Arte para ser destruída e substituída

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.b
20/10/2017 às 23:01.
Atualizado em 02/11/2021 às 23:19
 (MÁRIO RUFINO/DIVULGAÇÃO)

(MÁRIO RUFINO/DIVULGAÇÃO)

Espalhados pela cidade na forma de cartazes com mensagens e ilustrações sem nenhum caráter comercial, os “lambes” são a arte da rua, feitos para interagir com o ambiente veloz das metrópoles. Por isso é tão efêmero. A graça está justamente em ver ser descartado, rasgado ou rabiscado por algum desconhecido que reage ao folheto anônimo.

“Era engraçado ver a reação das pessoas. Fazia parte do processo criativo essa intervenção”, registra Luiz Navarro, um dos nomes por trás de curiosos pôsteres em que se lia “masturbe seu urso”, muito comuns no centro de Belo Horizonte no início deste século. Ele também é autor do livro “Pele de Propaganda”, que descreve o movimento dos “lambes” na capital mineira.

“Os lambes tiveram vários momentos em BH. Junto com os stickers, eram a linguagem de vários centros urbanos no mundo. Aqui começou com as pichações, nos anos 90, em que a assinatura era estilizada, geralmente com um adesivo”, salienta Navarro. Na década passada, houve um boom na cidade, com artistas de vários estilos.

“Ao lado de João Perdigão, fazia imagens relacionadas com uma frase. Tínhamos uma coisa sarcástica, mais underground. Fazia todo sentido na época. Agora ela ressurgiu de uma maneira diferente. Neste terceiro movimento, há uma coisa mais poética, para provocar reflexão”, analisa.

Leonardo Beltrão integra esta última etapa. O foco dele, como faz questão de frisar, é a palavra. “É um formato historicamente antigo. Na década de 70, na época da ditadura, era uma forma de crítica clandestina. O que mais me atrai é não ter controle sobre o que faz. O lambe é da rua e para a rua, diferente da literatura tradicional. A linguagem é menos sofisticada e ninguém quer ser o guardião da literatura”, afirma Beltrão.

Ele lançou recentemente o livro-objeto “Poemas de Muro e Amor”, que compila textos do projeto #umlambepordia. São 119 lambes destacáveis, criados de forma artesanal. O livro foi feito na única tipografia ainda em funcionamento na cidade, “permitindo uma reconstrução de todo o meu processo, por também não termos muito controle sobre ele”.

Destruição

O interesse do artista pelos lambes começou em Varginha, no interior de Minas, quando, adolescente, ajudava a divulgar os espetáculos do pai, produtor cultural. “Saía para a rua para colar os cartazes0, fazer o grude”, lembra Beltrão. Ele fez o livro para ser destruído, com suas páginas descartáveis ganhando vida em outros lugares.

Produtor de cinema, Navarro assinala que o lambe não foi feito para durar. “O fim dele é ser colado, com as pessoas rabiscando ou colando outras coisas por cima”. Hoje ele já não produz mais. “Faço uma ou outra vez, de brincadeira. Na época era algo excessivo. Dava rolê para colar, no centro, na Savassi e no Barro Preto”, lembra.MARIO RUFINO/DIVULGAÇÃO

Arte como resultado da observação do cenário urbano

Cláudio Alcântara, o Xerel, foi um dos primeiros artistas de rua a adotar os lambes e os stickers. Em suas pichações, usava um adesivo como assinatura. “Era uma espécie de tag”, observa Luiz Navarro, que lembra da trajetória de Xerel no livro “Pele de Propaganda: Lambes e stickers em Belo Horizonte (2000–2010)”.

“Conheci uma galera que pintava nas ruas de BH e comecei a fazer, dentro de um contexto maior que era a paixão pela fotografia. Desde novo queria trabalhar com a fotografia”, detalha o artista, hoje com 47 anos.

Observação

Ele lembra que a relação com a cena urbana se deu principalmente pelo trabalho. Como funcionário de um instituto de pesquisa, andava por toda cidade, interessando-se pela observação do que acontecia na rua.

“Em São Paulo, onde cheguei a ficar meses trabalhando direto, em institutos de pesquisa, terminava meu serviço no início da tarde e depois ficava de rolê, indo do centro ao extremo leste, tornando-se uma experiência única”, recorda.

Para Xerel, o lambe não era um ato de rebeldia. “Fazia porque gostava de arte”, destaca. Ele não escolhia lugar para fazer suas colagens, pregando em tudo que encontrava pela frente. “Fazia muito na época, era uma coisa meio frenética”, lembra.

Cabeça quadrada

Segundo ele, os artistas não tinham as facilidades de hoje, como tintas e acesso a imagens e informações pela internet. “A gente improvisava mesmo, criando as nossas próprias ferramentas. Hoje há uma diversidade de materiais, como um bico de spray que possibilita um traço mais fino”.

O desenho pelo qual ficou conhecido era uma cabeça meio quadrada, feita de forma tosca. “A partir daí comecei a chamar a atenção de colecionadores. Até me tornar o que sou hoje”, destaca Xerel, que passou a fazer esculturas e trabalhar com bonecos do grupo Giramundo.

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