Gustavo Greco: ‘Sempre existem trabalhos mais desafiadores'

Clarissa Carvalhaes - Hoje em Dia
17/11/2014 às 08:53.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:02
 (Samuel Costa)

(Samuel Costa)

“Nós” está entre as palavras que Gustavo Greco mais pronuncia quando o assunto a ser discutido é a Greco Design. “Nada do que consegui foi solitariamente. Sempre divido todos os meus créditos com a minha equipe”, justifica o proprietário e diretor de criação da empresa. Apontada como uma das mais importantes no ramo de criação do país e referência quando as temáticas são identidade, editorial e sinalização, a Greco vem desde 2005, ano da fundação, abocanhando prêmios e reconhecimentos internacionais, como os badalados Design Lions no Festival de Cannes e o Red Dot Design Award – ambos nos anos 2012 e 2013.    No próximo dia 23, Gustavo segue para Madri, onde recebe o prêmio na categoria designer gráfico da Bienal Ibero-Americana de Designer. Até lá, permanece traçando os muitos projetos audaciosos e, claro, os planos de comemoração dos dez anos da empresa no ano que vem.   Em 2015 a Greco comemora uma década de vida. Como você enxerga essa jornada?   Eu não gosto de ficar preso ao que passou. Não quero ser uma empresa presa numa história. Penso que os dez anos já foram, eu quero é saber dos anos que virão. Os prêmios que ganhamos passaram e agora a Greco pensa nos que quer ganhar. No ano que vem, por exemplo, vou ser júri no D&AD (em Londres) e no iF Design Award (na Alemanha). Nos próximos dias vamos receber o prêmio de vencedores da categoria designer gráfico da Bienal Ibero-Americana de Design, em Madri. Ao todo, participaram 25 países, e o Brasil é o campeão de toda Bienal. Prêmios assim são sempre muito legais de ganhar. Estamos muito felizes por representar nosso país mundialmente e, principalmente, Minas Gerais.   E Minas reconhece esse trabalho?   Sim, sim. Tem reconhecido bastante. Eu já ganhei medalhas do governo com o tema “Pessoas que contribuíram para o desenvolvimento do Estado”. É legal quando as pessoas começam a entender que design é ferramenta para o desenvolvimento econômico.    Com toda dificuldade que é gerir uma empresa, você já pensou em desistir?   Sempre! Toda semana! (risos) Mas sou muito apaixonado pelo design e por minhas escolhas. Sempre foi muito claro na minha vida que queria seguir uma profissão onde pudesse alcançar uma representatividade, uma mudança de mercado e abrir espaço para que as coisas acontecessem. Sinceramente, hoje seria possível fazer um trabalho formulado, criar um projeto que eu já soubesse que seria aprovado pelo cliente, como seguir uma receita, mas nós estamos sempre à procura da confusão, do difícil, do que é complexo e tem risco. Aliás, acho que risco é uma palavra que envolve muito a nossa vida. Cada projeto é um vício novo.   Você é advogado, estudou publicidade e está entre os designers com maior reconhecimento no país. Como avalia esses caminhos que, de alguma forma, trouxeram você até aqui?   Se aos 40 anos a gente fica com um pouco de dúvida do que a gente vai fazer, imagina aos 18! (risos). As minhas escolhas sempre atentaram para cursos que me interessavam e o direito, especialmente, foi fundamental na minha vida. Eu gosto de evidenciar essa formação quando seria até natural escondê-la. Acredito que a multidisciplina é uma resposta ao mercado cada vez mais exigente e competitivo. Além disso, o direito me fez ter capacidades e habilidades que me ajudam a conduzir a Greco. Costumo dizer que mais que diretor de criação, sou também empresário. Essa é uma coisa que sempre tenho em mente e, infelizmente, não tenho meu tempo inteiro disponível para criação: tenho outras mil coisas para cuidar.   E como é dirigir uma empresa que é referência no mercado?   Eu sou muito exigente e cobro muito da minha equipe, mas tenho facilidade no trato com as pessoas e tento conduzir a gestão de maneira amigável. Como não tenho sócio, consigo estabelecer uma relação muito horizontal e até costumo dividir muito as decisões com eles, mesmo sabendo que no fundo o problema é meu (risos). O mais legal é que já estabelecemos uma história peculiar que é a relação de cooperação. Claro que nós brigamos, mas quando estamos lá fora, ficamos sempre um do lado do outro. Todos aqui sabem que tudo o que acontece é para o bem comum e o que vem acontecendo só foi possível, muitas vezes, porque fui muito duro com minhas decisões e com minha equipe. Alcançamos lugares nunca antes experimentados por nenhuma empresa de design em Minas, e somos muitos felizes por isso.   