Adolescentes de Brumadinho aprendem a questionar em projeto do Inhotim

Cinthya Oliveira
cioliveira@hojeemdia.com.br
28/08/2016 às 20:44.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:35
 (Lucas Prates/Hoje em Dia)

(Lucas Prates/Hoje em Dia)

O Instituto Inhotim vai além da oferta de um passeio agradável por um jardim botânico e por obras de arte interessantes. A instituição também desenvolve projetos sociais e educacionais junto à comunidade de Brumadinho, onde está localizada, e aos seus funcionários. 

Um dos projetos educacionais mais marcantes é o Laboratório Inhotim (LAB), que, assim como o parque, está completando dez anos. Voltado para adolescentes de 12 a 16 anos que moram em Brumadinho e estudam na rede pública da cidade, o projeto desenvolve uma formação complementar, tendo a arte contemporânea como meio provocativo para que os garotos possam ver o mundo de uma maneira mais crítica. 

O trabalho é dividido em dois módulos, cada um com duração de um ano. Vinte meninos de 12 a 14 anos são escolhidos para ingressar no módulo 1, onde são expostos a conceitos e experimentações ligadas à arte. Depois, dez deles são escolhidos para fazer o módulo 2, onde aprendem a fazer pesquisa científica. Cada jovem recebe uma bolsa financiada pela Fapemig. Realizados às terças e quintas, os encontros têm três horas de duração. 

Dedicação
Rhayane Alves, de 16 anos, passou pelos dois módulos, mas não conseguiu se imaginar longe do Inhotim. A garota pediu e conseguiu continuar a participar do projeto, dessa vez sem a bolsa. 

“O projeto ensina a gente a ser uma pessoa de opinião, uma pessoa que questiona. Prepara a gente para o mundo lá fora em qualquer situação. A gente sai daqui sabendo argumentar, que não pode aceitar nada sem saber o porquê. Também aprende a conviver com o outro e a compartilhar”, conta Rhayane.

Segundo ela, esse conhecimento aprendido a partir dos dois encontros semanais no Inhotim transforma a vida escolar dos garotos. “Na escola, consigo criar um debate em sala de aula ou argumentar com o professor sobre o que quero saber”, exemplifica.

Diogo Souza, de 16 anos, conta que tem aprendido a ser protagonista. Ele criou um blog e sonha em ser jornalista. “Quando a gente entra aqui não tem muita coragem para intervir nas coisas que vê de errado. Agora percebi que tenho, sim, o poder para intervir, mas tenho de ter argumentos”, conta. 

“Aprendemos a expor a opinião de forma correta, não agressiva, e com argumentos sólidos”Millene Paraguai, 15 anos

 Lucas Prates/Hoje em DiaLilia Dantas, supervisora de educação do Inhotim, conversa com os alunos do Módulo II sobre a arte da japonesa Yayoi Kusama

Pesquisas de jovens estão relacionadas aos seus próprios anseios e inquietações

Os garotos têm bolsa de iniciação científica, devem fazer uma pesquisa, mas não há restrições sobre o que vão entregar ao Inhotim. Pode ser um estudo tradicional, mas também pode ser um vídeo, uma performance ou qualquer outra proposta artística.

“Eles aprendem a escolher objetos de pesquisa a partir de seus desejos e inquietações próprias. Nem todas as escolhas estão relacionadas ao acervo do Inhotim”, explica a supervisora de educação do Inhotim, Lília Dantas. “Eles aprendem a escolher o objeto de pesquisa, a levantar informações, como lidar com textos de outros pesquisadores e a falar em público”. 

Em seu projeto de pesquisa, Wender França, de 16 anos, uniu seu interesse pela dança com suas inquietações sobre sua homossexualidade. “A dança como ferramenta expressiva para resistência queer: estudos sobre os corpos LGBT e ações de obtenção de liberdade” é o comprido nome da pesquisa que ele está desenvolvendo. 

Um dos pontos trabalhados por ele é um vídeo feito no Inhotim. “Há alguns dias, com uma ideia de trabalhar opressão e liberdade, me maquiei e saí andando pelo parque. Vi reações totalmente diferentes ao longo do caminho e registrei tudo em vídeo”, conta Wender, que pretende trabalhar a liberdade que os gays sentem em determinados espaços e o medo que vivenciam em lugares ainda tomados pela homofobia. 

Faculdade
Esse contato com a pesquisa e o questionamento tem frutos consistentes em uma cidade de 35 mil habitantes que tem a economia muito voltada para a mineração. É inevitável: os garotos que passam pelo programa passam a desejar o ingresso em uma boa faculdade.

