Grupos reforçam a interação junto às comunidades nas quais estão inseridos

Cinthya Oliveira - Hoje em Dia
23/02/2016 às 07:04.
Atualizado em 16/11/2021 às 01:32
 (Ricardo Bastos)

(Ricardo Bastos)

Até o ano passado, Samira Tacchi sentia uma grande dificuldade ao falar em público e apresentar trabalhos em sala de aula. Agora, aos 13 anos, a garota se sente muito mais solta graças às aulas de teatro que vem fazendo na sede da  Zona de Arte da Periferia (ZAP 18), grupo instalado em sua rua, localizada no bairro Serrano, região da Pampulha. “Perdi muito a vergonha, fiquei mais descontraída”, diz a garota, estudante do oitavo ano no Educandário Estrelas do Futuro. “Agora, passei a ser eu mesma”.

A vida de Samira e de muitos outros moradores do Serrano foi transformada há 13 anos, quando a ZAP 18 construiu a sua sede no bairro. Este é um de vários grupos de teatro que preferiram se instalar em regiões afastadas do centro de Belo Horizonte para estabelecer relações diferenciadas com as comunidades nas quais estão inseridos, trabalhando a formação de público e a promoção de cultura e cidadania, além de levar aos palcos o aprendizado oriundo desse contato.

Além de um espaço de criação, a sede do grupo funcina como local para a encenação de seus espetáculos e de grupos de teatro parceiros, abrigando também uma escola de formação – tanto para pessoas do bairro como para profissionais de toda cidade. Desde 2002, passaram por ali mais de 800 alunos.

“A ZAP é filha de um grupo mais antigo, o Sonho e Drama, que na década de 90 teve uma experiência muito interessante em Santa Luzia, trabalhando junto à comunidade. Isso nos permitiu ter uma noção mais ampla do que é um grupo de teatro”, conta a diretora Cida Falabella.

Interferência

Desde o início, o grupo teve a intenção de atingir as mulheres e os homens comuns do bairro, não fazer teatro para os profissionais do teatro. As duas primeiras montagens eram mais tradicionais – adaptações de “Sonho de Uma Noite de Verão” e “A Menina e o Vento” – mas, a partir de 2007, a comunidade passa a interferir na criação, sendo fundamental para o elogiado espetáculo “Esta Noite Mãe Coragem”.

As oficinas, especialmente com alunos do EJA, são fundamentais para a formação de público. Há muitos casos de garotos que assistiram a um espetáculo pela primeira vez na ZAP e depois retornam em um fim de semana, com toda família a tiracolo.

“Há garotos que fazem aulas e passam a escrever com muita maturidade. Alguns acabam indo estudar teatro na UFMG ou no Teatro Universitário (TU). Mas isso vai além da profissão de ator, é compreender o teatro como uma ferramenta para a vida deles”, conta Cida.

Ainda há vagas para alguns dos cursos oferecidos pelo projeto “ZAP Teatro Escola”, como para os de oficina de direção, técnica de iluminação ou teatro para crianças. O fato de os cursos serem pagos ajuda a minimizar os gastos da sede do grupo. Informações: 3475-6131 ou contatozap18@gmail.com

Grupos incentivam pesquisa sobre as comunidades

O grupo Atrás do Pano existe há 35 anos, mas há 12 passou a ter um caminho de trabalho bem diferenciado, quando sua sede foi transferida para a comunidade José de Almeida, em Nova Lima. Desde a mudança, todas as ações do grupo passaram a ser integradas à escola vizinha, a municipal Harold Jones, e à associação comunitária.

“Vimos um terreno fértil para trabalhar. Começamos abrindo a casa para brincadeiras e as crianças foram uma ponte para a aproximação dos adultos”, conta a atriz Myriam Nacif, que conduz o grupo ao lado de Paulo Thielmann.

A companhia passou a trabalhar a valorização da cultura local, incentivando as crianças a pesquisar sobre personalidades que fizeram parte da região e sobre a marujada, que estava adormecida.

O trabalho mais intenso acontece no Carnaval, quando sai o bloco As Grandes Figuras, com bonecões que representam pessoas importantes para o bairro – como o Harold Jones, que dá nome à escola.

E o melhor: não são apenas os moradores do bairro que vivenciam essa troca cultural. “Acabamos nos tornando uma ponte entre a comunidade e os moradores dos condomínios”, completa, referindo-se aos residenciais fechados.

Contagem

Em 2010, o trabalho desenvolvido na comunidade dos Arturos estimulou o Grupo Trama a sair da Floresta e a se instalar no bairro Fonte Grande, região central de Contagem.

Além da criação artística e do contato com as pessoas do bairro, o grupo usou o espaço para desenvolver um

Projeto em parceria com a Unesco para dar aulas de teatro a garotos em situação de risco social de bairros ditos “perigosos”, como Petrolândia e Parque São João. “Além da arte, os meninos contavam com várias palestras com policiais e psicólogos, por exemplo”.

O mais importante é mostrar a todos a riqueza de Contagem. “Aqui existe um estigma de cidade dormitório, mas é uma cidade bonita”, diz a produtora do Trama, Patricia Matos. “Fizemos um projeto com a terceira idade, pessoas que moram aqui há mais de 40 anos, e através delas fomos conhecendo a história da cidade”.

Projetos dependem de leis de incentivo e apoio dos vizinhos para manter a sobrevivência

Os projetos geram relatos muito bonitos de atores, gestores e frequentadores dos espaços, mas a sustentabilidade desses trabalhos é algo bem complexo. Com o estrangulamento da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, as estratégias de sobrevivência têm sido das mais diversas.

A ZAP, que por muito tempo realizou oficinas gratuitamente, por exemplo, decidiu cobrar por elas, como fonte de renda. Usa recursos de lei municipal, mas quer ser reconhecido oficialmente como um centro cultural.

Para o Carnaval deste ano, o Atrás do Pano teve de contar com a comunidade, que fez feijoadas e camisetas para levantar recursos direcionados à confecção dos bonecos. “É uma alegria ver as pessoas felizes em ter um espaço que proporciona a elas esse encontro tão legal”, diz Myriam, lembrando que o grupo está na Campanha de Popularização do Teatro e da Dança com o espetáculo “Por Parte de Pai”, até 6 de março – apresentações em sua sede, também um ponto de cultura.

Começar de novo

Já o Trama, além do projeto junto à Unesco, tem projetos inscritos em diferentes leis de incentivo, especialmente da Fundação Municipal de Cultura de Contagem. “Em cada ano, tudo começa de novo e temos que ir atrás de novos financiamentos”, diz Patricia.

Um dos projetos é o “Cena Local”, um edital que seleciona artistas da cidade e os leva a praças e parques da cidade. “Isso é importante para que haja uma valorização da cultura feita em Contagem”.

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