“CineOP” reforça vocação de defender o Cinema Patrimônio

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
27/05/2014 às 07:25.
Atualizado em 18/11/2021 às 02:45
 (CineOP)

(CineOP)

Desejos que vêm acompanhados da frase “antes de eu morrer...” devem ser prontamente atendidos, mesmo que exijam um esforço maior que o habitual de quem recebe a incumbência. Caso de Raquel Hallak, coordenadora da “9ª Mostra de Cinema de Ouro Preto” (CineOP), com início na quarta-feira (28) na cidade histórica.
 
Ao escolher o cineasta Luiz Rosemberg Filho como homenageado desta edição, junto a Ricardo Miranda, ela acabou impelida a acionar seu lado detetivesco após ouvir, do diretor, o pedido de que “Jardim de Espuma”, desaparecido há nada menos que 30 anos, fosse localizado. “Rosemberg não tinha a menor ideia de como encontrar a cópia. Só sabíamos que estava na França”, registra.

Por sorte, o pesquisador e restaurador José Quental, ex-funcionário do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, estava naquele país e aceitou a missão. O filme foi encontrado no acervo da ONG Coletivo Jovem, e em bom estado de conservação.

Metáfora política

“É uma ação inédita que estamos realizando e que tem tudo a ver com a temática da mostra, que é a preservação”, comemora Raquel. A cópia, em 16mm, segue na França, mas uma equipe foi enviada a Paris para fazer uma versão em digital, que será transmitida via satélite para a exibição dessa sexta-feira, no Cine Vila Rica.

Metafórico em relação à situação política da época em que foi filmado, durante a ditadura militar, “Jardim de Espuma” se passa em um planeta extremamente pobre, dominado pela opressão. Para satisfazer planos econômicos dos planetas ricos, um emissário é enviado ao lugar e acaba sequestrado por facções de oposição.

Também em posse do Coletivo estava uma cópia em película de “Imagens” (1972), média-metragem com poucas exibições no Brasil. “Eram muito exibidos na França e a ONG estava doida para convidar Rosemberg para participar das sessões, mas não tinha o contato dele. Essa busca também serviu para se criar esse intercâmbio”, assinala.

Também de forte conteúdo crítico, discutindo o papel político do cinema, o média não tem som – e por isso ganhou o título “Imagens do Silêncio” na Europa. “Uma das dúvidas dos franceses era se o filme foi feito originalmente sem som ou se a cópia estava danificada. Agora eles têm acesso a esses dados para suas próximas exibições”.

Mostra destaca longas de Luiz Rosemberg e Ricardo Miranda

Raquel Hallak explica que a homenagem a Luiz Rosemberg Filho é uma consequência natural diante de um nome que, apesar de ter caído na obscuridade nas últimas três décadas, nunca deixou de produzir filmes autorais e que vem chamando a atenção de novas gerações.

“Rosemberg desenvolveu um estilo muito peculiar, um trabalho radical que mescla crítica política, erotismo e amor ao cinema. Ficou muito à margem da geração dele, mas hoje está sendo estudado nas universidades e é tema de teses”, sublinha Raquel.

Um velho conhecido de Rosemberg também será homenageado em Ouro Preto: o diretor e montador Ricardo Miranda, falecido em março. Eles trabalharam juntos no longa-metragem “Crônica de um Industrial” (1978), cartaz de sábado na Mostra.

A grade contará ainda com três filmes em que Ricardo assinou como diretor: os longas “Paixão e Virtude” (2014) e “Bricolage” e o curta “A Nostalgia do Branco” (1979).

Com uma extensa programação de filmes e debates até a próxima terça-feira, o festival tem também como um de seus atrativos a exibição de um fragmento inédito do curta “As Sete Maravilhas do Rio de Janeiro”, do pioneiro mineiro Humberto Mauro.

O tema da Mostra é a formação de redes, questão que, pela primeira vez, ganha atenção num festival de cinema. “Nesses nove anos da CineOP, já percebemos que a (preocupação com a) preservação é um fato. A questão é como ter acesso a esse material numa sociedade organizada em rede”.

