'Lady Bird - A Hora De Voar' retrata com sensibilidade os dramas adolescentes

Thiago Pereira
talberto@hojeemdia.com.br
06/02/2018 às 17:08.
Atualizado em 03/11/2021 às 01:10
 (DIVULGAÇÃO)

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Eu nasci nesta cidade/ Vivi nela minha vida inteira/ Provavelmente vou morrer nesta cidade/ Nunca há nada para se fazer / Sentar de frente ao outro e esperar a morte/ Tem querosene por aí/ Ela é algo a se fazer”. Em 1986, uma banda chamada Big Black lançou tais versos em “Kerosene”. Trata-se de um tema universal da arte– o tédio juvenil e a desilusão com o futuro. Um moleque chamado Kurt Cobain, morador de um cafundó no norte dos EUA, escutaria esta canção e faria a sua “versão” anos mais tarde, definindo toda uma geração, com “Smells Like Teen Spirit”. 

“Lady Bird”, que estreia em Belo Horizonte na semana que vem, é mais um exemplar de que tais premissas são capazes de gerar ótimas e emocionantes narrativas. A fórmula é simples: adolescente entediado com o lugar onde mora, frustrado com a família que vive e lidando com seu maior “inimigo”, si mesmo. A grande questão é como aplicá-la. 

Neste caso, os méritos maiores são da talentosíssima Greta Gerwig, que apresenta uma direção deliciosamente decalcada naquilo que poderíamos chamar de “filme indie para as massas” (assim como “Juno” ou “As Vantagens de Ser Invisível”), com destaque para os belos takes de Sacramento, onde a história é contada. Indicado ao Oscar tanto como diretora, como com roteiro original, muito de “Lady Bird” se esquina com um relato biográfico da diretora, que passou sua adolescência na cidade californiana durante parte dos 2000.

GERACIONAL

Nesta direção, a autoralidade do filme fica bastante explícita, como se “Lady Bird” fosse uma espécie de carta confessional que Gerwig escreve para si, enviada de uma época onde a internet ainda era primitiva e a nostalgia dos anos 90 estava bem fresca nas canções de Alanis Morrissette e Dave Mathews Band.

Como remetente e destinatária do filme, “Lady Bird”, pode ser lido como uma espécie de alívio existencial, dosado com um carinho e um afeto que confirmam, como um todo bom filme geracional, que “aqueles foram tempos difíceis, mas foram tempos necessários”. 
O filme pode ser estruturados em três eixos básicos: família, religião e espaço. No centro, está uma jovem, batendo aqui e ali, feito bola de pinball e se ajeitando, “aprendendo a ser gente”, como diziam pais e avós, antes da febre dos antidepressivos e demais terceirizações das responsabilidades afetivas com os filhos. 

Aliás, a encenação do atrito familiar é engenhosa: a protagonista não encontra ajuda em quem tem isso como profissão, sua mãe e enfermeira Laurie – em atuação magistral de Laurie Metcalf. A religião é tratada com as controvérsias que o tema merece; e também surge como a redenção e o alívio que expressam sua melhor serventia. E a cidade, bela mas inútil, serve como um lembrete constante para a jovem-pássara de que “é hora de voar”.

Mas talvez a maior beleza do filme esteja no fato de que a protagonista Christine “Lady Bird” McPherson (na atuação brilhante de Saoirse Ronan) ao invés de esperar por algo, resolva ela mesma atear, alegoricamente, fogo em tudo. Já que querosene não está por ali, a querosene é ela mesma.

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