Duo eletrônico brasileiro radicado em Londres, Tetine dá roupagem gótica a funks cariocas

Folhapress
27/12/2016 às 11:05.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:13

Tá dominado. O funk tá todo dominado. "Pelos evangélicos, pelo moralismo, por toda essa cafonice que está aí", diz Eliete Mejorado, 49, a metade feminina do grupo de música eletrônica Tetine, que lançou recentemente o álbum "Queer and Mutant Funk Cuts (2000-2005)", composto por... funks.

Mas não são funks como os de Anitta e Ludmilla, que dominaram as paradas de 2016 versando sobre inimigas, encoxadas e unhas decoradas segurando copos de bebida na balada. Os batidões que esse grupo eletrônico gravou entre 2000 e 2005 e só lançados em conjunto agora falam sobre sexo cru, violência e as dores e as delícias de ser Terceiro Mundo.

"Foi uma paixão. A gente não tinha a pretensão de soar como funk carioca, até porque a gente é gótico, né?", argumenta Bruno Verner, 46, o elemento masculino do duo numa sala de estar de Nova York, onde a dupla estava para gravar algumas faixas, e para ele, que termina um doutorado no estudo do pós-punk, fazer pesquisa de campo.

A dupla, junta há 22 anos, já lançou mais de duas dezenas de discos e segue sendo uma embaixada da música brasileira na Inglaterra.

O mineiro e a paulista, que durante o período encampado pelo disco tiveram um programa de rádio na Inglaterra, influenciaram artistas como MIA ao tocar as músicas das favelas brasileiras, que fora do país ganhou o apelido baile funk, presente até hoje em lojas de discos parisienses e nova-iorquinas.

Os sons do novo trabalho são mais obscuros, distorcidos e melancólicos do que as versões originais das músicas, gravadas por artistas como Bonde do Tigrão para serem bailes de favela.

O resultado sombrio é atribuído ao processo de produção do produto. "A gente gravou tudo num quarto fechado. Tem uma melancolia de como foi gravar as coisas ali quietinhos no escuro."

A decisão de fuçar o fundo do baú num momento em que Trumps e Dorias chegam ao poder não é coincidência. "É uma resposta ao conservadorismo", diz Mejorado.

Funk é macumba
"Agora é hora de gozar bem alto, tirar a roupa para todos esses Bolsonaros que estão aí. Se tem um momento para a macumba, é agora. É hora de fazer macumba, magia negra. Mudar esse astral. O funk tem esse poder. É o jeito como eu sei fazer macumba, é minha passeata", segue ela.

As músicas são apresentadas exatamente como foram gravadas mais de uma década atrás, apenas com nova remasterização. Algumas delas, como "Revolution Is My Boyfriend" não chegaram a ser lançadas no Brasil, pois só integraram coletâneas europeias.

O álbum pode ser ouvido no serviço de streaming Spotify ou comprado on-line, por 1 libra (cerca de R$ 4) cada faixa.

O novo disco é o oposto de outro álbum que lançaram neste ano. "53 Diamonds" tratava da futilidade do mundo da arte em músicas  mais declamadas do que cantadas e quase acústicas, sem uma batida eletrônica que fosse.

"Esses dois trabalhos têm uma sexualidade muito forte, mas são completamente diferentes. Esse de funk é uma coisa que explode na sua cara, são beats vagabundos", diz Verner.

Para eles, o monstro da caretice que paira sobre o país é escancarado em episódios como a polêmica ao redor do videoclipe de Clarice Falcão, "Eu Escolhi Você", em que pênis, bundas e vaginas aparecem fantasiados, filmados de frente enquanto interpretam passinhos de dança.

Por seu conteúdo ter sido considerado inapropriado, o filmete foi banido de sites como YouTube e Facebook. "Minha filha de oito anos amou. Falou: 'Look mommy, it's a vagina!' [Olha, mamãe, é uma vagina!]."

Para Mejorado, parte da liberdade conquistada com a popularização do funk se perdeu quando o estilo musical foi cooptado pelo mercado e passou a marcar presença em programas de auditório.

"Olha para as mulheres que cantavam funk dez anos atrás. Deize Tigrona, Tati Quebra Barraco"¦ São mulheres que carregam a própria mala. Bateram um tanque e criaram oito filhos e tão ali, quebrando tudo."

A macumba acadêmica do Tetine deve poder ser vista ao vivo no Brasil em abril, quando eles planejam aportar no país após mais de um ano sem se apresentar aqui. "É hora de a gente peidar. Eu vou peidar muito e quero que essa gente sinta o cheiro", promete Mejorado.


QUEER AND MUTANT FUNK CUTS (2000-2005)
ARTISTA: Tetine
GRAVADORA: Kudos
QUANTI: cerca de R$ 4 por faixa em play.spotify.com e outras plataformas de streaming

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