Artistas colocam visibilidade a serviço de questões políticas e sociais

Thaís Oliveira - Hoje em Dia
20/02/2016 às 10:00.
Atualizado em 16/11/2021 às 01:30
 (Instagram/Reprodução)

(Instagram/Reprodução)

Um dia antes de a final da 50ª edição do Super Bowl – o campeonato de futebol americano – acontecer, a toda poderosa Beyoncé Knowles lançou o single “Formation”. Horas depois, a cantora (devidamente acompanhada por dançarinas com figurinos que faziam referência ao Panteras Negras) adentrava o estádio palco do evento (em Santa Clara, na Califórnia) como uma das atrações escaladas – ao lado de Bruno Mars e do Coldplay – em meio à disputa entre o Denver Broncos e o Carolina Panthers.

Vale lembrar que o Super Bowl é sucesso indiscutível de audiência (foram 111,9 milhões de pessoas vendo), e, com a polêmica, o planeta inteiro parou para refletir (ou criticar) o que se transformou em uma espécie de hino contra o racismo. Em meio aos elogios, Beyoncé também foi achincalhada e houve até uma proposta de boicote a seus shows, com a hashtag #boycottbeyonce. Mas a mãe de Blue Ivy não está sozinha. Na verdade, nem foi a pioneira: basta lembrar o impacto que Billie Holliday causou ao interpretar “Strange Fruit” no final dos anos 30.
Muitas décadas depois, artistas de diferentes vertentes seguem erguendo bandeiras. Poucos dias depois de Beyoncé, Kendrick Lamar também fez a sua performance engajada na entrega do Grammy.

Énia Dára, diretora da Feira Ébano e estilista da marca de moda afro que leva o seu nome, diz que, no caso de Beyoncé, o plano foi traçado minuciosamente. “Ela esperou estar no auge para que a sua voz fosse mais escutada”. Énia tem razão. Ícone da música pop, Beyoncé fez com que a sua força repercutisse alto nos ouvidos da “superpotência”, acusada, na letra, de exterminar negros por sua polícia. “Gosto do cabelo do meu bebê, com o cabelo de bebê afro/Gosto do meu nariz negro como manda os Jackson 5”, diz a tradução livre de outro trecho da música.

Spike lee

Ainda dentro das ações que visam combater o racismo – ou o que é visto por alguns como discriminação –, não há como deixar de mencionar que nomes como Spike Lee e Will Smith anunciaram que não irão à cerimônia do Oscar (no próximo dia 28) como forma de contestar a ausência de indicações de negros à estatueta pelo segundo ano consecutivo.

Na última vez em que eles entraram na disputa, em 2014, saíram de lá contemplados. Quem não se lembra do discurso emocionado de Lupita Nyong’o, melhor atriz coadjuvante por “12 Anos de Escravidão”? O filme, um retrato de páginas cruéis da história dos EUA, foi, inclusive, o grande vencedor da noite.

Outra recente produção a gerar burburinho é a do documentário que o jornal inglês The Guardian fez. Ele aborda o racismo no Carnaval, a partir da ex-globeleza Nayara Justino, que teria perdido o cargo por ser “negra demais”.

Énia considera que iniciativas assim ajudam, sim, a rechaçar preconceitos, ampliando a chance de um futuro mais igualitário. “A arte tem um papel muito grande de fazer a ponte necessária para mostrar que a cultura negra é bela e de muita riqueza. E, qualquer um que vê uma música, arte ou uma modelo negra não pode negar as suas belezas”, conclui.

Machismo é outro tema que mobiliza as redes sociais

O machismo é outro tema constante na pauta dos artistas e foi motivo de uma discussão acalorada na internet no início desta semana. Isso porque o Atlético colocou modelos femininas de biquíni para apresentar a nova camisa do clube. Além disso, na instrução de lavagem, a etiqueta da camisa traz os dizeres “dê para a sua esposa”.

Apesar da paixão pelo Galo, Aline Calixto não hesitou em se manifestar sobre o assunto. Pelo Facebook, a cantora disse estar “chocada com o machismo”. Em pouco tempo, o post lotou de curtidas e comentários. Muitos deles de apoio – mas muitos também de reprovação. Houve quem afirmasse que Aline estava de “mimimi”, e comparasse o desfile esportivo a um de moda.

“Há pessoas que não compreendem o real sentido da discussão. Não estou indo contra um time. A discussão é sobre a objetificação do corpo da mulher e o machismo dentro do futebol. Comparar um desfile de moda praia com o de um time é um absurdo”, disse a artista, ao Hoje em Dia.

União que faz a força

Para Aline, o “machismo é uma das formas mais brutais de injustiça que o ser humano já inventou na face da Terra”. “Isso é algo sério e grave, porque o machismo fere e mata. Por isto, quanto mais vozes – e não só de mulheres – se juntarem a este coro, mais chances temos de construir um mundo mais igualitário e justo”.

Em tempo: a canadense Dryworld, fabricante das camisetas, pediu desculpas pela etiqueta da linha casual da marca, na qual está impressa a citada frase “Give it to your wife”, assumindo a culpa pelo erro de produção.

