Fórum das Letras homenageia Drummond em 2017

Lucas Buzatti
Hoje em Dia - Belo Horizonte
22/11/2017 às 18:33.
Atualizado em 02/11/2021 às 23:50
 (Carol Reis/Divulgação)

(Carol Reis/Divulgação)


Ouro Preto - "O tempo é a minha matéria, do tempo presente, os homens presentes, a vida presente", crava um dos versos do poema "Mãos Dadas", de Carlos Drummond de Andrade, esculpido numa placa em aço que agora ganhará morada fixa em Ouro Preto. A peça simboliza a homenagem prestada pelo Fórum das Letras em 2017, ano que marca os 115 aniversários e as três décadas da morte do poeta itabirano. Com o mote "Sentimento do Mundo", título do terceiro livro de Drummond, lançado em 1940, o evento contará com uma vasta e gratuita programação de debates, oficinas e apresentações artísticas que começou ontem e vai até domingo, em Ouro Preto e, pela primeira vez, também na vizinha Mariana.

Na abertura oficial, um dos destaques foi o debate "Vem, Carlos, ser gauche na vida", com o cenógrafo Pedro Drummond, neto do poeta, e o escritor Humberto Werneck, que vem se dedicando à biografia do mineiro, cujo lançamento é previsto para 2018. Pedro também é responsável pela curadoria da exposição "Drummond no Calçadão", que traz uma réplica da famosa estátua do poeta na orla de Copacabana, no Rio de Janeiro. "Acho que o Carlos ficaria muito grato com essa homenagem. Penso que atemporalidade é uma das razões pelas quais até hoje as pessoas têm identificação por sua obra. A permanência, 'a vida presente, os homens presentes'. O sentimento do mundo, tão necessário nos dias de hoje. Não só no Brasil, mas em toda parte. Me parece que em algum momento será necessário superar as barreiras geopolíticas para tomar consciência de que estamos todos morando em uma casa só e que precisamos desse sentimento universal para seguir", reflete o neto do poeta itabirano. 

Coordenadora e curadora do Fórum das Letras, Guiomar de Grammont defende que, de fato, as reflexões postas no livro caem bem aos tempos atuais. "É uma obra em que o poeta expressa um certo desencanto, uma tristeza com as mazelas do mundo, uma angústia com o ódio, com a ganância, com a intolerância que estavam crescendo na época dele, um período entre ditaduras. Acho que é um mote muito atual para esse momento que vivemos no Brasil. Assim como Drummond coloca a necessidade de tolerância, de solidariedade, de amor entre os povos, de repensar valores, quando escolhemos esse tema nós também estamos conclamando a isso e divulgando a poesia como antídoto", afirma, lembrando que a homenagem a Drummond se estende a atividades como a exposição "Alquimia Poética", na Casa dos Contos. 

Palavras

Para Pedro Drummond, a imparidade da obra do poeta mora, principalmente, em sua habilidade singular e certeira de escolher as palavras.  "Ele tinha uma eloquência e uma maneira única de manejar as palavras. Me lembro que uma vez ele escreveu numa crônica, quando o Pelé fez o milésimo gol, que o difícil não é fazer mil gols como o Pelé, é fazer um gol como o Pelé. Mais recentemente, meu irmão e eu fizemos uma coletânea de textos do Carlos sobre futebol e o Pelé escreveu um pequeno prefácio e falou algo parecido: 'O difícil não é escrever uma obra como a de Drummond, é escrever uma palavra como Drummond'. Então, o que surpreende é essa habilidade com a palavra, análoga à que o Pelé tinha com a bola. Essa forma como ele conseguia fazer malabarismos com a imaginação", reflete. "O que me parece que faz com que ele seja tão querido até hoje é a identificação que todos temos com o que ele dizia. Alguém disse que Carlos era uma espécie de voz da consciência dos brasileiros. E, realmente, muitas vezes lemos algo dele e pensamos: 'Poxa, eu gostaria de ter dito isso, de ter sabido dizer desse jeito. Porque é assim que eu também sinto'", completa. 

Para Guiomar de Grammont, Drummond era "iluminado" por conseguir atingir a profundidade de forma leve e mineira. "Ele tinha um contato com as essências de tudo aquilo que compõe a existência humana como nenhum outro poeta teve. Foi uma antena universal, um poeta profundamente comprometido com os problemas do seu tempo e capaz de traduzir isso de uma forma tão musical, tão ímpar, que os poemas são inesquecíveis. As pessoas os reproduzem, cantam Drummond em suas vidas a todo momento. E isso nasce aqui das montanhas de Minas, é uma força ventral do nosso Estado", afirma. 
 

Programação

A coordenadora do Fórum das Letras lembra que o evento com a presença de editores, programadores de festivais, jornalistas e autores como Adélia Prado (que participou da abertura oficial), Conceição Evaristo, Fabrício Carpinejar, Michel Laub, Olivier Bourdeaut, Sebastien Lapaque e Armênio Vieira. "A produção literária intelectual brasileira se ampliou demais nos últimos anos, mas estamos vivendo um momento muito adverso, de uma desatenção brutal à cultura no Brasil. É preciso que a sociedade reaja, recolocando as necessidades culturais em primeiro plano no próximo governo. É preciso dar livros para as escolas, criar mecanismos e subsídios governamentais para a redução do preço do livro, fazer circular os autores de literatura brasileira para o país, criar novas possibilidades para que a literatura volte a ter um papel revelador de novas possibilidades. Assim, formamos uma população com educação e senso crítico, capaz de lutar por melhores condições de vida", reflete.

Guiomar de Grammont defende, por experiência própria, que a literatura guarda um potencial de transformação que pode alterar cursos de vida. "Eu sou um exemplo disso, porque me casei grávida, com 16 anos. Tinha tudo para me tornar uma pessoa que não desse continuidade aos estudos, que não tivesse uma ampliação de seu mundo. Hoje, viajo o mundo inteiro, tenho uma visão larga das coisas. E isso veio através da leitura, da possibilidade de sonhar que a literatura revela", sublinha. "A literatura é um tapete mágico. Os livros nos levam a sonhar, a imaginar novas realidades, a desenvolver um interesse pela transformação não apenas do nosso mundo pessoal, mas do mundo que nos cerca".

Serviço: Fórum das Letras 2017. De hoje a domingo, no Cine Vila Rica e em outros espaços de Ouro Preto e Mariana. A programação é totalmente gratuita e pode ser conferida no site www.forumdasletras.com.br.
 

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