Ferramentas culturais para tentar transformar a vida de detentos

Clarissa Carvalhaes - Hoje em Dia
18/01/2015 às 13:24.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:42
 (Ricardo Bastos)

(Ricardo Bastos)

Entrar em um presídio está longe, muito longe, de ser uma sensação agradável. Ainda que o local, no caso, seja apontado como uma das melhores penitenciárias do país, referência em segurança máxima ou qualidade de vida para seus detentos e funcionários. Mas é no mínimo curioso descobrir que, entre os corredores que separam celas, mais de 2 mil homens estejam encontrando oportunidades reais de um recomeço. Mais do que isso, de efetiva recuperação.   Evidentemente, ainda é cedo para que os gestores do Complexo Prisional Público Privado (CPPP) – iniciativa pioneira no país e instalada em Ribeirão das Neves, região Metropolitana de Belo Horizonte – apresentem um relatório com a aferição do comportamento dos presos após cumprimento das penas e saída para as ruas. No entanto, não é preciso expertise para atestar, em algumas horas ali, que existem ares diferentes dentro da PPP que, neste domingo, completa dois anos de fundação.   Durante um dia, a reportagem do Hoje em Dia acompanhou a rotina dos que estão condenados a viver ali por períodos variados. Das atividades que cumprem, está a profissionalização em áreas que vão da panificação à costura. Frequentam (virtualmente) aulas de inglês, cursam faculdade. Tem acesso a bibliotecas que, cada vez mais, ganham novos livros – e o melhor – mais leitores.   Sempre sob orientação de profissionais, são os próprios presos, por exemplo, que cozinham e distribuem o lanche para os companheiros. Também cabe a eles organizar e empacotar kits com objetos pessoais (como roupas de cama e uniformes) e até trabalhar na construção das futuras instalações da PPP – hoje, o complexo conta com três unidades.   “Um dia, todos eles vão sair daqui. Então, quando isso acontecer, que s sejam pessoas melhores”, diz Hamilton Mitre, um dos diretores da PPP, dando o tom do que a penitenciária pretende.   Excepcionalmente na sexta-feira, dia 9, o carioca Allison Vaz, 36 anos, esteve na PPP convidado a apresentar, para 80 presos, o projeto social “Bateria para Todos”. Durante a demonstração, ritmos brasileiros e internacionais (de Charlie Brown Jr. a Michael Jackson) embalaram a atividade, que ocupou toda a manhã dos detentos participantes.   Sem algemas para impedir os batuques, mãos e pés tocaram, incansavelmente, mesas e chão. “A música é uma importante ferramenta cultural que, efetivamente, transforma a vida das pessoas. E eu pressinto que todas as pessoas que estiveram nesse workshop saíram daqui transformadas de alguma maneira. A música possibilita libertação”, acredita o baterista.   "A PPP é um mosaico das melhores práticas em penitenciárias"   À frente da Doiselles, marca artesanal de tricô e crochê, Raquell Guimarães está certa de que atuar diretamente com presos, oferecendo trabalho e profissionalização, é a melhor saída para uma sociedade melhor e mais segura.   “As pessoas erram e o crime, muitas vezes, faz parte da órbita e do mundo delas. Fato é que muita gente está ali por falta de oportunidade. Crianças que tiveram formação em ambientes distantes do amor, da educação, de um exemplo a ser seguido”.   “O exercício de se colocar no lugar do outro é muito difícil, mas é preciso encarar a realidade todos os dias e a verdade é que estamos lidando com uma classe desfavorecida”.   Dentro do Complexo Público Privado, a Doiselles emprega cerca de 30 presos. Sob orientação de profissionais, ensina a manusear o tricô, a criar peças do vestuário feminino ou a descobrir paletas de cores. E dá acesso a livros de moda de nomes como Chanel, Gucci e Rodrigo Fraga, além de dialogar com as famílias. Raquell espera que a iniciativa estimule outros empresários a serem pontes para um país cada vez mais distante da miséria social. “Se a iniciativa privada não se unir, as coisas ficarão mais difíceis para todos. Eu acredito que faço uma pequena revolução na vida de 30 pessoas. Imagina se todas as empresas fizessem o mesmo”.   Hamilton Mitre, diretor de Operações da PPP, trabalha há 15 anos com o sistema prisional no Brasil. Para ele, a instituição é “um mosaico das melhores práticas. Tentamos mostrar que a transformação está ligada à forma como o preso é tratado. Aqui, eles não são números, são chamados pelo próprio nome. É curioso porque isso pode parecer bobagem, mas faz uma grande diferença”, assegura.   Para Alex Fernandes, 24 anos, mais que uma oportunidade de trabalho, fazer tricô acaba sendo uma terapia. “Ocupo minha mente e tenho uma nova chance”. Naquela hora, não houve um detento na sala de trabalho que não concordasse com ele. 

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