Morto há 70 anos, Mário de Andrade tem uma legião de fãs na faixa dos 20 anos

Elemara Duarte - Hoje em Dia
25/02/2015 às 08:09.
Atualizado em 18/11/2021 às 06:08
 (Flávio Tavares )

(Flávio Tavares )

Setenta anos após a morte do escritor, músico e folclorista Mário de Andrade, lembrados hoje, o modernista mais “da galera” de todos, ainda consegue fazer a cabeça dos jovens do século 21.

Seja pela literatura que deixou, seja pelo jeito de “desbravador” da cultura brasileira, Andrade está entre os autores preferidos do poeta, músico e guia de turismo Betto Fernandes que, justamente nesta quarta-feira (25), completa 28 anos.

“Minha relação com Mário e os modernistas vem da infância. Meu pai deu para mim e meus irmãos ‘O Menino Poeta’, um disco com poemas destes artistas cantados ou declamados”, lembra.

No disco, de 1985, que Betto ainda guarda com cuidado em casa, ele lembra de “Lenda do Céu”, escrito por Andrade. No texto, um menino se encanta com a natureza e os costumes do Brasil de um jeito quase místico: “No céu, é sempre meio-dia, não tem noite, não tem doença e nem outra malvadez; a gente vive brincando e não se morre outra vez”. Bonito...

Os 42 anos que separam escritor e leitor não são empecilho para o contato de ambos em esferas da coincidência e da admiração. “Eu e o Mário somos músicos, antes de sermos poetas. Um outro traço curioso desta combinação de coincidências. Eu sou bastante múltiplo como ele também era. Sou músico, ator, escritor, guia de turismo, estudante de História, e mais uma infinidade de coisas, enfim”.

Mário no sarau

Betto também faz parte do grupo do Sarau Comum. E a próxima edição do encontro acontece na sexta-feira, dia 27, no gramado da Escola de Arquitetura da PUC (Coração Eucarístico), às 18h30.

Nele, o jovem poeta vai homenagear o “velho” artista com o poema presente no disco que o acompanha desde a infância.

Mas o que um autor nascido em 1893, em São Paulo, pode trazer para um jovem de 20 e poucos anos de hoje? “A resposta a esta pergunta é colossal. É um dos artistas que mais me influenciaram no Modernismo, movimento que quebrou muitas barreiras”, resume Marcos Assis, 26 anos, engenheiro de controle e automação, funcionário público e poeta.

Para Assis, o fato de os jovens ainda lerem Mário de Andrade não deveria ser uma surpresa”. “Conheci Mário de Andrade na escola e vi que a literatura poderia ficar interessante e importante na minha vida. Leio com prazer”, frisa o jovem, que afirma conhecer muita gente na faixa de idade dele que também admira a obra do autor de clássicos como “Macunaíma” e “Pauliceia Desvairada”.

Trecho de “Noturno”

‘Maravilha de milhares de brilhos vidrilhos,
Calma do noturno de Belo Horizonte...
O silêncio fresco desfolha das árvores
E orvalha o jardim só.
Larguezas. Enormes coágulos de sombra.
O polícia entre rosas...
Onde não é preciso, como sempre...
Há uma ausência de crimes/Na jovialidade infantil do friozinho.
Ninguém. /O monstro desapareceu.
Só as árvores do mato-virgem
Pendurando a tapeçaria das ramagens
Nos braços cabindas da noite. /Que luta pavorosa entre floresta e casas... /Todas as idades humanas
Macaqueadas por arquiteturas históricas’

 
 

Em sua viagem de ‘descobrimento’, o encontro com Drummond

A toda prova, numa breve pesquisa em livrarias de Belo Horizonte, é possível ver que Mário de Andrade, de um jeito ou de outro, ainda é um autor procurado. “Vendemos, sim, para muitos jovens, mas livros como ‘Macunaíma’. Porém, porque pede-se em prova de escola. Leem por livre e espontânea pressão”, brinca o proprietário da Livraria Amadeu, Lourenço Carrato, sobre a “outra ala” de leitores.

 

“Fala-se muito da importância dos modernistas. Mas será que leem muito também?”, questiona o poeta Wilmar Silva de Andrade, idealizador do projeto Terças Poéticas, em BH. Wilmar acredita que autores como Mário de Andrade acabam se tornando “personagens míticos”. Segundo ele, isso é positivo, por outro lado, pode distanciar do que é humanamente comum. E, por consequência, afastar dos leitores ditos “de massa”.

Mas o que o multiartista paulista fez que o destacou tanto assim da mediocridade da vida. Um dos feitos é a viagem de “descobrimento” da verdadeira face do Brasil, a partir de Minas Gerais, em 1924 – dois anos depois da Semana de Arte Moderna.

Andrade foi com colegas modernistas, como Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e do poeta suíço-francês Blaise Cendrars, que idealizou o “tour”. O grupo visitou a região histórica, indo à cidades como Sabará, Ouro Preto e São João del-Rei.

Na jovem BH, Mário de Andrade se encontrou com o também jovem Carlos Drummond de Andrade, que lhe apresentou alguns textos. Depois disso, ambos iniciaram processo de amizade em correspondência por cartas.

Na passagem pela capital, Mário se inspira e escreve “Noturno de Belo Horizonte”, poema de olhar “estrangeiro” mas sensível, sobre a nova capital que ainda engatinhava para o progresso. Depois disso, Mário continuou a viajar ao Nordeste e ao Norte do país, na Amazônia, onde esteve em 1927. Se não é um passeio fácil hoje, imagine naquela época?

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