Autores de “fanfics” ganham seguidores apaixonados, principalmente adolescentes

Elemara Duarte - Hoje em Dia
07/09/2015 às 09:54.
Atualizado em 17/11/2021 às 01:40
 (Flávio Tavares/Hoje em Dia)

(Flávio Tavares/Hoje em Dia)

Há uma leva de novíssimos escritores que nasceu no universo adolescente da “fanfiction” e, agora, caminha pelas próprias pernas produzindo literatura autoral. Mas ainda para o digníssimo público “teen” que os consagrou.   Mas o que é “fanfiction”? “Ficção de fã”, “fanfic” ou, para os íntimos, “fic”. São histórias mirabolantes sobre um ídolo ou um gosto cultural escritas por fãs e disponibilizadas para outros fãs na internet. O movimento se firmou no Brasil a partir do impacto entre leitores de séries como Harry Potter, no final dos anos 1990.   “Eu tinha 14 anos, morava no interior de Goiás e estava lendo Harry Potter. Mas não tinha livraria e eu queria conversar com as pessoas sobre os livros. Mas ninguém lia Harry Potter lá”, lembra Babi Dewet.    Com a janelas dos vizinhos fechadas para a prosa, em nome do fantástico, Babi resolveu entrar pelas janelas virtuais. Lá achou fóruns dos fãs, interatividade e... “Então descobri que existiam as fanfics. Nelas, a gente podia fingir que era o personagem, recriar as histórias”, lembra. As histórias de Babi foram uma das pioneiras a ter interatividade com os leitores.   EM BH – Babi também é fã dos Beatles. Fanfic da banda? “Seria bacana”, diz, ostentando tattoo do Fab Four. Foto: Flávio Tavares   De lá pra cá, a fama A escritora, hoje com 28 anos, esteve em BH no último mês para o disputado lançamento do livro de contos “Um Ano Inesquecível” (Editora Gutenberg), escrito em parceria com as também autoras infantojuvenis, igualmente best-sellers, Thalita Rebouças, Paula Pimenta e Bruna Vieira. Mais de 4,5 mil fãs foram vê-las.   Babi, a representante “ficwriter” entre as demais, é autora da trilogia de livros “Sábado à Noite”, baseada em uma história que ela criou com a banda inglesa McFly. Ela diz que não se fixa em números, mas os gritos ensurdecedores de “Babi, eu te amo”, vindos dos fãs durante o evento, comprovam a popularidade da carioca. “Hoje meus fãs fazem fanfics da minha fanfic”.   Como se não bastasse, a mesma editora convidou Babi para escrever uma trilogia sobre música e romance, com o título provisório de “Cidade da Música”. De adolescente diante do ídolo, ela virou o próprio, para aqueles milhares de fãs da sessão de autógrafos.     De fã a autora A moda das fics parece que não vai acabar tão cedo. “Neste ano, vamos lançar o ‘Universo Paralelo’, site para hospedar fanfics”, diz a estudante de Letras e ficwriter Larissa Nicolau, a “Lan”. Ela integra um grupo de 15 outras escritoras do segmento, de vários estados do Brasil, que estão empenhadas no projeto.    Mineira, aos 20 anos, ela é autora da fanfic “Ópera”, também inspirada na banda McFly. “Hoje, já não consigo mensurar a repercussão, fui convidada pela Faculdade Cásper Líbero (SP) para transformar a história em uma websérie no YouTube – a página deles já tem mais de 5 mil curtidas com os vídeos”.   Inspiração pode vir de Harry Potter, da Disney, dos Beatles... As mulheres dominam o universo das fanfics é fato. Mas há um “bendito é o fruto” entre elas. Trata-se do escritor Felipe Sali, 23 anos. Ele quebrou esta regra e, assim como elas, evolui de fã para ídolo e também está sendo disputado por editoras, afim de que suas histórias saiam do virtual para o registro em papel.    Ele é da Baixada Santista e, assim como Babi, deixou a criação “fic” para assumir o lado autoral. Agora, ele publica a mais recente, em que mostra uma história inspirada na vida do mineiro Santos Dumont – mas sem citar o inventor do avião.   FELIPE SALI – Com o título “Mais Leve que o Ar”, autor inspira-se em Santos Dumont. Foto: Instagram Felipe Sali/ Divulgação   Escritor embaixador “Hoje sou embaixador do WattPad no Brasil”, pontua. Entre as 400 mil visualizações que possui na rede de compartilhamento de histórias, Sali reúne as suas “Salizetes” – as fãs. Ainda muito criança, ele diz que começou escrevendo neste estilo, mas com base nos personagens da Disney. Depois, na internet, integrou a longa lista de fãs do Harry Potter. Na época, ele publicava fanfics para o bruxinho, mas no extinto Orkut.    Como os livros ainda estavam sendo lançados, a galera não sabia como ia terminar. Aí a gente fazia o final. É muita ansiedade, era coisa de fã mesmo”, lembra. Com o sucesso das fics, Sali passou a fazer as histórias “autorais” ou “originais”.   O primeiro “original” se chama “Ick Perspectiva”. Fala de um garoto que gosta de escrever poemas, mas que esconde isso. Machismo, deboche de amigos... “É bastante autobiográfico”, admite. Agora, estas histórias estão sendo negociadas, diz ele, com uma grande editora. As cartas neste processo ele quem vai dar, afinal, leitores não lhe faltam.     De hobby a ganha pão Em “Mais Leve Que o Ar”, a nova história, o local onde o protagonista vive se parece com Minas Gerais. “Pesquisei vi fotos antigas. Chamou bastante atenção as igrejas. Escrever é meu trabalho, meu hobby e meu plano para o futuro”.    O estudante Leonardo Martins de Oliveira, 17 anos, ensaia para ser um ficwriter. “Via séries de TV e ficava imaginando como seriam as histórias com outros pontos de vista. Escrevia com colegas. Cada um, um capítulo. É a interação”. Bandas pop também estão entre as inspirações. “A gente lia para nós mesmos. Tínhamos amigos de fora, passávamos para eles lerem”.    Ele cita redes sociais típicas para estas postagens como Spirit e Nyah! Fanfiction. Agora, prepara uma fic com uma amiga e quer postar na internet.    “A fanfic para mim é um laboratório de escritores. Vai existir para sempre. E ainda vai revelar muita gente boa”, prevê Sali.   ENTREVISTA   O que é fanfic? Babi – É uma história escrita de fã para fã. Pode ser de artistas, de músicos, de filmes, escritores, de livros, de qualquer coisa. O autor (fã) usa um universo que já existe e, em cima disso, cria a sua própria história.   Por que as “fics” fazem tanto sucesso? É uma forma de expressão muito livre. Você pode fazer a história que quiser com o seu ídolo. Pode criar uma história mirabolante, de sonho. E ninguém vai te julgar. A fanfic que lhe levou ao sucesso teve como personagens centrais os integrantes da banda McFly. Você conseguiu conhecê-los pessoalmente? Eu os entrevistei em São Paulo para um site que eu cuidava, quando vieram aqui em 2009. Hoje tenho contato com a produtora deles. Na época, levamos perguntas de fãs.      E leram suas histórias? Eles souberam do meu projeto. Um amigo falou sobre isso com eles. Os integrantes pediram para traduzir para o inglês, mas não consegui entrar mais em contato com eles para saber o que acharam sobre isso.  Você já tem três livros. Precisou fazer alguma adaptação das histórias para o impresso?     É uma trilogia. Mas quando transformei as histórias da fanfic para livro, tirei o nome da banda, por causa dos direitos autorais. Antes de ser escritora, você trabalhava com o quê? Eu tenho um grupo com minha mãe, lá no Rio de Janeiro, que é um projeto de reeducação de adolescentes com dificuldades de aprendizado. Agora parei um pouco, para me dedicar a um próximo projeto para adolescentes (a convite da Editora Gutenberg). Mas ainda não posso falar muito sobre isso.     Desde quando pensa em ser escritora? Sempre gostei de escrever mas nunca pensei em lançar um livro. Mas em 2009, relendo a fanfic, achei que seria bacana publicar em livros, mas de forma independente.  Mesmo criando histórias com inspirações próprias. As fics ainda lhe inspiram? Eu já li e ainda leio muito fanfic. É uma boa oportunidade para nós escritores não termos vergonha de mostrar as histórias. Você escreve e coloca na internet e, automaticamente, já terá leitores, porque todo mundo é fã de alguma coisa.   Pelo que estou vendo no seu braço (tatuagem) você também é fã dos Beatles. Por que não faz uma fanfic deles? Sou muito fã dos Beatles! Sou fã de rock, mas também sou fã de música coreana, já ouviu falar?  Música coreana??? Acho que nunca ouvi... Mas uma fanfic dos Beatles seria bacana, hein?   FANFICS POPULARES