Um álbum todo feito sobre a hipocrisia da sociedade

“Essa Coca é mais pra Fanta/Esse cravo cheira a rosa/De versinho em versinho/Esse poema vira prosa”. Os “versinhos” supracitados são da música “Será?!”, de Rodrigo Pitta, cantada em parceria com Ana Carolina e Elza Soares. Lançada no Carnaval, o hit faz parte do álbum “PQP – Porque Pop ou Patria que o Pariu!”, previsto para agosto, e virou polêmica na web. Enquanto uns defendiam ferrenhamente a letra, outros a consideraram homofóbica. A estes últimos, Pitta, contudo, rebate: “a letra é totalmente pró-gay”.

Pitta ressalta, ainda, que a canção traz qualidades dos homossexuais, como o bom gosto para se vestir. Quanto às expressões outrora empregadas no sentido pejorativo como “veado” e “abre seu armário”, ele justifica: “As frases da música foram tiradas do cotidiano brasileiro. Esse álbum todo é sobre a hipocrisia, com vários personagens que fazem parte dessa sociedade (preconceituosa)”.

E, apesar de suscitar a “Cabeleira do Zezé”, ao trazer o verso “Será que ele é?”, Pitta diz achar uma loucura toda essa “patrulha”. “Não existe porque não ter humor ao redor desse tema”.

No balanço geral, o artista saiu satisfeito. “Achei a abertura dessa discussão bem positiva, pois uma só coisa conseguiu ser interpretada de duas formas”, afirma ele, que dirigiu os musicais “Cazas de Cazuza” e “Um Homem Chamado Lee”, que, de alguma forma, reverberam a questão da homossexualidade.

Assucena Assucena

O assunto está tão na ordem do dia que amanhã, às 20h, o programa “Metrópolis”, da TV Cultura, recebe Assucena Assucena, vocalista da banda As Bahias e a Cozinha Mineira. Transexual, ela usa a música como ferramenta na luta contra a homofobia e o machismo. O álbum lançado por sua banda em novembro entra em sintonia com discussões feministas que estiveram em pauta nos últimos meses por meio de hashtags como #meuprimeiroassédio e #meuamigosecreto.

Além disso

Ao menos na classe artística, pessoas que engrossam o coro da luta pela valorização da mulher na sociedade não faltam. Taylor Swift, por exemplo, aproveitou o recentíssimo Grammy 2016, no qual saiu com a vitória pelo Álbum do Ano por “1989”, para dar um recado às mulheres. “Quero dizer a todas as mulheres: haverá pessoas no caminho que tentarão desprezar o seu sucesso. (...) Mas, se você focar no trabalho e não permitir que essas pessoas a menosprezem, um dia chegará ao seu destino, olhará à sua volta e saberá que foi você e aqueles que gostam de você que a colocaram no topo”, disse.

Ano passado, já havia reverberado o discurso da atriz Patricia Arquette, durante a entrega do Oscar, no qual ela reivindicou salários iguais para mulheres e homens – tendo sido aplaudida de pé por Meryl Streep. Aliás, e voltando ao tema racismo, Streep – que compõe o júri do Festival de Berlim, que termina hoje – também endossou Spike Lee ao declarar, na capital alemã, que a indústria do cinema precisa de “quadros menos brancos e masculinos para abrir mais Hollywood à diversidade”, segundo a Agência France Presse. O diretor de 58 anos, que também foi à Berlinale, disse: “Não foi Spike Lee, mas o escritório do censo americano que disse que em 2046 os americanos brancos serão minoria neste país. Inclusive aqueles que não acreditam na diversidade, que acreditam em um dólar onipotente”.

Veja o clipe oficial de "Formation", de Beyoncé:



 
Confira a performance de Kendrick Lamar, no Grammy 2016:  (function(d, s, id) { var js, fjs = d.getElementsByTagName(s)[0]; if (d.getElementById(id)) return; js = d.createElement(s); js.id = id; js.src = "//connect.facebook.net/pt_BR/sdk.js#xfbml=1&version=v2.3"; fjs.parentNode.insertBefore(js, fjs);}(document, 'script', 'facebook-jssdk'));

Kendrick Lamar's performance blew the audience away at the #Grammys. Publicado por Mashable - Entertainment em Segunda, 15 de fevereiro de 2016

 
Veja o post de Aline Calixto sobre o desfile promovido pelo Atlético:  (function(d, s, id) {  var js, fjs = d.getElementsByTagName(s)[0];  if (d.getElementById(id)) return;  js = d.createElement(s); js.id = id;  js.src = "//connect.facebook.net/pt_BR/sdk.js#xfbml=1&version=v2.3";  fjs.parentNode.insertBefore(js, fjs);}(document, 'script', 'facebook-jssdk'));

Olha, quem me conhece sabe da paixão que tenho pelo Galo, mas sinceramente, estou envergonhada e chocada com tamanho... Publicado por Aline Calixto em Terça, 16 de fevereiro de 2016



Ouça a música Será?!, de Rodrigo Pitta:



 

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