Albinos: a cor da ternura em ensaio fotográfico

Elemara Duarte - Do Hoje em Dia
21/06/2012 às 15:18.
Atualizado em 21/11/2021 às 23:00

Eles quase não têm melanina – proteína que dá cor à pele – e, por conta disso, são os personagens reais escolhidos pelo fotógrafo mineiro Gustavo Lacerda para fazer o ensaio de fotos autorais “Albinos”. O trabalho é resultado de quatro anos de pesquisas estéticas, contatos, paciência e respeito que ainda perduram.


Na próxima segunda (25), o artista recebe o Prêmio Fundação Conrado Wessel de Arte, no qual faturou o primeiro lugar após concorrer com 455 ensaios fotográficos de todo o país. Antes da série ser concluída, partes dela têm sido mostradas em alguns eventos pelo Brasil e pelo mundo. O resultado emociona quem não consegue despregar os olhos da beleza que há no que é diferente. Neste ano, a primeira parte do projeto deve ser finalizada com uma sequência de imagens que o fotógrafo fará no Maranhão. O livro com a totalidade das fotos também entrará em produção e deve ser publicado no final de 2013.


Radicado em São Paulo há 12 anos, Gustavo Lacerda falou ao Hoje em Dia sobre sua obra. O fotógrafo, que começou sua carreira na versão impressa deste jornal como repórter fotográfico, foi para a capital paulista para trabalhar com publicidade. O encontro com os albinos se deu de forma gradual, a partir de 2009. "Passei a ficar mais atento nestas pessoas, que passam sempre depressa pelas ruas, meio tímidas". Os primeiros contatos que fez foram por meio de redes sociais.


"Acho bonito o descolorido. São pessoas que têm uma postura delicada. Além da pele, é pelo silêncio que eles também chamam atenção", avalia. Mas não espere ver albinos famosos no trabalho de Lacerda como no caso dos músicos Hermeto Pascoal e Sivuca ou do ex-jogador de futebol Ademir da Guia. "O trabalho é pelo lado dos anônimos", indica. Mesmo assim, os modelos tiveram tratamento de artista, com figurino especial e cabeleireira, porém, a participação deles foi voluntária.


Na primeira sessão, o fotógrafo ainda pesquisava o caminho estético que queria percorrer. A escolha pelos tons pastéis do cenário imitam papel de parede. Já a opção pelos figurinos com modelos "retrô" veio com o tempo. Para encontrar as roupas, Lacerda perambulou por brechós. "Queria passar uma imagem tipo de foto de família".


Além disso, foi necessário que o fotógrafo criasse uma luz "mais difusa, suave", para que os tons da pele fossem mantidos e o brilho não ofuscasse a visão dos albinos. "A maioria deles têm problemas de visão, por isso, a luz muito forte incomoda". Assim, Lacerda criou um sistema com flashs que rebatiam em uma superfície. A luz, já amenizada é que chegava até os fotografados.


Não deve ser fácil estar fora dos chamados "padrões convencionais". Obesos, magrelos, gays e demais minorias que o digam - mesmo que a partir destas minorias que a maioria seja feita. "O objetivo foi capitar o orgulho destes albinos por estarem ali. Mas vi muito o sentimento de timidez. Quando eu dava o figurino para vestirem, eu mexia com a auto-estima deles", entende Lacerda.


O fotógrafo diz que não se absteve de captar estas reações e que elas são perfeitamente compreensíveis. "Qualquer pessoa que está fora do que se convenciona como padrão é zoada. Certamente, eles sofreram muito na infância por serem albinos. As crianças que fotografei são um pouco retraídas. Procurei não dirigir muito as imagens. Eu quis capitar isso. Percebi que a mão é um ponto de tensão comum em todos, às vezes o estrabismo".


Com a ideia correndo mundo, assim como os belos resultados delas, Lacerda diz que muitos albinos entraram em contato com ele, por meio do seu site (www.gustavolacerda.com.br), querendo ser fotografados também. "Recebo e-mails do mundo inteiro. Estou à disposição".


Mesmo bancando sua ideia, Lacerda diz que o trabalho já começa gerar alguns recursos, por meio dos prêmios que recebe. Em 2010, o fotógrafo recebeu o Prêmio Brasil Fotografia (antigo "Prêmio Porto Seguro Fotografia"), e desde então, está conseguindo viajar para realizar o projeto juntamente com sua equipe. "Encontramos pessoas muito humildes e muito esclarecidas que aderiram".