- “The Velvets”, por Ana Aguiar
 
- “Fuck Me”, por Safe Moore

- “Psicose”, por Andie P

- “Sábado à Noite”, por Babi Dewet


CURIOSIDADES DO UNIVERSO DAS FANFICS

- A fanfic "Minha Amada Leviana", sobre Aécio e Dilma, bombou na internet na época das eleições”.

- A escritora Carolina Munhoz, referência entre os autores do gênero fantástico, iniciou a carreira se inspirando na série Harry Potter.

- Site mostra uma série de fanfics criadas para com o cantor pop Justin Bieber, um dos personagens mais constantes deste universo.

- O site de histórias interativas Fanfic Obsession, mesmo sendo um dos mais frequentados no segmento de histórias interativas, foi retirado do ar recentemente.

- O livro “Fangirl”, de Rainbow Rowell, que se tornou um best-seller mundial, fala sobre a história de uma autora de fanfics.
 
- O “Clube das Autoras” representado pelas ficwriters Marcella Moreira e Letícia Black, teve mais de 30 mil leitores cadastrados. O endereço se desmantelou para formar o grupo "https://www.facebook.com/groups/418366745024787/?_rdr=p" de autoras e leitores de fanfics, mas no Facebook. O endereço foi criado há um mês e já conta com mais de 3 mil membros.

- Dentre as fanfics que se tornaram livros, os três da autora Julianna Costa estão entre os eróticos mais vendidos do Brasil. Eles foram antes postados na internet. “Sem Vergonha”, baseado na fanfic “Proteção à Testemunha”, está nas livrarias.
        
- O livro “Insanatório”, de Andréa Prado, veio de uma fanfic interativa de grande sucesso na internet chamada “Psicose”. Os exemplares se esgotaram em poucos semanas.

- “Cinquenta Tons de Cinza”, antes de ser o fenômeno mundial que se tornou, e vender mais de 90 milhões de exemplares, era antes uma fanfic da saga “Crepúsculo”.

- Cassandra Clare, autora da famosa saga “Instrumentos Mortais”, passou anos escrevendo fanfics de Harry Potter.

- Recentemente uma curiosa brincadeira feita pela Prefeitura de Curitiba envolveu uma fanfic de Harry Potter.

- Nyah Fanfiction e o Social Spirit são dois dos maiores sites de fics do Brasil.

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