Discoteca Pública troca ponto na Floresta por Mercado Distrital do Cruzeiro

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
23/07/2014 às 07:08.
Atualizado em 18/11/2021 às 03:29
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

Edu Pampani está longe de fazer o tipo Indiana Jones dos vinis, deixando de protagonizar grandes aventuras em busca do Santo Graal da discografia brasileira para reaver, em terras estrangeiras, velhas e raras “bolachas” que foram transportadas para as mesas de DJs e colecionadores da Europa e Japão a partir da década de 1990.

Como bom baiano (é paulistano, mas morou 18 anos em Salvador, antes de mudar-se para Belo Horizonte há 12 anos), o proprietário da Discoteca Pública – a única de Minas Gerais – sabe esperar. “Sei que um dia ele vai chegar aqui”, salienta, referindo-se a um dos LPs mais procurados: “Tim Maia Racional” (1975). Se tem um recorde que ele almeja, é o de maior detentor de discos de música mineira.

Não há distinção por autor ou qualidade dos fonogramas. Dividem a mesma estante famosos e anônimos. “Pode ser Toninho Horta ou um desconhecido. Todos eles têm o mesmo valor para mim”, avisa Pampani, dentro da sala que abriga seu acervo de 15 mil discos, transferido para o novo endereço, na loja 27 do Mercado Distrital do Cruzeiro.

A mudança se deu meio na surdina, há dois meses, e ele já comemora o “triplo de público” que tinha na loja da Floresta. Agora num ambiente maior, ladeada por outras lojas de cultura e lazer, a Discoteca Pública está mais próxima do objetivo de seu criador, como cupido dos bolachões e de quem aprecia a boa música.

Sonho: ser a casa da música mineira

Edu Pampani quer fazer da Discoteca Pública a casa da música mineira. “Fico muito feliz quando chega um artista daqui e encontra a sua obra completa, em perfeito estado de conservação”, registra. 

Alegria maior é ver familiares resgatando a história de parentes, vivos ou já falecidos, que um dia puseram a voz numa matriz de acetato em gravadoras mineiras como Bemol e Palladium.

“Esses artistas têm um público hoje: a mãe, os irmãos, os filhos e os netos... Muitas vezes é um disco que está desaparecido, por terem feito poucas cópias na época, e o único lugar onde pode ser encontrado é aqui”, rejubila-se.

DIGITALIZAÇÃO

A Discoteca tem aparelhos – antigos, como vitrolas e tape decks, e novos, entre eles o CD player – para que o interessado não só “mate” a saudade de um disco como também possa levar uma cópia para casa.
Em alguns casos, o cliente não precisa ir ao endereço. Cerca de quatro mil vinis foram digitalizados pelo proprietário. No site (discotecapublica.com.br) estão as capas dos discos que já ganharam o formato.

No Mercado Distrital do Cruzeiro, os vinis estão separados por ordem alfabética. Boa parte deles é de produção independente. “Quero ter todos. Bom ou ruim. O gosto é muito particular. Sempre haverá alguém para escutar”.
Essa tese só não vale para mídias digitais, na avaliação de Pampani. “As pessoas gravam dez mil músicas num MP3 e deixam lá, sem nunca ouvi-las. Mas um disco é físico. Quando você sai daqui com um desses, qual a primeira coisa que faz ao chegar em casa?”, indaga.

FIM?

E, para aqueles que enterraram o vinil quando foram lançados os primeiros aparelhos de CD no final da década de 1980, Pampani assinala que o velho disquinho de plástico nunca deixou de ser produzido, especialmente no exterior.
No Brasil, o interesse pelos bolachões levou à reativação da fábrica da Polysom, em 2009. Atualmente, ela conta com quase 100 títulos em catálogo. “O artista independente quer estar aqui”, afirma Pampani, apontando para uma banquinha de vinis. “É uma maneira de ser percebido pelos DJs”, observa.

Colecionadores europeus e japoneses ‘raparam’ raridades

Uma das origens da Discoteca Pública está no desgosto de Edu Pampani em ver um grande número de estrangeiros levarem de sua loja, em Salvador, no início dos anos 90, vinis que, mais tarde, viraram raridade. “Levaram quase tudo. Muitos deles preciosidades que nunca mais voltaram”, lamenta Pampani. Eram colecionadores europeus e japoneses, que davam grande valor a estilos como a black music.

