Homenageada no Festival de Gramado, Marília Pêra abre o coração

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
16/08/2015 às 10:19.
Atualizado em 17/11/2021 às 01:22
 (Igor Pires/Agência Pressphoto/Divulgação)

(Igor Pires/Agência Pressphoto/Divulgação)

GRAMADO – “Todos os dias a minha mãe me matava”. Num sentido figurado, poderia ser um relato triste e autobiográfico das relações entre pais e filhos, especialmente no mundo artístico, mas o que se passou com Marília Pêra foi real. Quer dizer, uma vez a cada noite, ela era friamente esfaqueada no palco por sua mãe (Dinorah Marzullo), também atriz, que interpretava a personagem principal da peça “Medeia”, mulher que assassinou os filhos como vingança pela infidelidade do marido Jasão.   “Foi assim que comecei, aos quatro anos. Nasci atriz, já o era quando, anos depois, pensei se era que eu queria para mim. Não tinha mais volta”, recorda a homenageada do 43º Festival de Cinema de Gramado, encerrado na noite deste sábado (15), na serra gaúcha. Ainda garota, ela contracenou com aquele que reencontraria, no Palácio dos Festivais, na forma de um troféu: o comediante Oscarito. “Quando tinha 12, 13 anos, eu participei de algumas chanchadas dele como bailarina. Receber esse prêmio é como uma volta ao passado”.   Apesar dessas aparições ao lado da família, o cinema a “descobriu” muito tarde, no final dos anos 70, quando foi chamada pelo diretor Hector Babenco para fazer uma prostituta Sueli no contudente “Pixote, a Lei do Mais Fraco”. São aproximadamente 15 minutos em cena, mas o suficiente para Marília receber os prêmios mais importantes de 1981, quando foi escolhida como a melhor atriz do ano pelas associações de críticos de Nova York, Chicago e Boston, entre outros.   Lembranças que estarão presentes no docudrama que está sendo preparado pelo ator e diretor Daniel Filho, também homenageado em Gramado.  O filme será o desdobramento da gravação de um CD de músicas românticas para a gravadora Biscoito Fino, em que, além de cantar, ela contará um pouco de sua história. “Penso num título como O Fino da Fossa, porque serão músicas tristes, que têm a ver com o momento que o Brasil está passando, de muita tristeza. Será um disco de amor, de afeto”, define.   Essa relação entre música e imagem é evidenciada quando se pede para escolher o grande personagem de sua vida: Carmen Miranda. Em 1963, Marília estava no México, como uma das bailarinas do teatro musical de Carlos Machado. Na última hora, Vera Regina, uma mulata de corpão que fazia um número de Carmen Miranda precisou voltar para o Brasil. O Carlos pediu para o coreógrafo ver se alguma (bailarina) afinava. Magrinha, tiveram que apertar a minha roupa. Foi a primeira das muitas vezes que interpretei a Pequena Notável”.   Marília sempre gostou de cantar e dançar, mas um desgaste ósseo obrigou a atriz carioca, de 72 anos, a se afastar das atividades artísticas. “Nos últimos dois anos estive doente. O problema me deixou claudicante, mas agora já está superado”, avisa. Ela acabou de gravar 24 episódios para o programa humorístico “Pé na Cova”, da Rede Globo. “A  gente conseguiu levar para a TV algo das companhias de teatro, na maneira como criar, ensaiar e se apresentar. Foi tudo muito bom”, elogia.   Ela se define como uma atriz muito disciplinada, “que respeita cada vírgula do texto, fazendo dele uma Bíblia”. Só sai do que foi pedido quando sente que o diretor está perdido. “Nesse caso, eu ameaço criar outra coisa para ajudar a salvar a obra”, admite. Marília já teve problemas com alguns de seus comandantes em cena, como Alberto Salvá e até mesmo Hector Babenco, que “não a tratou mal, mas também não a tratava”, quando trabalharam juntos pela primeira vez, em “O Rei da Noite”, de 1975.   “Eu não era a pessoa que ele queria. Preferia a Dina (Sfat), um mulherão. Mas, reconheceu depois, que descobriu o meu trabalho ao montar o filme”, revela Marília. Com Salvá, em “Ana, a Libertina” (1975), sua falta de confiança no cineasta foi tanto que não quis descobrir uma perna sequer. “Era tudo, menos libertina”, diverte-se. Com Walter Salles, de “Central do Brasil”, a relação foi bem diferente: “Ela  gostava de falar no ouvido. Falava ‘é realista, Marília’. Queria menos (na forma de interpretar)”.   Já com Eduardo Coutinho, documentarista falecido no ano passado, ela teve medo durante a produção de “Jogo de Cena” (2007), em que era  desafiada – ao lado de Fernanda  Torres e Andréa  Beltrão – a dar uma leitura tão emocionante quanto os relatos dos personagens reais. “Tive taquicardia, ficava com o coração na boca. Ele não queria que eu simplesmente interpretasse”, registra Marília, que também relutou muito em fazer a maléfica personagem Juliana da série “O Primo Basílio”, exibida na Globo em 1988.   “Não queria fazer porque teria que desenvolver em mim os piores sentimentos, como mágoa e raiva. Meu figurino era pesado, escuro, e quando a Giulia Gam (na pele da protagonista Luísa) surgia em cena com aqueles vestidos azuis e rosas, toda linda, eu ficava realmente com inveja”, conta Marília, que já pensou em parar de atuar “umas 500 vezes”, sem sucesso.  Uma coisa é certa: a experiência de dirigir não se repetirá. “Os atores não me obedecem. Acho que não tenho voz ativa”, explica.

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