Conceição Evaristo inspira mostra no Instituto Itaú Cultural e participa da Flip

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
12/05/2017 às 17:20.
Atualizado em 15/11/2021 às 14:32

“Descoberta” aos 70 anos, como tema de uma exposição de fotos em cartaz no Instituto Itaú Cultural, em São Paulo, e uma das convidadas da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), em julho, a escritora mineira Conceição Evaristo não nega que recebeu um “presente” neste momento da vida.

Mas transforma essa alegria numa pergunta-reflexão sobre a sociedade brasileira: “Como ela cria as exceções?”, indaga Conceição, que cresceu na favela do Pendura Saia, em Belo Horizonte, e trabalhou como babá, faxineira e vendedora de revista antes de mudar para o Rio e se tornar professora e escritora.

Autora dos livros “Beco da Memória”, “Ponciá Vicêncio” e “Olhos d’Água”, quase todos eles produzidos de forma independente, com apoio de movimentos sociais, Conceição não quer simplesmente ser mais uma história de superação. “Essa construção é muito perigosa”, alerta.

Meritocracia
O perigo está, segundo ela, na impressão de que basta a pessoa se esforçar muito e ter foco que alcançará os resultados sonhados. “Sabemos que não é só isso. Para pessoas de classes populares, a luta é muito maior. Talvez em outra condição, essa minha visibilidade teria acontecido mais cedo e não aos 70”.

Com isso, ela quer dizer também que, além da “eleição” de exceções pela sociedade, os que nasceram em condições sociais mais favoráveis se realizam mais cedo do que os pobres e negros. “A regra que está por trás disso é muito cruel”, lamenta Conceição, cuja obra, frisa, está longe de ser militante.

“Meus personagens são mulheres negras, mas os textos falam para negros, brancos, homens, mulheres, jovens, velhos... Há um texto muito bonito na exposição, de um estudante branco, que diz que meu trabalho mudou a perspectiva dele sobre a literatura. Vejo que minha escrita faz sentido para muitas pessoas”, afirma.

Dúvidas existenciais
Outra coisa que Conceição busca desmistificar é que toda a obra de um artista negro deve ser vista como um documento ou fruto de ativismo. E usa como exemplo a escritora Carolina Maria de Jesus. “Ela fala de nossas carências materiais, da angústia humana, como faz a Nélida Piñon, a Clarice Lispector e a Lygia Fagundes Telles”.

Ela aponta que a fome presente nos livros de Carolina não é só física, tendo “dúvidas existenciais como qualquer outra pessoa”. E o que Conceição faz, sintetiza ela, é a arte da palavra, que aprendeu a valorizar desde pequena, ao ouvir mãe e tias contarem histórias enquanto costuravam bonecas. “Foi assim que me encantei pelas palavras”.

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