Cansado desse cenário desolador, ele fechou as portas de sua loja e se mudou para Belo Horizonte, convencido por amigos de que havia um interessante movimento musical em torno da música independente.

Em 2002, criou o projeto da Discoteca Pública, disponibilizando para consulta, na época, cerca de quatro mil títulos – vários deles desembarcados na rodoviária da capital mineira em oito grandes engradados.

Um antigo colecionador chamado Pedro Paulo Salomão aumentou seu acervo, vendendo centenas de LPs na certeza de que “estariam num lugar onde sabia que seriam conservados, podendo ouvi-los a qualquer hora”.

SELOS MINEIROS

Com o passar dos anos, o olho de Pampani ficou “treinado” para o tipo de música que gostaria de ver em suas estantes: a música independente mineira das últimas cinco décadas. “Vejo pelo selo. Bato o olho e reconheço”.
Em posse do disco, ele não sai mais da discoteca. A não ser se for uma duplicata. O proprietário garante que não aceita ofertas por seus “filhos únicos”. A boa notícia é que a mudança para o Mercado do Cruzeiro possibilitou criar uma banca de venda.

“São discos repetidos que eu tinha em casa e não havia espaço para disponibilizá-los na outra loja”, avisa. O Mercado também passa a receber a Feira do Vinil e CDs Independentes, no final de cada mês, possivelmente a partir do próximo mês.

Mas ela continuará sendo realizada também no endereço antigo, na Galeria Inconfidentes, na Savassi, sempre no segundo sábado de cada mês. A última edição aconteceu no dia 13, homenageando Raul Seixas.

Referência sobre peças de reposição

A Discoteca Pública não é dirigida apenas aos vinis, tornando-se também uma referência importante sobre aquisição de peças de reposição para vitrolas e pick-ups. “Muitas pessoas não sabem onde achar uma agulha de disco”, ressalta o proprietário Edu Pampini, que mantém sua loja com doações e recursos das leis de incentivo estadual e municipal.

Confira as 10 preciosidades eleitas por Edu Pampani

1 - Parada de Sucessos – Coletânea da Sinter – 1952




Este álbum lançado em 1951 foi o segundo Long Playing lançado no Brasil. A Sinter foi a pioneira no lançamento de discos de microsulcos. Até então só se ouvia as famosas bolachas de 78 rpm com apenas duas músicas. O surgimento dos microsulcos permitiram a criação de discos com tempo de execução mais longos e assim foi possível introduzir mais faixas ou músicas, no caso. Para este 10 polegadas a Sinter reuniu alguns de seus artistas de maior sucesso na época. http://discotecapublica.blogspot.com.br/2012/04/parada-de-sucessos-1952.html

2 - 5º Aniversário – Coletânea da Sinter – 1956



Um álbum histórico e especial pelos seguintes motivos. Este foi o primeiro ‘long play’ de 12 polegadas lançado no Brasil. Um álbum comemorativo que contempla 16 faixas, em formato de coletânea, dos primeiros e principais artistas do selo Sinter. Este álbum celebra os cinco anos da data de lançamento do, também primeiro, disco de 10 polegadas no formato 33rpm, lançado pela Sinter em 1951 no Brasil. http://discotecapublica.blogspot.com.br/2013/04/5-aniversario-coletanea-da-sinter-1956.html

3 - Ases do Ritmo – Ritmos do Brasil em Estéreo – 1958



Este álbum tem uma grande peculiaridade que é o fato de ter sido o primeiro disco gravado em som estereofônico totalmente nacional, com músicas e instrumentistas brasileiros. Os primeiros lançamentos em estéreo de 1958 a 1963 se tornaram peças raras e valiosas para colecionadores no mundo inteiro. Outro grande detalhe, neste disco a música Chega de Saudade foi gravada pela primeira vez e numa versão instrumental. http://discotecapublica.blogspot.com.br/2013/04/ases-do-ritmo-ritmos-do-brasil-em.html

4 - Joao Gilberto – Chega de Saudade – 1959



Chega de Saudade é o primeiro álbum do cantor e compositor João Gilberto. O disco foi lançado em LP em 1959, tendo sido mantido em catálogo desde o seu lançamento até 1990, por 31 anos consecutivos. A faixa-título do LP, composta pela dupla Antônio Carlos Jobim e Vinícius de Moraes, grande sucesso no Brasil, lançou a carreira de João Gilberto, tornando conhecido o movimento da bossa nova que se iniciava. Em 2007, foi eleito em uma lista da versão brasileira da revista Rolling Stone como o quarto melhor disco brasileiro de todos os tempos. Detalhes, clique aqui.

