(LUCAS HERO/DIVULGAÇÃO)
Campeãs no Facebook, no rol dos escritores mais citados na rede virtual, à frente de Carlos Drummond de Andrade e Caio Fernando Abreu, Cora Coralina e Clarice Lispector se preparam para entrar em outro terreno: elas são temas de dois documentários previstos para entrar em cartaz nesse semestre nos cinemas.
Embora as bilheterias do gênero no Brasil estejam muito atrás das comédias e dos infantis, “Cora Coralina – Todas as Vidas”, de Renato Barbieri, e “A Descoberta do Mundo”, de Taciana Oliveira, precisam ser festejados. Afinal, podemos contar nos dedos os filmes sobre a vida e a obra das escritoras nacionais.DIVULGAÇÃO / N/A
Cora Coralina
“O cinema mostrou pouco os nossos escritores. Falta, por exemplo, um grande filme sobre Machado de Assis. Existe esse déficit, com mulheres mais ainda”, concorda Renato, que destaca as várias mulheres representadas por Cora. O que explica o título e a necessidade de trabalhar com mais de uma atriz.
O cineasta brasiliense define o conceito como polifonia coraliana, em que atrizes “muito diferentes foram chamadas para assumir essas vozes femininas. “São diferentes vozes e texturas, com criança, velho, voz grossa, voz rouca...”, registra. Embora Cora tenha morrido há 32 anos, ele salienta que a poetisa goiana continua sendo uma presença muito forte.
Marcas
“Muita gente acha que ela sempre viveu na cidade de Goiás, mas Cora saiu de lá aos 21 anos e só voltou aos 64, permanecendo mais de 40 anos no Estado de São Paulo. Entrevistamos as pessoas que conviveram com ela há 70 anos e percebemos que Cora deixou uma marca profunda em todas elas, mesmo depois de tanto tempo”, relata o realizador.
Renato observa que Cora não saiu fugida de Goiás, indo “buscar o seu lugar no mundo, sofrendo uma pressão terrível da sociedade conservadora por ser com um homem casado. Ela foi uma expoente de mulheres fortes, que conseguiram romper barreiras”, afirma.
Mesmo idosa, quando sua escrita se tornou conhecida, Cora estava longe do clichê de “velhinha”. O diretor de “Todas as Vidas” lembra que, em seu retorno à cidade, Cora exibia uma força impressionante, ao comprar a casa da ponte, onde hoje está um museu dedicado à ela, e se lançar empreendedora, criando um armarinho, ajudando a criar uma associação comercial e falando de arborização. “Era uma empreendedora social e comercial”, assinala.
Apesar de o filme ser um documentário, o longa de Renato tem muita ficção. “Já vinha trazendo a ficção para alguns documentários, passando a criar estrutura de ficção, como elenco, direção de arte, figurino... tudo que a ficção tem direito. Com ‘Cora’, isso ganhou potência maior. É também um documentário poético”.Asacine/Divulgação / N/A
Entre as atrizes presentes, estão Camila Márdila, Teresa Seiblitz (foto), Walderez de Barros, Beth Goulart e Zezé Motta
Trajetória recontada e verdades reveladas
Clarice Lispector teria morrido pobre, o que explicaria o fato de vários amigos terem ajudado a custear despesas hospitalares. Uma inverdade que o filme “A Descoberta do Mundo” faz questão de passar a limpo, a partir do depoimento do casal de escritores Affonso Romano de Sant’Anna e Marina Colasanti.
“A verdade é que os amigos tentavam esconder o momento grave que ela vivia, fazendo uma cota das despesas para que Clarice não precisasse se preocupar com isso naquele momento”, explica a diretora pernambucana Taciana Oliveira, que costura o filme com depoimentos e ensaios poéticos.
“Há muita coisa inédita, que não aparecia em biografia nenhuma”, registra Taciana. Caso da história da última passagem de Clarice por Recife, em 1976. Nascida na Ucrânia, em 1920, ela veio para o Brasil ainda pequena, vivendo primeiramente em Maceió e depois em Recife.Divulgação / N/A
Filme de Norma Bengell, "Pagu" é uma das poucas ficções sobre escritoras brasileiras
Última vez
“O escritor Augusto Ferraz conta um episódio curioso, de quando resolveu ligar para ela no Rio de Janeiro (onde fixou residência) achando que ela não atenderia. A Clarice não só atendeu como passou a ter uma intensa troca de correspondência, vindo para Recife para uma palestra, em 1976, um ano antes de sua morte”, detalha.
O documentário teve algumas exibições pontuais, em dezembro passado, e a repercussão foi muito positiva. Taciana não para de receber convites do exterior, como Portugal, Holanda e Alemanha. A ideia é repetir a dose no fim do ano, quando serão lembrados os 40 anos da morte da autora de “A Hora da Estrela”.
Taciana lembra que Clarice teve um reconhecimento tardio, a partir da década de 90, quando a obra dela, não só a ficção, passou a ser amplamente estudada no Brasil e no exterior.
“Esse é um mérito dos acadêmicos, principalmente após as biografias de Teresa Montero e Nádia Batella e do americano Benjamin Moser”, explica.
Cronista
No filme, a cineasta busca entender a obra de Clarice ao refazer os passos da escritora. “Pontuamos os textos dela com imagens poéticas, o que abre a possibilidade de um outro olhar”, analisa Taciana, que também dá espaço generoso ao lado cronista da escritora– ela tinha uma coluna no “Jornal no Brasil”, do fins dos anos 60 e início dos 70.