Iniciativas ressaltam a quantidade e o potencial das compositoras brasileiras

Thais Oliveira
taoliveira@hojeemdia.com.br
13/01/2017 às 17:22.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:24

Amanhã é o dia da Deh Mussulini, da Flávia Ellen, da Iaiá Drumond, da Luiza Sales e da Nathália Pôrto. É que 15 de janeiro é o Dia Mundial do Compositor – e da compositora, vale ressaltar. Elas são uma amostra diante do volumoso número de musicistas que têm mostrado que mulher sabe, sim, fazer música. 

Luiza Sales, por exemplo, não só compõe como tem aberto espaço para outras mulheres mostrarem o trabalho autoral. Em 2015, ela lançou a websérie Meninas do Brasil, no YouTube, na qual posta, toda semana, um programa musical e de entrevista com uma convidada. 

A primeira temporada foi realizada no Rio de Janeiro, onde Luiza nasceu. Para a segunda edição, o projeto foi estendido a BH e São Paulo. Na capital mineira, as gravações ocorreram nessa semana com Claudia Manzo, Deh Mussulini, Iaiá Drumond, Irene Bertachini, Laura Catarina e Leopoldina.

O Negr.A – Coletivo de Autoras Negras, formado por Elisa de Sena, Eneida Baraúna, Júlia Dias, Manu Ranilla e Nath Rodrigues, tem um espetáculo musical com canções próprias, que falam sobre a negritude e o universo feminino

Educação musical
Com a proposta, Luiza espera estimular as compositoras a produzirem mais, e contribuir para quebrar uma concepção antiga que as desencorajavam de seguir essa carreira. “A tradição nas escolas era de que a mulher aprendesse a tocar piano e cantar. A mulher não frequentava aula de harmonia ou de composição, porque era dito que ela não era capaz”, pontua. 

Professora de canto da Melody Maker Escola de Música, Nathália Pôrto diz que, até hoje, é raro dar aula para alunas que tenham enveredado pelo lado da composição. “Atualmente, não tenho nenhuma aluna que compõe. A maioria chega e diz que gosta de cantar e deseja se aperfeiçoar tecnicamente”, afirma. Além de cantar, Nathália é compositora da banda de rock Night Ticket, na qual é a única menina entre os seis integrantes. “A gente sabe que tem mulher compondo, mas acho que a visibilidade dos homens nesse campo é muito maior”, considera. 

Luiza concorda com a visão de Nathália. “Temos cantoras do quilate de Elis Regina, Gal Costa, Maria Bethânia, Maysa... Mas, quando se fala em grandes compositores, se lembra de Tom Jobim, Milton Nascimento, Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso... Poucos se lembram de Leci Brandão, Dona Ivone Lara, Joyce Moreno, Dolores Duran”, critica.Flávio Tavares / N/A

IAIÁ DRUMOND - A compositora possui também o show solo “Quantas voltas dá o meu mundo” e planeja lançar um disco no segundo semestre deste ano

 Incentivo é importante

Iaiá Drumond reflete essa realidade. No início da carreira, ela não considerou compor por não acreditar em sua capacidade. “Só agora estou aceitando essa condição (de compositora) plenamente, porque, antes, eu compunha, mas falava: ‘eu canto mais do que componho’ ou ‘minha voz tem mais potencial do que minhas composições’”.

E o que transformou a visão de Iaiá foi justamente o incentivo vindo de fora. “Um músico me pediu uma composição há uns dez anos. Compus várias coisas em seguida, mas, depois, parei. Voltei de novo por causa do projeto ‘Inédita’, porque minha edição foi autoral”, recorda. 

Engrossando os movimentos em prol da música autoral, Iaiá Drumond lançou, há cerca de quatro meses, o projeto Motus, no YouTube, para o qual são produzidos vídeos de encontros entre compositores e dançarinos. “O foco é a obra dos artistas e a ideia é ser mais espaço de divulgação do trabalho autoral”, esclarece Iaiá. 

