Este é o último fim de semana para ver o relógio de “Standard Time”, no CCBB

Thais Oliveira - Hoje em Dia
08/01/2016 às 07:16.
Atualizado em 16/11/2021 às 00:56
 (Frederico Haikal)

(Frederico Haikal)

Desde a pré-história, o tempo norteia a vida do homem, ainda que seja da forma mais básica: por meio do dia e da noite. Mas você já parou para contar cada minuto da sua vida? Os “operários” da obra “Standard Time” sim. Na realidade, trata-se de uma performance proposta pelo artista Mark Formanek, e que integra a coletiva “Zeitgeist: A Arte da Nova Berlim”, em cartaz até a próxima segunda-feira (11), no Centro Cultural Banco do Brasil – CCBB (Praça da Liberdade, 450). Neste fim de semana, portanto, o público terá a última oportunidade de ver a instalação – que acontece apenas aos sábados e domingos, das 9 às 21h – por aqui. No meio do pátio, um grandioso relógio de 4x12 metros, feito de tábuas de madeira, informa as horas. A cada minuto, oito homens se encarregam de trocar os ponteiros.
 
Mas qual é, afinal, o propósito de tanto esforço? Curiosamente, nenhum dos operários ouvidos pelo Hoje em Dia soube ao certo responder. “Para mim, (a obra) não transmite nada. Não vejo sentido em fazer hora... literalmente, né?!”, responde Samuel Gomes, 24 anos, da equipe contratada para a performance.
 
Esta é a primeira vez que o rapaz, especialista em montagem de eventos, participa de uma obra de arte – assim como todos os que compõem a turma da manhã. “A exposição é interessante. Gostei dos quadros e dos filmes, mas, deste relógio, não (risos). Mas, a partir de agora, sempre que tiver oportunidade, vou vir aqui (no CCBB)”, garante Gomes.
 
Segundo Alfons Hug, curador da mostra, a obra de Formanek faz parte de uma das vertentes da mostra “Tempo que corre e tempo estagnado”. A ideia é fazer uma contagem do tempo, na tentativa de buscar uma ponte entre o passado e o futuro e, ainda assim, ser atual. Porém, como o trabalho nunca termina, os operários de “Standard Time” estão sempre à beira do fracasso. A partir disto, surge a reflexão: com o quê estamos gastando o precioso tempo estabelecido aos mortais do planeta Terra?
 
“Lido muito com o tempo, porque tenho prazos a cumprir e prezo muito a pontualidade. Sou bem britânico quanto a isto. Aqui, não podemos atrasar nenhum minuto, pois o tempo não para. Com este trabalho, comecei a pensar o que é possível fazer em um minuto, e a valorizar mais isto”, afirma Rafael Soares, 35 anos.
 
Trabalho é cansativo e estressante, dizem os operários de ‘Standard Time’
 
Espécie de supervisor do turno da manhã, Rafael Soares é o único do grupo que já era acostumado a ter um contato diário com a arte, uma vez que é artista plástico. Mesmo assim, considerou o projeto um grande desafio. “Eu prefiro ficar nos bastidores. Não sei se toparia fazer algo parecido de novo. Topei desta vez porque estamos fazendo parte de uma obra”, diz.
 
Esta timidez nítida nele, inclusive, parece até ter sido critério de seleção para os operários de “Standard Time”. “No início, tive dificuldade, porque a pressão aumenta por você estar sendo visto e fotografado o tempo todo”, confessa Soares. Jonathan de Oliveira Santiago, 25 anos, também inicia o papo de forma acanhada. “Sou tímido, mas acho que estou melhorando, porque estou lidando com as pessoas”, diz.
 
Carregar tábuas e subir e descer escadas de minuto em minuto sugere ser este um ofício cansativo. Santiago confirma a percepção e acrescenta: “É estressante”.
 
“Quando estou aqui, tento não prestar atenção no horário e, quando chego em casa, nem olho para as horas, não olho para o relógio, não falo de horas. Isto começou depois deste trabalho. Acho que não faria (a performance) de novo”, confessa.
 
Obra é comparada ao mecanismo reproduzido pelo filme ‘Tempos Modernos’, de Chaplin
 
Misto de instalação e performance, a obra sugere a volta consciente às formas artesanais de produção. Há quem lembre até do clássico “Tempos Modernos” (1936), de Charlie Chaplin, devido à repetição sem fim do ofício. “Isto é colocar o sujeito na engrenagem, como propõe o filme ‘Tempos Modernos’”, avalia o psicólogo e professor do Centro Universitário Newton Paiva, Fabrício Ribeiro.
 
Para ele, entretanto, o tempo é uma “faca de dois gumes”. “De algum modo, eles (os operários) não têm o controle do tempo. E, hoje, há estratégias que fazem isto, tornando o tempo um encarceramento. Mas o tempo também nos humaniza quando nos permite fazer o movimento a partir da nossa vontade”, pontua.
 
A percepção de Ribeiro é compartilhada por quem assiste aos operários de “Standard Time”. Conforme aponta Mateus Oliveira, 20 anos, um dos integrantes da equipe da performance, a questão é constantemente um ponto levantado pelo público. “As pessoas acham que é um serviço escravo”, afirma. Oliveira, contudo, assegura: “Não me sinto assim, escravizado”.
 
Ele, porém, confessa, assim como os colegas, não entender bem o motivo pelo qual está ali. “Achei diferente demais. Isto (a performance) não é normal. Não vejo sentido algum”.

Veja o vídeo da performance “Standard Time” em Berlim:

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