Festival Artes Vertentes programa mais de 50 atividades em Tiradentes

Vanessa Perroni
vperroni@hojeemdia.com.br
06/09/2016 às 20:03.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:43
 (Eduardo Moura / Divulgação)

(Eduardo Moura / Divulgação)

O paralelo entre arte e loucura é o fio condutor do 5º Festival Internacional de Artes Vertentes de Tiradentes que inicia amanhã e segue até o dia 18 com extensa programação que abarca literatura, teatro, artes plásticas, música, dança e cinema. Com o tema “Elogio à Loucura”, o festival traz mais de 50 atividades e 40 artistas convidados para abordar a questão de diversos ângulos. 

“Esse é um assunto que já queríamos abordar. Agora chegamos em uma maturidade que permite dialogar esse tema que é tão rico”, pontua o curador e diretor artístico do festival Luiz Gustavo Carvalho, que ressalta um ponto que torna essa edição mais especial: “Estamos a poucos quilômetros de Barbacena que abrigou o maior hospício em atividade no século 20 no Brasil”, considera.

 Homenagem

 Reprodução Psiquiatra Nise da Silveira (1905-1999), homenageada desta edição


Ao cercar o tema em várias frentes – cultural, social e política –, um movimento natural do evento foi o de homenagear a psiquiatra alagoana Nise da Silveira (1905-1999), que lutou contra práticas agressivas de tratamento como o eletrochoque e a lobotomia. 

Fundadora do Museu de Imagens do Inconsciente – atualmente chamado Instituto Municipal Nise da Silveira –, em 1952, no Rio de Janeiro, que reúne obras e pinturas de portadores de esquizofrenia, Nise acreditou no poder transformador da arte e no tratamento humanizado. “Ela trouxe uma riqueza enorme para a psiquiatria. E no momento em que vivemos uma tentativa de apagar a figura feminina na representatividade do país é muito simbólico homenagear uma mulher”, acredita Carvalho.

“Vivam a imaginação, pois ela é a nossa realidade mais profunda” Nise da Silveira (1905-1999)

 Artes Cênicas
A montagem “Nos Porões da Loucura” abre o festival amanhã, às 20h30, no auditório Sesiminas. O espetáculo traz a história do Hospital Psiquiátrico de Barbacena, onde cerca de 60 mil pessoas morreram desde a sua fundação, em 1903. E vai além de mostrar o sofrimento das pessoas que por lá passaram, assegura o Luiz Paixão. “Não é um melodrama. A proposta é levar a uma reflexão sobre aquele modelo e instigar novas formas de pensar”. A trilha sonora é assinada por Marcus Viana e os figurinos, por Ronaldo Fraga.Andre Fossati / Divulgação Espetáculo "Nos Porões da Loucura"

Outro destaque é a trilogia apresentada pelo ator Charles Gonzalès, que dá voz a três mulheres fortes: Camille Claudel, Teresa d’Ávila e Sarah Kane. “Ele retrata figuras femininas que foram consideradas loucas em suas épocas. Ele questiona até que ponto essa sociedade que julga a transgressão não está a cometendo. Até que ponto ela conserva a lucidez em sua crítica. São linhas muito tênues que qualquer um pode transpor e isso mostra a fragilidade do psiquismo”.

Quem encerra a programação teatral é a atriz Teuda Bara com a peça “Doida”, que executa com seu filho Adimar Fernandes. O espetáculo dirigido por Inês Peixoto faz menção a personagens reais como Elvis Presley e Stela do Patrocínio (poetisa brasileira que viveu 30 anos em uma instituição psiquiátrica) e tem como base textos de Carlos Drummond de Andrade. A montagem reflete os motivos da exclusão de uma “doida” da sociedade.

É estimado que 60 mil pessoas morreram no Hospital Colônia de Barbacena. 70% dos internados não sofria de doença mental

 Exposições, palestras e filmes compõem a programação do festival na cidade histórica

 Luiz Alfredo / Divulgação Arquivo sobre o Hospital Colônia, em Barbacena, pelo fotógrafo Luiz Alfredo


No campo das artes visuais, o festival se preocupou em reunir artistas portadores de transtornos mentais. Caso de Fernando Diniz, artista plástico que foi paciente de Nise da Silveira em um de seus ateliês. “A presença dele é muito forte, não só pela sua obra, mas também porque nesta sexta-feira comemoramos 70 anos de atividade dos ateliês fundados por Nise”, ressalta Carvalho.

Outro nome é o sergipano Arthur Bispo do Rosário (1909-1989) – considerado louco por alguns e gênio por outros –, que viveu durante décadas na colônia Juliano Moreira (RJ). Suas obras – 11 no total – serão apresentadas pela primeira vez em uma exposição completa em Minas Gerais, intitulada “Alguns Centímetros do Chão”. 

O festival também apresenta um arquivo sobre o Hospital Colônia, em Barbacena, do fotógrafo Luiz Alfredo, da extinta revista Cruzeiro. “A exposição traz importantes documentos visuais que registram a prática manicomial absolutamente desumana”, comenta Carvalho. A história deste manicômio será abordada também na palestra de Daniela Arbex, autora do livro “O Holocausto Brasileiro”.

 Cinema

 Reprodução 

“A Doida” – Animação criada por estudantes da UFMG com a videomaker russa Svetlana Fillopva 


Para as telonas a programação abarca tanto filmes didáticos sobre o tema como outras mais viscerais, caso de “Em Nome da Razão”, de Helvécio Ratton, e a animação russa “Brutus”. Outra animação é “Doida”, fruto de uma ação do festival que convidou a videomaker russa Svetlana Fillopva para desenvolver o filme com estudantes do curso de Belas Artes da UFMG, baseado no conto homônimo de Carlos Drummond de Andrade.

Estão previstos 15 concertos nas igrejas barrocas
Desde sua primeira edição, o festival tem presença forte da música erudita. Este ano serão 15 concertos realizados nas igrejas barrocas de Tiradentes. A programação será aberta com uma homenagem ao compositor brasileiro Ernesto Nazareth, que foi internado, em 1933, na colônia Juliano Moreira (mesmo manicômio onde permaneceu o artista Arthur Bispo do Rosário).
  
“É uma forma de mostrar que todas as linguagens artísticas dialogam com os mais variados temas. Elas não são excludentes, mas complementares”, pontua o diretor artístico do evento, Luiz Gustavo Carvalho. 

Intercâmbio cultural
A quinta edição traz nomes do cenário musical europeu pela primeira vez ao Brasil, como o violoncelista Boris Lifanovsky, do Teatro Bolshoi, em Moscou; Stepan Yakovitch (Rússia), primeiro violinista do Quarteto Glinka; e o violista Maksim Novikov (Rússia). “Esse último vem despontando como um dos maiores violistas da sua geração. Esse ano trouxemos nomes que estão fazendo a cena da música clássica na Europa. É uma forma de proporcionar um intercâmbio cultural”, reforça Carvalho.

O pianista russo Jacob Katsnelson,  um dos pontos altos da edição 2015 do festival, está de volta esse ano. O público ainda poderá conferir grande parte da obra camerística de Robert Schumann, músico alemão que sofria de esquizofrenia, executada pela violinista francesa Alexandra Soumm – que se apresenta regularmente como solista nas principais orquestras internacionais, como a Filarmônica de Londres, de Los Angeles e de Israel e com a Orchestre de Paris –, o pianista Gustavo Carvalho e outros músicos.

Serviço: São gratuitas as exposições de artes visuais, leituras e sessões de cinema. Concertos e espetáculos cênicos custam R$ 20 e R$ 10 (meia). Programação completa em artesvertentes.com

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