Qual o perfil e quais são os critérios na hora de selecionar um membro para a equipe?   Hoje somos 20 pessoas, entre designers e publicitários. Alguns ainda se formaram na Belas Artes, direito, recursos humanos. A minha equipe tem uma característica de ficar comigo muito tempo. Ao contrário do que às vezes acontece no mercado, a rotatividade na Greco é muito baixa. Quanto à seleção, eu sou uma pessoa extremamente estranha na escolha de pessoal. Claro que me atento às questões técnicas, mas o que eu realmente espero das pessoas é paixão pelo design. Eu acredito que o resto a gente aprende, mas a vontade de fazer já tem que vir pronta.   Qual a faixa etária deles?   Outro dia estávamos fazendo uma seleção para mandar alguns candidatos para o Young Lions (categoria de jovens designers no Festival de Cannes) e eu só tinha duas pessoas com menos de 29 anos. E eu me assustei com isso porque achava que minha equipe era mais nova do que ela realmente é. Então, a faixa etária está entre os 28 e 40 anos.   E quem são vocês? Qual é o papel do design?   Somos pessoas responsáveis por contar a história do outro. É por isso que acredito que não devemos estar impregnados nas nossas soluções de designer. A Greco, todos os dias, tem que ser uma empresa capaz de fazer qualquer tipo de design e não ter uma ‘cara’. É claro que existem traços que nos descrevem, como gostar de soluções de alto impacto visual e prezar pela excelência visual, mas buscamos sempre o inusitado e o exercício de síntese, o que realmente é necessário. O mais importante é entender a história do outro, o universo desse cliente, para só assim traduzi-lo em imagens.   Você participa de todo o processo criativo ou apenas o acompanha?   Nada do que consegui foi solitariamente. Sempre divido todos os meus créditos com a minha equipe, mas ainda sou responsável pela direção de criação da Greco, quer dizer, eu aponto caminhos, depois acompanho a execução desses projetos. Hoje, efetivamente, trabalho na etapa de concepção: dou o primeiro chute e eles jogam um bolão. Faço os últimos ajustes quando o trabalho está pronto. Eu também sou bom na jogada final.   E sua equipe tem o mesmo olhar que você?   Não. Não acredito nisso. É claro que eu quero que a Greco tenha um olhar, mas costumo trabalhar com pessoas muito diferentes de mim e acho isso muito legal. Essa é uma característica que eu descobri sobre mim e nunca foi uma coisa pensada. Acredito que não teria a menor graça se todos fossem como eu. Aprendemos diariamente uns com os outros.    A criatividade e praticidade caminham juntas?   Ah, sim! Eu sou um criativo prático. Gosto da coisa pronta, muito mais do que o plano das ideias. Pessoas que são muito criativas e executam pouco me incomodam. Me obrigo a colocar minhas ideias na rua. Posso ter o número de ideias que for, prefiro me ater a duas bem legais e fazer com que elas saiam do papel.    Mas você é bem perfeccionista, não é?   Super! Todo mundo que me pergunta isso já me faz essa pergunta rindo (risos). Eu sou superperfeccionista, mas tenho lutado muito contra isso. Sempre penso: ‘até que ponto isso é bom para o projeto e até que momento passa a ser ruim?’. Aprendi que perfeccionismo em excesso é muito chato. No lugar de trazer valor para a relação com o cliente, ele acaba desgastando. Às vezes o cara não está mais com paciência de ver minúcias do trabalho. Milímetros são importantes em alguns projetos; em outros são apenas milímetros.   E você segue algum ritual na hora de criar?   Sou muito ritualista, mas evito trazer isso para o trabalho. Eu tenho uma mania de anotar muito as coisas. Tenho mil cadernos, tudo guardado e organizado porque gosto de ter a informação registrada. Mas apenas isso. A maioria dos criativos escuta música, mas eu não: isso me desconcentra. Todo mundo que cria comigo já sabe que não gosto. Eles desligam o som quando chego ou colocam um fone. Pensando nisso agora, enquanto falo, bem, eu acho que sou exceção (risos).   O designer, o projeto gráfico de um produto, eles interferem na marca?   Diretamente! Em qualquer área de atuação é ele que deixa os valores da empresa evidentes. O designer dá forma à mensagem, deixa o discurso da marca tangível para os sentidos. No caso de um jornal, por exemplo, ele até dá o tom para o texto porque somos nós quem definimos o ritmo de leitura. O designer apresenta um perfil, é quem dá personalidade para o produto.   