Intervenção rural: Ninho de João-Congo inspira arte no Morar Mais

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
27/09/2014 às 09:51.
Atualizado em 18/11/2021 às 04:22
 (Carlos Rhienck/Hoje em Dia)

(Carlos Rhienck/Hoje em Dia)

Há 28 anos, quando se enveredava pela floresta amazônica em busca de tribos indígenas que sofriam com a fome, a artista plástica baiana Valdelice Neves (radicada há quatro décadas em Minas Gerais) imediatamente pediu ao motorista para parar o carro ao avistar o que parecia ser uma “intervenção rural”.   O que chamou a atenção dela foi o que primeiramente definiu como “bolsas grandes que balançavam fazendo coreografias”. Ao tentar se aproximar das árvores, foi advertida pelo motorista de que, se continuasse, “não voltaria viva”.   Na verdade, as bolsas eram ninhos de um pássaro chamado João-Congo, que logo se transformou na grande paixão de Valdelice. “Aquelas aves roubaram a cena de minha pesquisa e da minha vida também”, registra a artista.   Boa parte do fascínio está no fato de o pássaro de olhos azuis, que mede de 22 a 53 centímetros, ser o mais inteligente do planeta. É o único capaz, garante ela, de imitar os sons de todas as aves da floresta, além de bichos e, quando criado em cativeiro, imita a voz humana.   “Eles são muito sociáveis entre si, andando em bandos, e também solidários”, ressalta Valdelice. Mas como um pássaro que impõe risco de morte a quem se aproxima pode ser tão dócil? A explicação está no seu vizinho de árvore, os marimbondos-flecheiros.   “Os marimbondos não deixam você se aproximar, picando-o até a morte. São os protetores do João-Congo”, afirma. Essa função é justificada por um “acordo de cavalheiros” – em troca de proteção, os pássaros constroem suas casas.   Instalação é playground para micos e outros pássaros   A parceria entre os marimbondos-flecheiros e o pássaro é contada pela artista Valdelice Neves no papel, com o livro “João-Congo – O Príncipe da Floresta”, um dos projetos que a artista trabalha tendo como tema seus amigos voadores.   Atualmente, na mostra Morar Mais, evento em cartaz em um casarão do Belvedere até o próximo dia 5, ela expõe algumas dessas obras. No jardim, pendurou nas árvores a sua reprodução, em metal, dos ninhos que estabeleceram o primeiro contato de Valdelice com a ave.   Mas não é só o público que tem curtido a instalação. Um grupo de micos vem transformando os ninhos num parque de diversão. “É um fenômeno pouco comum na história da arte. Eu me apropriei das formas da natureza e os micos se apropriaram da minha obra”, vibra.   Muitas vezes eles entram nesses ninhos e se embalam. “É como se estivessem no útero da mãe”, define. Em seu ateliê-casa, no Mangabeiras, Valdelice tem outros ninhos, feitos, em sua maioria, de fios de barba de velho avental (fibra de palmeira).    No caso do ninho original, a artista conta que a tessitura é perfeita e eles os constroem de cabeça para baixo, com o bico “em movimento mais ágil que lançadeira de uma máquina de costura”, compara. “É um espetáculo único da natureza”, salienta. Eles levam até três semanas para ficarem prontos e chegam a ter 1,80m de comprimento.   Além de alertarem para a possibilidade de extinção de algumas espécies de João Congo, as obras da artista também têm caráter sócio-educativo, com performances que envolvem garotos carentes e pichadores de Belo Horizonte.   O próximo projeto é o lançamento de um áudio-livro, também capitaneado pela empresária e linguista Ângela Bastos. “O João-Congo virou um ícone para nós. Ele passará a ter vida própria, como personagem”, sintetiza Ângela, que pretende incluir ainda trilha sonora e linguagem de libras e braile.     “Príncipe da Floresta”   Os ninhos de João-Congo são confeccionados em galhos de madeira de lei, que são mais resistentes, possibilitando que permaneçam na ponta dos galhos sem quebrá-los. “Não caem por nada nesse mundo”, destaca Valdelice. O pássaro jamais reaproveita os ninhos na próxima postura. Quando os filhotes têm condições de sair do aconchego, abandonam o local e só retornam, em bando, no ano seguinte. “A árvore é a mesma, mas fazem outro ninho”, salienta a artista, que até hoje só viu uma espécie de 53centímetros uma única vez. “Têm uma beleza ímpar, parecendo um pavão da floresta”.

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