Denise Fraga vive ex-militante política em novo filme de Tatá Amaral

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
17/04/2013 às 11:52.
Atualizado em 21/11/2021 às 02:54

Em se tratando de dinheiro para divulgação, o cinema brasileiro surge tímido diante do gigante hollywoodiano, que investe no setor quase o mesmo valor gasto nas filmagens. Aqui, os escassos recursos são dirigidos prioritariamente para a produção.

Melhor sorte teve a diretora Tata Amaral ("Um Céu de Estrelas", "Antônia"), que viu cair em seu colo uma alavanca importante para badalar o lançamento de "Hoje", em cartaz a partir de sexta-feira (19). E sem precisar desembolsar nenhum centavo.

A espera na fila por uma vaga nas telonas, dois anos após ganhar vários prêmios no Festival de Brasília, coincidiu com a recente abertura para consulta pública dos arquivos do Dops paulista, um dos braços de tortura e perseguição da ditadura.

É esse indigesto, mas fundamental, olhar do presente em direção ao passado, sobre como enfrentar os fantasmas políticos, o tema central do novo longa-metragem da cineasta, protagonizado por Denise Fraga e pelo uruguaio César Trancoso.

Tema atual

"Aconteceu de o filme sair numa hora em que o Brasil está discutindo a necessidade da verdade. Não poderia imaginar algo assim em 2005, quando comecei a pensar no longa. Na época, falar nisso era algo estranho, ninguém tocava muito. Esse tempo todo que gastei para captar recursos acabou sendo favorável de certa forma", comemora.

Tata salienta que Vera, personagem de Denise Fraga, é exatamente como o Brasil de agora, que precisa enxergar o passado para poder seguir em frente. Para a realizadora, é impossível simplesmente esquecer essa página trágica da história brasileira, especialmente para quem estava na luta contra o regime.

"É importante para alcançar a cura. Enquanto não enfrentarmos os fantasmas, os fatos se repetirão. A gente não quer mais tortura no país, mas ela continua acontecendo em alguma prisão ou na rua. A batalha para esclarecer todos os acontecimentos tem função depurativa", destaca.

Suspensão

Tata cita a família do jornalista Vladimir Herzog, que foi torturado até a morte, em 1975. Por ele ser de origem judaica, não puderam enterrá-lo em solo sagrado porque na certidão de óbito constava suicídio como causa mortis, algo que não é aceito pela religião.

"O fato de não serem considerados oficialmente mortos criou uma situação de suspensão, com mulheres que não podiam casar de novo ou receber benefícios de viuvez, além de filhos que não tinham autorização para viajar, por exemplo, por falta da assinatura dos pais autorizando".

É o ponto de partida para a história de Vera, que, em 1995, ano que foi promulgada a lei 9.140, que trata de indenização a familiares de vítimas de tortura. A protagonista compra um apartamento com o valor recebido pela perda do marido. Durante a mudança, uma pessoa surge para atiçar suas lembranças da época.

A trama é baseada no livro de Fernando Bonassi, que também inspirou "Um Céu de Estrelas". Outro ponto de contato entre os dois filmes é o cenário único e claustrofóbico de um apartamento.

"Hoje" é permeado por ausências pessoais

Tata Amaral ficou tocada por um capítulo em especial do livro de Bonassi, o que fala do desejo de auto-extermínio do marido de Vera (César Trancoso, ator uruguaio de "O Banheiro do Papa"). "Com 19 anos, eu vi essa cena acontecer comigo, quando perdi o meu primeiro marido", revela.

O filme também é permeado por outras ausências pessoais, como o pai, cuja história verdadeira ela só veio a conhecer anos mais tarde. Retratado pela filha no documentário "O Rei de Carimã", ele teria sido injustamente acusado de estelionato na década de 40. "Ele virou um monstro na minha família, que escondeu esse passado".

Buraco negro

Com tantas camadas íntimas no filme, Tata passou "a entender o que representa esse buraco negro quando você coloca algumas coisas para debaixo do tapete". Uma delas é o que a ditadura gerou na sociedade. "Fingimos que somos alegres e que gostamos de samba e cerveja, mas aceitamos a ditadura".

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