A coordenadora geral da Mostra pondera que o digital não é apenas um suporte técnico, mas um modo de ser da sociedade atual. “Num trabalho de preservação e educação, as pessoas podem se conectar, buscar informações e tornar possível alguns projetos”, analisa.

Os seminários evidenciarão alguns trabalhos que já estão sendo aplicados na área de educação. Além disso, foram inscritos mais de 100 filmes da América Latina produzidos por alunos e professores. “Estamos abrindo um projeto piloto, para que não fiquemos apenas na teoria, mostrando o cinema como um instrumento multidisciplinar”.

Entrevista - Luiz Rosemberg Filho

Debilitado após passar por exames para tratamento de um câncer na próstata, na manhã de ontem, Luiz Rosemberg Filho conversou com a reportagem do Hoje em Dia por intermédio de seu produtor, Cavi Borges, que foi até à sua casa, no Rio de Janeiro, para colher as respostas às perguntas enviadas por e-mail.

Mas não são os problemas de saúde que impedirão o diretor de 56 filmes, realizados em diferentes formatos, de estar presente na abertura da Mostra de Cinema de Ouro Preto. Feliz com a homenagem, ele ganhou de presente dos organizadores a recuperação de uma de suas obras mais importantes, “Jardim de Espuma”.

O diretor de 69 anos ainda não viu a cópia, encontrada no acervo de uma ONG em Paris, a quem o diretor agradece por ter “salvo” o seu filme. “A cópia original do Brasil infelizmente foi destruída pelo produtor e virou piaçava de vassoura. No Brasil, a arte vira lixo. No meu caso, vassouras!”, lamenta.

Como está sendo reencontrar com uma obra que o senhor já dava como perdida há 30 anos?

Ainda não estou acreditando nisso. Só acredito quando realmente ver na tela. Nunca achei que fosse rever esse filme. Já tinha aceitado como perdido. Revê-lo realmente será uma experiência especial. E, mais do que isso, possibilitar que toda uma nova geração de cinéfilos veja será realmente especial para mim.

Como essa cópia foi parar na França, hoje pertencente ao acervo da ONG Coletivo Jovem?

Morei na Europa por cinco anos e passei meus filmes em festivais e cineclubes de lá. Mas as cópias foram se perdendo. Você manda para um festival e eles nunca mais lhe devolvem. E fica por isso mesmo. Nesse caso, acabou sendo bom, pois está sendo “salva” agora. A cópia original do Brasil infelizmente foi destruída pelo produtor e virou piaçava de vassoura. Pode isso? No Brasil, a arte vira lixo. No meu caso, vassouras!

Glauber Rocha definiu “Jardim de Espuma” como uma sopa de pedras. Esse filme é mais forte, por exemplo, que “Crônica de um Industrial”, um dos seus principais trabalhos?

Tão forte quanto. Um filme que refletia o meu estado e dos brasileiros, que, na ditadura, não podiam pensar, fazer filmes e criar. Tudo era censurado. Todos os meus filmes foram. Isso é muito chato e muito triste. Estava com muita raiva disso tudo e essa raiva se refletiu nos filmes.

No material de divulgação da CineOP, o senhor afirma que “Imagens” é seu trabalho mais radical. Por que?

É um média-metragem de 45 minutos sem som algum. Muito radical e raivoso. Nunca foi exibido no Brasil. Mas fora daqui ganhou prêmio de melhor filme. Esse é nosso Brasil!!!

Além dos trabalhos antigos, a Mostra exibirá a sua obra mais recente, “Farra dos Brinquedos”, em que a crítica política é deixada um pouco de lado para registrar a contribuição dos brinquedos na educação e na formação das crianças.

Esse curta é uma espécie de piloto de uma série de TV que estou desenvolvendo com a (produtora e atriz) Bárbara Vida. A mãe dela é dona de uma fábrica de brinquedos artesanais e resolvi documentar isso misturando elementos de ficção com o documental. Estamos à procura de canais de TV para realmente transformar esse piloto em série. O Cavi Borges, meu produtor, me disse que tenho que pensar em produzir séries para a televisão. Para canais mais alternativos como o Canal Brasil, que investe no artista brasileiro e não censura nada! Por sinal, meu novo longa, “2 Casamentos”, foi financiado com a ajuda desse canal.

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