Em livro, João Gordo fala sobre relacionamento com pai rigoroso: 'apanhei com fio de ferro'

Estadão Conteúdo
22/11/2016 às 10:06.
Atualizado em 15/11/2021 às 21:45

João Francisco Benedan, o João Gordo, aprontou muito na vida. Apesar das desavenças, o vocalista dos Ratos de Porão, uma das bandas mais importantes da história do punk-rock nacional, descarta o rótulo de encrenqueiro. "Sou uma pessoa normal. Não gosto desse estereótipo que as pessoas construíram de mim. A televisão contribuiu para isso. Quem é meu fã, sabe como eu sou. Agora, quem não é, pensa que eu sou um imbecil. Muita gente só me viu brigando com o Dado Dolabella na TV", diz ele em entrevista.

Em Viva la Vida Tosca (Darkside), sua biografia escrita pelo jornalista André Barcinski, que será lançada nesta quarta (23), todas as maluquices de João Gordo, 52, são externadas sem censura ou contraindicações: a infância sofrida, a repressão do pai, a descoberta do rock, a explosão dos Ratos e o abuso de drogas. João faz questão de contar cada detalhe. A seguir, leia trechos da entrevista.

O livro conta um pouco o relacionamento conturbado que você tinha com o seu pai.
Meu pai era militar. Para completar, tomava remédios psiquiátricos. Ele não tinha controle das coisas que fazia. Então, a linha dura dele era triplicada. Pensa num sargento da Polícia Militar, tá ligado? Honesto pra caramba. Naquela época, na década de 1970, não tinha tanto policial corrupto como tem agora. A honestidade dele, portanto, doía na alma. Ele queria as coisas certas e nos devidos lugares. Levei muito tapa na cara. Era normal tomar tabefe dos pais. Cheguei a apanhar de fio de ferro. Hoje em dia, isso é inadmissível, não entra nas nossas cabeças. Se o pai espanca o filho, ele vai lá na delegacia e faz uma denúncia.

Como o uso das drogas afetou sua vida?
Hoje, meus filhos são pré-adolescentes. Eu peço a eles todos os dias para que não sigam meu mau exemplo. As drogas ferraram com tudo, não dá para negar isso. Nunca cheguei a ir para a Cracolândia, com crack na mão e cobertor nas costas, sabe? Mas cheguei, sim, ao fundo do poço. Nunca precisei me internar para parar de cheirar. No entanto, usei muito pó, muito mesmo. Me afetou? Lógico. Teve uma época em que eu era broxa, não conseguia fazer sexo. Estava gordo para caramba. Pó só combina com cigarro e álcool. Mais nada. Farinha não combina com mulher. São águas passadas. O período mais turbulento foi de 1986 a 2000. Há males, no entanto, que vêm para o bem. Tive uma overdose em janeiro de 2000 e decidi parar de usar. Logo na sequência, no entanto, sai para uma turnê mundial com o Ratos de Porão e enfiei o pé na jaca de novo. Pesava 200 quilos. Aliás, eu era uma jaca de tão gordo que estava. Tive outra overdose. Daí a Vivi (Viviana Torrico), que hoje é minha mulher, resolveu se declarar para mim quando estava no hospital. Nós nos casamos e hoje temos dois filhos: Victoria e Pietro. A partir daquele momento, as coisas começaram a entrar nos eixos.

As pessoas criaram um estereótipo deturpado do João Gordo?
A televisão contribuiu para isso. Quem é meu fã, sabe como eu sou. Agora quem não é, pensa que eu sou um completo imbecil. Só me viu lá brigando com o Dado Dolabella. Eu fiz tanta coisa na vida, mas a única coisa que se destaca é a treta que eu tive com aquele playboy. Muitos, inclusive, gostam de me chamar de traidor do movimento punk.

Você diz na biografia que o rock lhe deu uma identidade...
O rock me salvou de muitas coisas. Eu era o gordo tosco da rua, o gordo estranho da escola, o gordo babaca de casa. É f... ser gordo. O gordo é sempre o último a ser escolhido no futebol para ficar no gol. Nenhuma menina quer ficar com o gordo esquisito. A gordofobia está implícita em todos os lugares. Dentre todas as minorias, o gordo é o mais zoado. Eu tinha uns apelidos estranhos. Os caras me chamavam de tomate pelado, de jarrão do Ki-Suco e até de Quina da Loto, que era um saco grande e gordo de um comercial da Caixa que passava na televisão. O gordo é a escória da escória. O gordo foi institucionalizado como símbolo oficial do bullying. Todo mundo tem medo de dizer isso, mas é verdade.

O livro traz muitas histórias engraçadas e curiosidades sobre Kurt Cobain. Como foi o convívio com ele?
Eu mostrei uma montanha de drogas para o Kurt Cobain em São Paulo, quando o Nirvana veio tocar no Hollywood Rock, em 1993. Ele cheirava como um louco, cara. Mandava com as duas narinas como nunca vi ninguém fazendo na vida. Tem também uma outra história que não saiu no livro. Uma vez, os caras do Alice in Chains vieram fazer show aqui e eu fui com eles arrumar cocaína na casa de uma amiga, na Rua Pamplona, no centro. Quando a gente chegou lá, compramos baldes e mais baldes de coca. Eles pagaram em dólar.

Você tem o canal Panelaço no YouTube. Além de entrevistas, você também ensina receitas veganas. Quando você virou vegano?
Eu não sou vegano. Faço várias m***** porque não tenho paciência. Às vezes, quando saio à noite, e a pizza com queijo demora para sair, eu como a que vem primeiro. Uso tênis com camurça e não tenho saco para ficar lendo todos os ingredientes de determinada comida. Não sou xiita, mas minhas atitudes afetam muita gente. Fui influenciado pelo Juninho (baixista do Ratos de Porão), que é vegano há bastante tempo. Todos os holders da banda também são veganos. Daí você começa a perder espaço e começa a se adaptar à realidade dos caras, saca? O único old school do Ratos é o Jão (guitarrista). Não gosto de ficar colocando o dedo na cara de ninguém. Sobre o canal, eu sou muito mais famoso hoje do que na época da MTV. As pessoas me assediam mais.

E a MTV? Você ficou um bom tempo por lá. Boas memórias?
Foi a melhor época da minha vida. Fiz vários programas. Tive a oportunidade de entrevistar gente legal no Gordo a Go-Go. Lembro que muita gente deu risada quando perguntei para o Padre Marcelo se ele acordava de p... duro. Problemas mesmo só com o Dado Dolabella e uma socialite de segunda categoria que nem lembro o nome. Ela fazia festas para cachorro. O clima esquentou antes do programa começar.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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