'A Trama' aponta para um cineasta atento ao novo

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
13/11/2017 às 15:36.
Atualizado em 02/11/2021 às 23:41
 (CALIFÓRNIA/DIVULGAÇÃO)

(CALIFÓRNIA/DIVULGAÇÃO)

“Hoje os jovens franceses não têm perspectiva de trabalho. A direita usa isso para promover a rejeição aos imigrantes, bodes expiatórios para a falta de emprego”, observa o diretor francês Laurent Cantet, em sua passagem por São Paulo, há duas semanas, para divulgar seu novo filme, “A Trama”, durante a 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

A conversa com o Hoje em Dia acontece no restaurante vazio de um hotel na rua Frei Caneca, no mesmo dia em que a película encerrou a programação da Mostra. Um dia antes, um motorista invadiu uma ciclovia em Nova York e atirou contra várias pessoas, matando oito.

“A Trama” foi escrito, por sinal, após o massacre terrorista ocorrido no “Charlie Hebdo”, jornal satírico francês, em janeiro de 2015, o que o levou Cantet a confeccionar o seu trabalho mais otimista. “Quis mostrar que, através do diálogo, você pode alcançar uma solução”, salienta o diretor.

A história da nova produção do diretor ganhador de Cannes em 2008, com estreia nesta quinta-feira nos cinemas brasileiros, começa no que parece ser uma simples oficina de escrita, em que a professora e escritora de livros policiais Olivia (Marina Fois) tenta abrir os horizontes de um grupo de garotos de várias etnias de uma cidade decadente do litoral.

O problema é que os partidos políticos frustraram a sociedade. Não há diferença entre eles. Todos são podres na visão destes jovens”

  

A discussões para a construção de uma história de suspense vão ganhando corpo à medida que definem a situação social deles, em particular de Antoine (Matthieu Lucci), o único branco da turma que se vê seduzido pelo discurso de extrema-direita – uma clara referência a uma França em que ideias segregacionistas ganham força.

Muitos dos trabalhos de Cantent se baseiam nesta ideia de diálogo, de confronto, desmistificando vozes representativas, como o professor de “Entre os Muros da Escola”, seu filme mais conhecido, e a escritora de “A Trama”, colocando do outro lado jovens de baixa renda e de origens diversas. “Os adultos tendem a olhar os jovens de cima, achando que são pessoas bobas”, avalia.

“A Trama” se desenvolve sobre o confronto entre dois universos distintos – o adulto e o jovem. Choque que também havia alimentado seu filme mais conhecido, “Entre os Muros da Escola”, ganhador do Festival de Cannes de 2008. Por que essa situação tanto lhe interessa?
O olhar de confronto é uma das coisas que me interessa. É a grande fratura que se tem hoje em dia. Os adultos tendem a olhar os jovens de cima, achando que são pessoas bobas. O personagem da escritora Olivia, que realiza uma oficina de escrita para jovens, vai um pouco de encontro a isso, no sentido em que se deixa tocar por este mundo, passando a receber dele também. Sem a possibilidade deste intercâmbio, o mundo será uma catástrofe.

Tanto ela quanto o professor de “Entre os Muros da Escola” acabam tendo suas convicções abaladas pelo convívio com os jovens.
Hoje em dia é mais difícil ser jovem do que há 10 anos. Mas me interessa também mostrar, nestes dois filmes, a força do grupo, a ideia de se criar um espaço de grupo em que se possa criar os confrontos e a discussão. É neste tipo de espaço que a gente cresce. A escola tem a função de ensinar, mas é também o lugar de aprender a pensar, de se criar critérios.

A palavra oral, em “Entre os Muros da Escola”, e a palavra escrita, em “A Trama”, são usadas como forma de legitimação de poder. Quem não as domina, está à margem.
O que me interessa é o processo da busca para se criar algumas coisas, para se ter ideias em comum. No final de “A Trama”, o garoto rebelde Antoine encontra as palavras precisas para definir o que ele sente. Quando ele encontra as palavras, ele consegue resolver sua vida de alguma maneira. Ele surge no barco, puxando as cordas. Ou seja, larga as amarras e decide ir embora. Depois de todo um processo envolvendo a palavra, ele começa a se entender melhor e achar a melhor decisão.

Um elemento novo neste último filme é a entrada da questão da extrema-direita, que vem crescendo na França hoje. Por que ela está ressurgindo com tanta força no país e também na Europa?
 Tento mostrar os mecanismos de sedução da extrema-direita sobre jovens que estão perdidos. Quanto menos referências você tem, mas fácil será para se deixar seduzir por outras pessoas. Ela pega gente que está à margem do processo, prometendo respostas rápidas. Hoje os jovens franceses não têm perspectiva de trabalho. A direita usa isso para promover a rejeição aos imigrantes, bodes expiatórios para a falta de emprego. Isso acontece num momento de déficit do discurso da esquerda.

Esse déficit da esquerda parece não se restringir apenas à França, seguindo uma escala global.
A França sempre teve uma discussão política muito forte. O problema é que os partidos políticos frustraram a sociedade. Não há diferença entre eles. Todos são podres na visão destes jovens. Então eles tentam outra coisa e a extrema-direita aparece como uma solução possível.

Apesar deste cenário político desolador, o filme é esperançoso, ao mostrar uma saída que não seja a extrema-direita.
Eu escrevi o roteiro após a tragédia do “Charlie Hebdo” (atentado terrorista que atingiu o jornal satírico francês em 7 de janeiro de 2015, em Paris) e percebi que precisava abrir essa porta para a esperança. “A Trama” é o filme mais otimista. Através do diálogo, você pode alcançar uma solução. Além desta questão social, o filme também carrega uma questão existencial em torno de Antoine, já que está mudando de etapa, da juventude para a idade adulta.

Apesar da carga otimista, “A Trama” manipula o espectador como se eles estivessem dentro de uma história de suspense policial, apontando para um desfecho trágico.
Sim, o filme tem essa tensão, que é um elemento do filme noir. Senti a necessidade de falar sobre a violência e escrevi um roteiro em que a ficção do processo de escrita se funde à ficção que Antoine busca. Ele não quer uma novela política ou social, mas sim sair da vida cotidiana dele, que é tediosa. Quando ele atira para a lua, é um gesto literário, não é?

Como em “Direção ao Sul”, um de seus filmes anteriores, você também estabelece uma pulsão sexual entre o homem jovem e a mulher adulta.

Ao mesmo tempo em que eles têm essa atração cerebral, há a atração sexual. É isso que dá cor ao filme.

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