Algum trabalho é mais desafiador que o outro?   Sempre existem trabalhos mais desafiadores que os outros. O que tentamos fazer é com que qualquer trabalho, independentemente do tamanho, tenha a mesma atenção. Mas por mais que todo trabalho seja complexo, alguns exigem mais: ou pelo objeto ou pela equipe que se forma e, às vezes, pela relação com o cliente. Isso é uma coisa que a gente também tem que aprender sempre. Em alguns casos, chegamos a recusar projetos e, em outros, o cliente não gostou, óbvio, porque não somos perfeitos. E acho que isso também é legal, porque perfeição é chato. Buscá-la que é o legal.   Vocês estão, atualmente, com algum trabalho mais desafiador?   Estamos agora com um projeto superdesafiador, que é a criação da marca para o complexo modernista da Pampulha (candidata a Patrimônio da Humanidade). Estamos fazendo a identidade visual e o livro, ambos vão para a Unesco. Para mim, é um projeto desafiador por ser de alta relevância para a população. Estamos superanimados e envolvidos.   A empresa é referência em identidade, editorial e sinalização. Como se especializaram nisso?   Muito se deu em função do prêmio que ganhamos no Festival de Cannes (pela sinalização). É curioso, porque isso abriu espaço para onde não atuávamos muito e agora é um dos nossos carros-chefe.   Você e sua equipe trabalham essencialmente com ferramentas tecnológicas?   Eu sou totalmente a favor dessas ferramentas porque elas possibilitam soluções que antes não eram possíveis. Na questão da economia de tempo, por exemplo, ela é essencial. No entanto, sempre digo para minha equipe que a solução não está no computador. Ele é só um lápis novo. Na Greco buscamos fazer as coisas na mão. Tenho uma sala de protótipos que tem todo tipo de material disponível, os mais inusitados possíveis para que tenhamos esse hábito do uso do manual antes de chegar na máquina. O computador é tão somente uma ferramenta para formalizar e finalizar projetos.   Conta um pouquinho sobre as comemorações previstas para os dez anos da Greco ano que vem.   Vamos lançar um livro de dez anos. Estamos fazendo a parte gráfica e direção de conteúdo e o Nuno Manna, que é um jornalista da revista Piauí, está escrevendo o texto. Além disso, vamos começar o ano com uma linha de picolés da Greco. Em janeiro ela já vai estar pronta e será comercializada em cerca de cem pontos de vendas. Estamos superfelizes pela parceria com a Easy Ice e com o Felipe Rameh, da Alma Chef. Somos essencialmente uma empresa visual, mas gostamos de apelar para outros sentidos. Ao todo, serão três sabores de picolé, que ainda não foram definidos.   Você gosta de cozinhar. Também está participando da criação da linha?   Ah, não! Disso não. O Felipe é melhor chef do que eu (risos). Essa parte ficou toda por conta dele.   Consegue imaginar a Greco daqui a dez anos?   O designer gráfico vai ser sempre a nossa base. Eu não vou propor coisas que não são da nossa experiência e escolhemos ser especialistas, mas também queremos ser uma empresa de conteúdo criativo.   Você ainda consegue ter vida pessoal em meio a tanto trabalho?    Eu tenho, mas menos do que gostaria (risos). Olha, existem coisas das quais não abro mão. Faço ioga religiosamente quatro vezes por semana, por exemplo. Mas, sinceramente, as pessoas que falam que dividem vida pessoal da profissional, é meio mentira, né? Você é um só! Eu sou uma pessoa só e a vida pessoal e profissional se misturam. No meu caso ainda é mais complicado porque a minha empresa tem meu sobrenome, ou seja, ao pé da letra sou uma pessoa jurídica mesmo.   Posso dizer que agora é sua melhor fase?   Acredito que meu momento é agora. As pessoas falam que vivo para isso, mas a vida tem se mostrado tão legal comigo! Tenho conhecido tanta coisa e viajado muito graças ao meu trabalho. Se você tivesse feito essa entrevista há três anos, nossa conversa seria tão menor do que esta. O mundo se abriu para mim e estou podendo trazê-lo para cá. Eu acredito que a nossa vida é muito maior do que estar só aqui. Dia desses assisti a um filme que mostrava o tamanho dos planetas, e, sabe, quem é você para se achar alguma coisa? Quem sou eu? No fundo nós somos um nada dentro do nada. Então, que esse nada ao menos seja bem legal.

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