Longas-metragens que espelham a vida na terceira idade estão em evidência

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
22/05/2015 às 08:00.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:09
 (Ricardo Bastos )

(Ricardo Bastos )

Amigas de longa data, Norma Salles, Jane Moreira e Maria Orávia vêm encontrando bons motivos para tornar cada vez mais frequentes as idas ao cinema. A “maturidade”, fase da vida ainda cercada de preconceitos e dúvidas, tem pautado cada vez mais narrativas cinematográficas. Nas últimas semanas, o público mineiro pôde conferir, por exemplo, filmes como “Uma Longa Jornada”, “Dólares na Areia”, “Não Olhe pra Trás” e “O Exótico Hotel Marigold 2”, todos com atores maduros – como Maggie Smith (80 anos), Judi Dench (80) e Bill Nighy (65)– no elenco.

“O cinema é voltado para o público jovem, mas há um aumento nessa oferta (a espectadores de outras faixas etárias), com personagens que mostram que é possível viver bem nessa idade. O que acontece é que ‘saímos da história’, como diz a protagonista de ‘Marigold 2’, mas há muita coisa para acontecer ainda”, registra Norma.

“A idade é uma questão de atitude. Quando você tem uma paixão na vida, permanece jovem”, disse essa semana, em Cannes, Jane Fonda, ao apresentar o filme Youth” (“Juventude”), do italiano Paolo Sorrentino, descrito como uma ode à vida e à passagem do tempo.

Novos rumos

Depois de trabalharem juntas como servidoras públicas, hoje, Norma e as amigas dão novos rumos às suas trajetórias: aos 66 anos, ela atriz, contadora de histórias e arte-educadora. Jane, 67, viu que era hora de “viver e não ter vergonha de ser feliz”, como cantava Gonzaguinha. Com 65 anos, Maria, por sua vez, foi para uma fazenda no interior mineiro, para “aproveitar o ócio diante da natureza”. É a que mais se aproximaria dos personagens de “Marigold 2”, que se refugiam na Índia para experimentar uma cultura diferente. No elenco da sequência está, ainda, Richard Gere, que arranca suspiros das espectadoras com suas madeixas brancas.

Jane não só aprova esse viés da indústria cinematográfica como também detecta o interesse crescente que desperta por parte dos mais jovens, “que têm curiosidade em entender a gente, cada vez em maior número na sociedade”. Ela destaca que filmes como o francês “Amor” (2012) evidenciam a maneira diferenciada como europeus veem a “terceira idade”, enxergando não somente fragilidade, mas também amor – e sabedoria.

‘A vida pulsa, com os caminhos ainda podendo ser mudados’, diz, do alto de seus 80, Marly

Um dia antes de completar 81 anos, na última terça, Marly Ferraz se deu de presente uma ida ao cinema com uma das melhores amigas. A escolha de “O Exótico Hotel Marigold 2” não poderia ser mais inspiradora para quem acredita que, após oito décadas, “a vida pulsa, com os caminhos ainda podendo ser mudados”.

 

MARLY FERRAZ – Frequentadora desde as matinês de Tom & Jeery, nas décadas de 40 e 50 (Foto: Ricardo Bastos / Hoje em Dia)

Identificação que tende a aumentar, já que o crescimento desse nicho acompanha o aumento da expectativa de vida da população, além da quebra de um preconceito: a de que pessoas que já passaram da casa dos 70, 80, preferem ficar em casa. Na cidade alemã de Bonn, por exemplo, cerca de 50% dos espectadores de cinema têm mais de 50 anos.

No quesito qualidade, o crítico de cinema João Nunes, do jornal “Correio Popular”, observa que até nos filmes “mais comerciais” é possível encontrar abordagens interessantes, citando a sensação de ser intruso na casa do outro de “O Amor é Estranho” (2014) e a sabedoria da personagem de Judi Dench em “O Exótico Hotel Marigold”.

Também elogia a crueza sem condescendência de “Amor” e o humor cáustico do italiano “A Grande Beleza” (2013), filme anterior de Sorrentino, citado no início da matéria. “A crueza de um Michael Haneke me toca muito mais do que a decoração de filmes interessados em apenas comover. Haneke não comove, constrange. E, na realidade, a velhice é muitas vezes constrangedora”, analisa.

O quê de condescendência de parte expressiva de títulos dedicados a este nicho é o que o incomoda. Segundo João Nunes, cabelos brancos são quase necessariamente sinal de respeito na telona. “São, muitas vezes, velhos sábios, bondosos e simpáticos, que deixarão um legado positivo aos jovens”.

“Melhor idade”

O jornalista também desaprova o espírito “melhor idade” – “Expressão execrável que deveria ser banida do vocabulário, evidenciada nos filmes quando o idoso é visto como alguém jovial aproveitando a vida”. Um pouco disso poderia ser localizado na produção argentina “Elsa & Fred”, mas se detecta mais abertamente em “Última Viagem a Vegas”.

Sobre o filme que reúne Robert de Niro, Morgan Freeman e Michael Douglas, Nunes lamenta o fato de os personagens serem mostrados como “bobocas”, ao estilo de filmes ditos “gays” cujos personagens só servem a piadas. “Prefiro ‘Antes de Partir’, sobre a última chance de realizar alguns sonhos”. Ele cita, ainda, “Nebraska” (2013), em que um filho inventa um jogo para viajar com seu crédulo pai idoso – e, assim, rever as raízes.

O projeto “Chá no Cinema”, com foco na terceira idade, estará de volta em breve nas salas da rede Cineart
 

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