Uma das mais emocionantes e raras histórias encontradas pelo fotógrafo é das gêmeas univitelinas albinas Helena e Mariana, 2 anos. "Ter um filho albino é uma surpresa total. Gêmeas albinas, então, é mais surpresa ainda. Logo quando nasceram, a mãe delas numa tentativa de entender o que as filhas tinham, chegou até meu trabalho".


As meninas foram convidadas para fazer parte do ensaio, mas a mãe delas não se sentia muito confortável para expor as crianças. Um ano e meio depois pontuado por conversas e entendimentos, a mãe resolveu aderir à proposta. Hoje, as imagens delicadíssimas das irmãs também arrancam suspiros emocionados onde chegam. "Combinamos que eu fotografaria as irmãs ao longo da vida. Temos a possibilidade de vislumbrar a beleza em qualquer ser humano", ensina.
 

Família italiana é retratada em ensaio

 
A imagem típica dos albinos, que a maioria das pessoas têm na mente é: cabelo claro e crespo, olhos que variam do verde ao azul e a pele alva, muitas vezes, combinada com traços típicos dos negros. Porém, isso têm exceções. Exemplo disso vem da italianíssima família Cavalli, cujos três irmãos albinos foram registrados pela lente de Gustavo Lacerda.


A engenheira elétrica e estudante de educação física Andreza Cavalli, 32 anos, diz que gostou da proposta por não haver maquiagem. "Gustavo queria o que realmente é. Soube valorizar a vestimenta e o nosso tom de pele. Ficou muito perto da realidade". Andreza conta que a mãe e o pai dela vieram de famílias com muitos filhos, mas que só a família dela foi "premiada" com descendentes albinos.


Andreza diz que ela tem o raro albinismo do "tipo 1", que não têm melanina alguma na pele. Segundo a engenheira, que mantém o perfil no Facebook "Albinos do meu Brasil e do mundo", nas pessoas com pele branca, a incidência de albinos é de um para cada grupo de 17 mil pessoas. Entre as pessoas de pele negra, a incidência dos "branquinhos" é maior: de um para cada grupo de 4 mil.
 

Na família com quatro filhos, Andreza é a segunda a manifestar a característica. "Minha mãe conta que quando meu irmão, o André, nasceu foi a maior festa. Saíram desfilando com ele pelo hospital. Depois, quando eu nasci, não era mais novidade. Na terceira gravidez, quando o Marcos nasceu, minha mãe perguntou para o médico: 'será albino de novo, doutor'?". O médico, diante da preocupação da mãe, disse que o importante era que o bebê viesse com saúde.


A engenheira diz que em um dia ameno passa protetor solar fator de número 30, mas que em dias quentes chega a usar fatores que podem chegar a 60. "A função da melanina é proteger a pele contra a radiação solar. É como se a pele quando exposta ao sol dissese para as células: 'Joga melanina, lança seus escudos!'", explica bem humorada. A albina diz que cinco minutos de exposição ao sol já são suficientes para queimar a sua pele chegando a "fazer bolhas".
 

Além do sol, os albinos têm algumas limitações com a visão listadas no capítulo "dor e delícia" na vida destas pessoas. "Até para paquerar na rua dificulta", continua a extrovertida Andreza. Ela diz ainda que se for ao cinema e usar óculos para ver imagens em 3D, não consegue perceber o efeito. "Temos que nos adaptar aos ambientes. É como no caso dos canhotos. O mundo foi feito para os canhotos? Eles também têm de se adaptar".
 

Andreza admite que por ser albina, precisou se esforçar um "pouquinho mais" para conseguir realizar seus objetivos. "Se eu não fosse albina, não teria as mesmas ambições". Entre as "delícias" de ostentar sua peculiar característica física ela lista a cor dos seus cabelos, que ela gosta muito. "Além disso, posso mostrar a outros albinos que podemos levar uma vida normal. Temos que nos preocupar com o próximo. É um sentido altruísta. Não temos que ficar só em casa, protegidos em uma bolha".


Além do cobiçado prêmio "Conrado Wessel", as fotos dos albinos ja foram expostas no MASP, em 2010, sendo que três das imagens foram adquiridas pela Coleção Pirelli MASP para o acervo permanente do museu. "Nesta exposição, os albinos foram em peso. Com todo mundo elogiando, alguns fotografados passaram a se achar bonitos. Fiz este ensaio com uma intenção humanista", admite Lacerda.


No início de 2012, algumas fotografias do ensaio também foram expostas no Palais des Beaux Arts, em Bruxelas, durante a Europalia, Bienal Internacional de Arte e Cultura que acontece na Bélgica. E a trajetória dos albinos não para por aí. Recentemente Gustavo Lacerda foi convidado expor este trabalho em Paris.

Associação das Pessoas com Albinismo na Bahia: www.apalba.org.br

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