para saber se tem programação com o recurso”, diz a roteirista e pesquisadora da audiodescrição Flávia Mayer, à frente da empresa SVOA, que adaptou o espetáculo do Galpão e do Sesi Bonecos do Mundo. 

Inclusão
A empresa é um desdobramento das pesquisas de Flávia no meio acadêmico desde 2009, quando realizou um mapeamento sobre o acesso à cultura na capital. “Os números eram muito altos: 50% dos deficientes visuais nunca tendo visto um DVD, mesmo em casa. Cerca de 70% nunca tinha ido ao cinema ou teatro”. 

É preciso quebrar a ideia de que museu, teatro ou cinema não falam para esse público. “A cultura tem que falar para todos os públicos. Se o deficiente visual sabe que o local tem audiodescrição ou outros recursos, ele vai sozinho. Passa a não depender de ninguém para compreender uma obra ou ir ao teatro. Isso é muito empoderador”.

6,5 milhões de pessoas têm deficiência visual no Brasil, sendo 582 mil cegas e 6 milhões com baixa visão, segundo o Censo 2010

Capital já tem espaços para atender todos públicos
Um dos lugares que o estudante de Direito Luciano Costa, de 29 anos, mais gosta de frequentar em Belo Horizonte é a Biblioteca Pública. “Lá encontro acervo super acessível, além de fazer várias amizades com as pessoas que frequentam o lugar”, comenta o moço, que perdeu a visão aos oito anos. Ele considera que não há muitos espaços que oferecem recursos para o deficiente visual. “Adoro cinema, mas não vou muito, pois entendo somente 50% do filme”, lamenta.

Mas na capital muitos espaços já caminham para atender todos os públicos. Levantamos algumas opções que contam com recursos para acesso do deficiente visual. A Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa, na Praça da Liberdade, é destaque, como o estudante já constatou. Tem Setor Braille com 2 mil livros, outros 1500 títulos em áudio e 60 filmes com audiodescrição. Espaço também para que artistas exponham obras que possam ser tocadas. Ainda dispõe de serviço de voluntários dispostos a ler para quem quiser ouvir, e o clube de leitura, que sempre discute um título a cada dois meses. Divulgação 

Biblioteca Pública – Entre o público cadastrado para empréstimo de livros, 600 têm deficiência visual 

Ali mesmo, na Praça da Liberdade, outros equipamentos culturais podem ser explorados por deficientes visuais. O CCBB tem indicações táteis para o deslocamento no espaço, visitas mediadas e com audiodescrição, além de materiais disponíveis para o toque, que dialogam com a temática das exposições. Nos fins de semana tem contação de histórias, que muitas vezes incluem elementos sensoriais.

No Museu das Minas e do Metal é possível agendar visitas guiadas por educadores que promovem uma percepção sensorial do acervo. Um exemplo é o uso do Kit de Minerais, em que o público pode manusear as amostras. 

Na Casa Fiat, a exposição “Almanaque – Pinturas de Miguel Gontijo”, tem no acervo dois livros de arquivo confeccionados em lona de tela e pintados com tinta a óleo e acrílico que podem ser manuseados pelos visitantes. Outra exposição em cartaz é a da artista Yara Tupynambá. Ambas com audiodescriçao das obras e do espaço – basta solicitar ao atendente ou agendar visita.Pablo Bernardo / Divulgação

CCBB –Acompanha visita e disponibiliza peças para toque

Na praça da Estação, o Museu Artes e Ofícios abriga no acervo peças que podem ser tocadas e legendas em braille, além de recurso de audioguia, com informações sobre o espaço e o acervo. Outra opção é ir ao Museu Histórico Abílio Barreto. O local possui sala de interação com o visitante, onde peças do acervo podem ser manuseadas. A equipe é capacitada para realizar a visita com o público. Além disso, um dos espaços expositivos possui materiais com o recurso de audioguia e vídeos com audiodescrição.Clarita Gonzaga / Divulgação

Casa Fiat – Exposição tem peça disponível para manuseio

Mais sobre audiodescrição 
Recurso de acessibilidade para pessoas com deficiência visual que amplia possibilidades de compreensão e interação com obras e manifestações de conteúdo visual. Pode ser feita para exposições, filmes, programas televisivos, teatro e dança, materiais pedagógicos, eventos esportivos, dentre outros. (fonte: SVOA)

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