Filme de Daniela Thomas sobre escravidão causa polêmica no Festival de Brasília

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
18/09/2017 às 17:48.
Atualizado em 15/11/2021 às 10:37
 (Ricardo Telles/divulgação)

(Ricardo Telles/divulgação)

BRASÍLIA – Foram quase duas horas de uma intensa discussão sobre “Vazante”, novo filme de Daniela Thomas, cineasta que tem currículo obras premiadas como “Terra Estrangeira” e “Linha de Passe”. Apresentado no último sábado (16), no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, a obra repercutiu forte entre os presentes no debate, a ponto de Thomas, ao final, concordar que “não faria o filme agora”.

O “agora” a que ela se refere é o contexto de combate à reprodução de perspectivas racistas seculares. No caso de “Vazante”, filmado na região de Diamantina, em Minas Gerais, não faltaram críticas à forma como a diretora conduz a história de um fazendeiro branco que se casa com uma garota de 12 anos, na época do Brasil escravagista.

“Não é um filme anódino. Ele não é isento. Mostro uma jovem que casa com um homem de 45 anos, dentro deste universo de escravidão. O ponto de vista é dela”, tentou explicar Thomas, após ser cobrada por manter uma visão do status quo, sem dar a devida voz aos personagens negros da narrativa.

Embora tenha sentido a falta de um aprofundamento na relação dos personagens negros, o ator e protagonista do filme Fabrício Boliveira alertou para a necessidade de “pôr um pé atrás e tentar ver os outros lados” que o longa oferece, como a questão da mulher.

Para ele, “Vazante” não é uma versão fílmica de “Sinhá Moça”, novela que ganhou duas versões na Rede Globo. “É diferente. Posso falar isso porque eu fiz a novela e a personagem branca era mostrada como heroína, o que o nosso filme não tenta fazer”, compara, reforçando o tratamento ao feminino que o filme dá tanto à mulher negra como à branca.

Thomas ainda frisou que é preciso ter “cuidado com a ideia de que algumas dores valem mais do que outras”. Ela destacou que o filme é fruto da inquietação dela sobre os antepassados escravocratas e esperava “subir um degrau” na maneira de mostrar a época, exibida de forma violenta e sádica em filmes americanos como “Django Livre” e “12 Anos de Escravidão”.

Questionada por uma espectadora negra no debate, a diretora afirmou que “simpatiza com a sua dor e ira”. “É pesado para mim ter que lidar com isso, mas não fiz um filme sobre relação de raças, para ter uma justa medida da relação de cores, até porque não tenho repertório para isso. Não tenho preparo psíquico para tentar pagar essa dívida”, defendeu-se Thomas. “Não é (uma obra) militante. Fiz o filme para saciar o meu desejo de analisar as origens, de tentar entender essa dinâmica que aconteceu em minha família e que submeteram todas as mulheres. Tudo isso me fascinava de forma terrível”, justifica a cineasta, admitindo que o filme nasce “anacrônico” em relação ao seu tempo.

](*) O repórter viajou a convite da organização do Festival de Brasília

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