David Cardoso vem a BH relembrar sua trajetória como rei da pornochanchada

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
05/05/2017 às 17:08.
Atualizado em 15/11/2021 às 14:25

Se um produtor de Minas Gerais ligar agora para David Cardoso, pedindo para ele trabalhar num futuro filme como contrarregra, sem ganhar nenhum tostão, o “rei da pornochanchada” é capaz de “largar tudo e ir para aí”. O amor pelo cinema, garante, continua intacto, o mesmo de quando passou, nas comédias realizadas por Mazzaroppi na década de 60, por todas etapas de produção de um longa-metragem.

“Fiz tudo o que você imaginar sem estudar. Era um analfabeto. Colei a vida toda, o que não recomendo para ninguém. Mas aprendia vendo os outros, de curioso. Quando eu era continuísta, enquanto o pessoal ia para a farra eu ficava passando as folhas a limpo. Olhava a câmera de 40 e tantos quilos, a lente...”, recorda David, que estará em Belo Horizonte, no dia 29, como convidado do projeto “Curta Circuito”.

Ele virá para a exibição de “Corpo Devasso”, um dos 80 filmes que produziu. “Tinha escritório, com 11 funcionários, contador... Entrava em contato com a equipe técnica, convidava atrizes – a Patricia Scalvin, que atua no filme, foi eu que descobri... Minha produtora era a maior de todas”, registra o hoje proprietário de área ecológica em Mato Grosso do Sul, terrenos e cerca de 50 casas para aluguel.

Dinheiro para o pai

Aos 74 anos, completados em 9 de abril, David assinala que conseguiu o patrimônio que tem hoje abrindo mão de “comprar Mustang e fumo – nada contra, mas todo dinheiro que ganhava, mandava para o meu pai”. Atualmente, ele “corre atrás” dos inquilinos que não pagam e acorda antes das 5 horas, dormindo apenas 240 minutos por dia, fruto de uma insônia que o acompanha há 60 anos.

“Hoje acordei às 3h20. Fiz comida, pratiquei uma hora de boxe, vim para o escritório e agora estou falando com você... Não tem preguiça. Nunca cheguei atrasado em qualquer encontro, fosse com homem, mulher, cachorro ou viado. Sei que uma hora vou cair duro, estafado”, salienta.

Na rua, ainda é reconhecido como o “rei da pornochanchada”, aquele que transou com mais de 800 mulheres.

Vida fulgurosa

No táxi, o motorista me reconhece, fala que não vai cobrar nada e liga para a esposa, para mostrar quem está com ele no carro, dizendo que tivemos um papo incrível. Mas há outras pessoas que torcem o nariz. Apesar disso, posso afirmar que tive uma vida gratificante, fulgurosa”, sintetiza o ator, que, entre os filmes mais marcantes, fez “A Moreninha”, com Sônia Braga, e “Caingangue, a Pontaria do Diabo”.

Destaca que gostaria de ter sido um Tony Ramos, um “cara correto, que dá todo o dinheiro que recebe à mulher”, mas que ele e a TV não foram feitos um para o outro. Chegou a participar de algumas novelas, no final dos anos 70 e início dos 80, mas o fato de ficar longe de sua terra, levou-o a abandonar o estrelato na telinha. “Enquanto estava na Globo, roubaram minha fazenda. Pegaram o meu avião para saltar de para-quedas, além de 17 vacas”.

Fama de 'pegador' era parte do marketing de suas produções

David Cardoso ficou estigmatizado, rotulado pelas várias produções com mulheres peladas (e ele também). “Falavam que meus filmes tinham de tudo. Durante muito tempo, eu era o rei da sacanagem no Brasil. Nunca participei de suruba, nunca transei com duas mulheres ao mesmo tempo... Mas nada como o tempo para ir acertando tudo”, sublinha.

O problema, segundo ele, é que as pessoas fundiam o personagem com o ator, algo que, admite, não fazia questão de refutar na época, como parte do marketing de suas produções. “Fiz um filme, o ‘Dezenove Mulheres e um Homem’, e falaram que eu tinha comida todas as 19 atrizes... Quando eu era ator e produtor dos filmes, eu não me envolvia com elas. Terminadas as filmagens, aí sim, envolvi-me com várias, não vou negar”.

Sem putaria

O famoso “teste do sofá” nunca aconteceu em suas produções, com as atrizes sendo convidadas pela beleza e pelo talento. “A Matilde Mastrangi (uma das rainhas da pornochanchada) fez seis filmes comigo e só pus a mão nela em cena. Numa viagem a Portugal, chegamos a dormir na mesma cama, mas ela era noiva e eu também. Sempre a respeitei”, salienta.

Ele lembra que empregou muita gente e abriu as portas para atrizes que deslancharam no gênero posteriormente. “Vi muitas boas profissionais começando na pornochanchada. Não havia putaria. Nunca as vi fazendo programa. Eram algumas vezes trouxas, caindo de amores por homens, ricos ou pobres”, recorda David.

Produtor de 34 filmes, ele faz questão de frisar que nunca foi acionado na Justiça trabalhista. “Venho da escola Mazzaropi, pagando religiosamente todos os funcionários nas sextas-feiras. Chorava até o último momento, mas pagava o combinado”, destaca. O seu filme de maior bilheteria foi “Dezenove Mulheres”, que ficou oito meses em cartaz no Cine Marabá, de São Paulo.

Além disso

Em sua passagem de três dias por BH, David Cardoso espera poder exibir sua última produção, “Sem Defesa”, que ele define como um trabalho “contundente, misto de ficção e documentário, sobre a violência brasileira”, com participação dos apresentadores Datena e Ratinho e do senador Álvaro Dias, do Paraná.

“A Justiça brasileira é capenga, com ninguém indo preso”, critica David Cardoso, que pôs a mão no bolso para bancar parte dos R$ 400 mil gastos na produção, realizada em apenas quatro dias e já exibida fora do país. “Com esse filme, encerrei a carreira de produtor”, avisa, sem, no entanto, abdicar do amor ao cinema.

“Pedi R$ 100 mil para atuar em um filme paulista. O diretor acabou me pagando R$ 10 mil em dez vezes. Mas se gosto do projeto, não é o dinheiro que irá me fazer desistir. Amo o cinema. Vi ‘Matar ou Morrer’ 46 vezes. ‘Meu Ódio Será Tua Herança’, 28. Vejo um mesmo filme duas vezes num mesmo dia”, registra.

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