5 - Pery Ribeiro – Pery é todo Bossa – 1963

Este disco foi um marco na carreira de Pery Ribeiro, é onde se encontra a primeira versão da música Garota de Ipanema de Tom e Vinícius, deixando de lado a briga de quem fale que a primeira é da Claudette Soares. Um disco fantástico, que marcou o início da carreira de Pery Ribeiro e a história da música brasileira, recheado de sucessos de Menescal e Bôscoli, Tito Madi, do próprio Pery e de Geraldo Cunha. http://discotecapublica.blogspot.com.br/2012/06/pery-ribeiro-pery-e-todo-bossa-1963.html

6 - Pedro Santos – Krishnanda - 1968



Pedro Santos é compositor e inventor de vários instrumentos de percussão entre eles a Tamba, tocada por Helcio Milito no Tamba Trio, o mesmo aparece como produtor neste disco. Krishnanda é seu único álbum autoral, apesar dos experimentalismos, é altamente pop, com melodias pra lá de assobiáveis. A fonte de inspiração é a música africana, seja aquela dos batuques refinados ou a dos instrumentos de sopro com grande teor melódico. Um disco raro que ficou desapercebido por um bom tempo e que veio a tona através dos blogues, por conta disso várias pessoas tiveram acesso a obra do grande Sorongo e a Polysom do Brasil aproveitou a deixa e relançou a bolacha. Detalhes, clique aqui.

7 - A Banda Tropicalista do Duprat – 1968



Álbum lançado em 1968, auge do Movimento Tropicalista. O mestre arranjador de vários outros trabalhos da turma, vem neste LP trazendo um repertório curioso, com músicas de Caetano Veloso e de Gilberto Gil e também a presença dos Mutantes em quatro faixas. Instrumentais com metais à la Big Band, cuícas, um cover dos Beatles, Chega de Saudade, buzinas, carnaval, tudo isso e muito mais misturado pelo maestro no seu único disco "solo". Detalhes, clique aqui.

8 - Tropicália – 1968



O movimento tropicalista diverge pela primeira vez da forma nacionalista de se fazer MPB, principalmente com a estética carioca da Bossa Nova e dos sambas de Noel Rosa e outros compositores. Acrescentam à música o rock, a psicodelia e a guitarra elétrica. Rompem com a cultura engajada de esquerda, identificando-se com a contracultura hippie e com a poesia de uma vanguarda mais erudita, que dialoga com o concretismo literário brasileiro, transformando suas músicas em verdadeiras poesias. Detalhes, clique aqui.

9 - Alceu Valença – Molhado de Suor – 1974



Este é o primeiro disco solo de Alceu que veio com as músicas Papagaio do Futuro, Dente de Ocidente, Dia Branco, Mensageira dos Anjos, com arranjos de cordas de Waltel Blanco. Com o disco recém lançado ele conseguiu classificar a música Vou Danado pra Catende no Festival Abertura, da TV Globo, recebendo do júri o prêmio de melhor pesquisa musical. Montou uma banda de pífanos elétrica, com Lula Côrtes (tricórdio), Zé Ramalho (viola), Paulo Rafael e Ivinho (guitarras), Zé da Flauta, entre outros. O disco alcançou uma segunda tiragem com a inclusão desta faixa. http://discotecapublica.blogspot.com.br/2012/07/alceu-valenca-molhado-de-suor-1974.html

10 - Ave Sangria – 1974



A Ave Sangria lançou apenas um disco homônimo, que é um marco na musicalidade pernambucana da década de 1970, sendo reverenciado e tocado até hoje por várias gerações de músicos e apreciadores. O disco foi censurado por conta da faixa Seu Waldir, que foi interpretada pela ditadura militar da época uma apologia à homossexualidade por conta de versos como “Eu trago dentro do peito um coração apaixonado batendo pelo senhor”. Era formado por Marco Polo (vocais), Ivson Wanderley (guitarra solo e violão), Paulo Raphael (guitarra base, sintetizador, violão, vocal), Almir de Oliveira (baixo), Israel Semente (bateria) e Agrício Noya (percussão). http://www.discotecapublica.blogspot.com.br/2012/10/ave-sangria-1974.html

 

 

 


 

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