“Muitos ex-alunos nossos fazem faculdade de Belas Artes e de cursos não ligados a artes. Nosso maior exemplo é uma colega que foi da primeira turma do Laboratório e hoje faz parte da equipe do Educativo do Inhotim”, conta Lília. 

Festival
Os alunos do Módulo vão seguir os passos das duas turmas anteriores e preparar um festival de arte e cultura para a comunidade de Brumadinho. São os próprios adolescentes quem vão preparar as oficinas a serem ministradas durante o evento. Igor Oliveira, de 13 anos, é um deles. “Agora em nossas conversas temos muitos mais assuntos para conversar. E os amigos querem saber o que fazemos no Inhotim”. 

“Aqui a gente aprende a olhar o mundo de outra forma. Antes víamos uma obra e achávamos estranho e hoje conseguimos olhar de outra forma”, diz Laura Murta, de 15 anos. 
 

No LAB, os jovens fazem pesquisa de campo e têm aulas com especialistas convidados de diferentes áreas

 Outros projetos com estudantes envolvem coral, escola de música e educação ambiental 

O Inhotim trabalha outros projetos educativos. Um deles é a Escola de Cordas, com 90 jovens de escolas públicas de Brumadinho e região, que tocam violino, viola, contrabaixo e violoncelo. Tem também o Coral Inhotim, formado também por estudantes. 

Há ainda o projeto Espaço Ciência, um laboratório itinerante feito para divulgar e popularizar a ciência na rede pública de ensino, contribuindo para o desenvolvimento do olhar crítico em relação às questões ambientais. Essas ações acontecem no Inhotim e dentro das escolas de Brumadinho e região. 

Pesquisa e experimentação também fazem parte do projeto Jovens Agentes Ambientais (JAA), que oferece um programa de formação a jovens moradores de Brumadinho, visando o entendimento sobre questões ambientais e a adoção de comportamentos mais conscientes em relação ao uso dos recursos naturais. Ano passado, 22 jovens participaram desse projeto. 

Visitas
Há projetos de parcerias com prefeituras para viabilizar as visitas de estudantes ao parque. O projeto Descentralizando o Acesso, em parceria com escolas da rede pública de ensino de dez municípios do entorno de Brumadinho, é o mais importante deles. Atende 8 mil alunos e 400 professores por ano. 

O projeto funciona em dois momentos: um grupo de professores vai até o Inhotim e passa por uma formação para ser um “multiplicador”. Depois, educadores do museu a céu aberto vão até as escolas para entender a realidade deles. A dinâmica termina, claro, com a visitação ao parque. Divulgação  O parque é uma grande fonte de informações para os jovens pesquisadores

Além disso

Com 700 funcionários, o Inhotim é o segundo maior empregador do município de Brumadinho – que tem cerca de 35 mil habitantes, que vivem na região central e em vários distritos, alguns bem distantes do instituto. 

Os funcionários também podem ampliar o conhecimento durante seu trabalho no Inhotim. No instituto, há um projeto chamado “Encontro Marcado”, feito com interessados das mais diferentes áreas (jardinagem, manutenção, limpeza, monitoria, entre outros). A ideia consiste em estimular o questionamento e uma maior percepção sobre a arte por meio de dinâmicas variadas. 

Recentemente, os participantes foram convidados a fotografar o Inhotim por meio da técnica de pinhole – aquela em que o papel fotográfico é colocado no fundo de uma caixinha e a imagem é fruto da luz que penetra no objeto a partir de um furinho, feito com alfinete. Além do contato com a arte, os funcionários acabam tendo momentos de convivência, já que nem sempre é possível reunir pessoas de tantas áreas diferentes. 

Os monitores também são estimulados a conhecer mais sobre todos os espaços do parque. De tempos em tempos, há um rodízio entre eles, para que não atuem sempre nas mesmas galerias ou obras. Eles não são obrigados a ter um grande conhecimento técnico sobre os trabalhos artísticos ali presentes, mas a maioria se esforça bastante para adquirir conhecimento. Não é difícil encontrar um monitor disposto a conversar sobre obras de arte ou munidos de informações sobre diferentes pontos do Inhotim. 

Comunidade
Por meio de uma rede de artesãos, o Inhotim contribui para o fortalecimento dos grupos comunitários que se dedicam ao artesanato. Algumas ações voltadas para os artesãos são coordenadas em conjunto com o escritório regional do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). O instituto também incentiva a Rede de Empresários de Turismo na região, formada por mais de 40 empresários. Vale lembrar que o público que visita o Inhotim hoje é dez vezes maior do que em 2006. 

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