Há dez mil anos: exposição vai mostrar ossadas de povos que viveram na Grande BH

Malú Damázio
mdamazio@hojeemdia.com.br
20/06/2018 às 06:00.
Atualizado em 10/11/2021 às 00:50
 (Caale/Divulgação)

(Caale/Divulgação)

Os esqueletos mais antigos de humanos que viveram há mais de dez mil anos, e que estão enterrados na caverna Lapa do Santo, em Matozinhos, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, serão apresentados pela primeira vez ao público. Uma exposição com ossadas originais, réplicas tridimensionais e maquetes representando o ambiente onde esses primeiros homens e mulheres viveram tem inauguração prevista para setembro, no Centro de Arqueologia Annette Laming Emperaire (Caale), em Lagoa Santa, também na Grande BH.

“Esse material sobre a Lapa do Santo é inédito, mostra para as pessoas esqueletos que elas só viram em fotografias. Pela primeira vez, teremos aqui em Lagoa Santa, região de origem desses humanos ancestrais, não só as réplicas 3D, como material original. Vamos tirar esse conhecimento do ambiente acadêmico e levá-lo para a população”, explica a arqueóloga coordenadora do Caale, Rosângela Albano. A exibição será gratuita e aberta ao público.

O projeto está em fase de montagem e instalação, algumas peças já foram produzidas, como maquetes táteis, acessíveis para pessoas com deficiência visual, e protótipos em impressão 3D de alta resolução. Ao todo, a exposição terá mais de 30 peças, incluindo réplicas de crânios, dentes, mandíbulas e outros ossos.Lucas Prates / N/A

O Hoje em Dia teve acesso, com exclusividade, a peças que estarão expostas

Ritos funerários

Os sepultamentos começaram a ser desenterrados em 2001, por uma equipe de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), que continuam os trabalhos na Lapa do Santo desde então. 

Coordenador do grupo, o bioarqueólogo André Strauss, professor do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da instituição, ressalta que uma das principais descobertas foi a evidência de que esses grupos que viviam no local entre 8 e 12 mil anos atrás adotavam práticas e ritos funerários sofisticados.

Os 39 sepultamentos já exumados até agora mostram que os povos tinham práticas de manipulação dos corpos dos mortos, como cortar e quebrar os ossos antes de enterrá-los, agrupá-los em feixes, pintá-los de vermelho, queimá-los, tirar os dentes de alguns indivíduos e colocar mais de uma pessoa em uma mesma cova.André Strauss/Divulgação / N/A

Trabalho de escavação exige calma e precisão técnica

“Esses estudos contribuem para requalificar grupos que viviam naquela época. Percebemos que eles são muito mais complexos do que pensávamos e vamos poder ter uma redefinição de como eram essas pessoas”, diz Strauss.

Cada sepultado demora cerca de 20 dias para ser exumado. Hoje, os últimos corpos retirados da caverna datam de 9,5 mil anos atrás. No entanto, segundo o bioarqueólogo, há pelo menos mais duas dezenas de esqueletos na Lapa do Santo. A estimativa é que existam ossadas de até 12 mil anos nos níveis mais antigos do sítio arqueológico.

Conhecer DNA dos esqueletos é essencial para ‘entendê-los’ 

Embora os estudos na Lapa do Santo já se estendam por 17 anos, os pesquisadores da USP ainda não tiveram acesso ao mapeamento do DNA dos esqueletos. O material genético, que foi coletado no Brasil e extraído e analisado pelo instituto Max Planck, na Alemanha, só deve ser apresentado no fim de 2018. Com isso, será possível identificar as origens dos “povos de Luzia”.

Os resultados da extração do DNA ainda não são conhecidos, de acordo com o bioarqueólogo André Strauss, coordenador dos estudos na caverna e professor do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP, por se tratar de um material muito antigo, de mais de 10 mil anos.

Contaminação

Ele lembra que, como os esqueletos estão enterrados em uma região tropical, há grandes chances de contaminação do genoma – outro impasse para os pesquisadores.

“Acessar esse material é dificílimo e tecnicamente desafiador. Um cenário é ter o esqueleto na Sibéria, bem preservado, outro é os que estão sepultados aqui no Brasil, no meio dos trópicos”, diz. Strauss garante, porém, que a análise do genoma ficará pronta até o fim do ano e categoriza a descoberta como um “feito histórico”. “Será um dos maiores avanços da arqueologia brasileira do século 21”, frisa.

“Conseguiremos entender a relação desses grupos com os nativos atuais da região. Além disso, será possível reconstruir o fenótipo deles, vamos saber cor dos olhos, da pele, se tinham intolerância a álcool, lactose, se conseguiam digerir amido, quais são as doenças associadas a essas pessoas”, explica Strauss.

Além Disso

As ossadas encontradas em Lagoa Santa e nas cidades vizinhas, como Pedro Leopoldo e Matozinhos, ficaram conhecidas como o “povo de Luzia”. O nome remete ao apelido ganhado pelo fóssil humano mais antigo da América: o crânio de uma mulher descoberto em Minas Gerais pelo antropólogo Walter Neves na década de 1970.

Discípulo de Neves, o bioarqueólogo André Strauss assumiu as escavações na Lapa do Santo após o antropólogo, em 2011. O pesquisador ressalta que, embora o termo “povo de Luzia” tenha se popularizado, não existiu somente um grupo homogêneo na região. Os padrões de sepultamento no local são diversos e não possuem um grupo distinto de características que garantiria que se tratam de um único povo.

“O certo seria dizermos ‘povos de Luzia’, no plural. São 7 mil anos de pessoas vivendo em um mesmo lugar, que apontam para uma diversidade de contextos ideológicos e culturais”, diz Strauss.

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