 Paula Huven/Divulgação / N/ACOLETIVO ANA – As cantautoras irão se apresentar na 20ª Mostra de Cinema de Tiradentes, no dia 27 deste mês, a partir da 0h59, no Sesc Cine – Lounge


Em desvantagem, compositoras criam suas próprias oportunidades de trabalho

Deh Mussulini é outra mineira que vem criando oportunidade para a cena autoral. Em 2011, ela fundou o Coletivo ANA – Amostra Nua de Autoras. Formado também por Irene Bertachini, Luana Aires, Michelle Andreazzi, Luiza Brina, Laura Lopes e Leonora Weissmann, o projeto tem o objetivo de legitimar a presença da mulher compositora no meio musical. “Fizemos um disco juntas (em 2015) e participamos de vários festivais. Conseguimos outras coisas também, como incentivar a criação de outros coletivos, como o LUA (RJ) e o Ecoa (BA)”, destaca Deh. 

Mesmo com as conquistas, Deh diz que ainda não estava satisfeita com o cenário. “A gente reclamou num festival (de BH) sobre a quantidade (maior) de homens. Dos 18 compositores, apenas duas eram mulheres. Em resposta, eles pediram indicações de compositoras, mas desde que elas tivessem um vídeo tocando as próprias músicas”, recorda. 

Para conseguir as indicações, Deh lançou a hashtag “mulherescriando”. “Veio mulher do país inteiro. Então, criamos o Coletivo Mulheres Criando”. Do festival em questão, ela não teve o retorno almejado. No entanto, do “não” recebido surgiu um festival próprio, só para mulheres, intitulado Sonora – Ciclo Internacional de Compositoras, que extrapolou as fronteiras mineiras. “Tinha mulheres de 12 cidades e outros cinco países (Portugal, Espanha, Irlanda, Uruguai e Argentina). Foi uma das coisas mais emocionantes que já vi”. A primeira edição belo-horizontina do Sonora ocorreu em junho de 2016 e a próxima está prevista para setembro deste ano.

Nenhuma das iniciativas contam com patrocínio, o que não tem sido motivo para desânimo da compositora. “Ao invés de as mulheres ficarem esperando um festival, a gente criou a nossa cena. Isso porque, por mais que queira, quem está nunca situação privilegiada, como os homens, não entende a relação com o oprimido”.Hope Produtora/Divulgação / N/ACANTA COMIGO – Flávia Ellen gravou o projeto com as meninas da banda Dolores 602


Coletivos incentivam as cantoras a interpretarem suas próprias composições

A compositora Flávia Ellen também é integrante do Coletivo Mulheres Criando e tem investido nas parceiras de profissão. No ano passado, ela criou o projeto Canta Comigo, no qual convida uma autora para cantar junto. O encontro é divulgado no canal de YouTube e no Facebook de Flávia. 

Na visão da artista, as ações feitas por meio dos coletivos têm encorajado muitas mulheres a “saírem do armário”. “Na mostra do Mulheres Criando, muitas meninas nos disseram que estavam subindo pela primeira vez no palco para cantar as próprias músicas. Elas disseram que passaram a se identificar como compositoras. Esse retorno é uma coisas mais legais”, afirma.

Cultura de massa educa público

Para Flávia, os esforços vindos de outros movimentos, a exemplo do sertanejo e do funk, têm também sido importantes para reforçar a capacidade feminina. “As culturas de massa contribuem para educar as pessoas e o artista é 100% dependente do público. Se a gente enxerga que a Anitta ou a Paula Fernandes são compositoras, a partir disso, o público é despertado para essa questão”, pontua.

Ela lembra, porém, que, ainda assim, persiste certo preconceito. “Sempre há questionamentos em relação ao nosso trabalho. Pessoas chegam para dizer que acharam tal música boa e perguntam se ela é minha mesmo. Às vezes, é até de forma inocente que questionam. Mas acho que isso está começando a mudar agora”.

 No último programa, Luiza Sales trouxe a compositora carioca Ilessi:

No projeto Motus, criado por Iaiá Drumond, algumas das convidadas foram a compositora e cantora Leopoldina e a dançarina Marilda Cordeiro:

 Assista ao clipe da música "Canção Pra Mim", do Coletivo ANA:

 Veja a última edição divulgada do projeto "Canta Comigo", de Flávia Ellen:

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