"Musa da Pornochanchada", Nicole Puzzi volta às telonas com curta filmado em BH

Elemara Duarte - Hoje em Dia
26/11/2014 às 07:59.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:10
 (André Brant/Hoje em Dia)

(André Brant/Hoje em Dia)

Ela já habitou os sonhos de muito marmanjo e, aos 56 (bem vividos) anos, segue esbanjando beleza – inclusive pelas ruas da capital mineira. Sim, Nicole Puzzi esteve aqui, em BH, semana passada, para participar do curta-metragem (de produção mineira) “Lembranças de Mayo”, inspirado na atriz de pornochanchada Zilda Mayo. Hoje dividindo o ofício de atriz com as atividades de editora e escritora, além de defensora dos direitos dos animais, Nicole conversou com o Hoje em Dia sobre a vida atual e, claro, sobre o projeto em questão.

Na ficção, Zilda Mayo relaciona-se com um músico mais jovem, que a apresenta ao pai – fã da atriz no passado. Forma-se, então, um círculo de paixões que afloram em torno da diva, que, por sua vez, trata todos com altivez. Em cena, o rosto delicado e o corpo definido de Nicole. “Hoje, acordei cedo e fui da avenida Brasil ao Barro Preto a pé”, contou.

Despojada e espontânea, a eterna musa não hesita em ir à Praça da Estação com a reportagem – com direito a uma t-shirt na qual se vê estampada a figura de Elvis Presley. “Tenho um grupo de amigos fãs (do rei do rock). Brincamos que cada um tem um grau de parentesco com ele: sou a irmã. Mas é tudo viagem...”, ri.

Além de fã de música, Nicole também é inspiração. Integrante do grupo Escama de Peixe, de BH, Dellani Lima fala de “Tributo à Última Musa”, do disco “Rato Cola” (2013). A faixa punk traz colagens de trechos de entrevistas de Nicole, pontuadas com o refrão: “Nicole pussi, Nicole puzzle, Nicole Puzzi”. “Ela virou um ícone pop”, resume.

Além dos filmes eróticos, Nicole fez capa de revista e, mais “light”, participou de novelas. Antes, no início da carreira, excursionou em circos com Os Trapalhões. “Ela teve mais identificação com a minha geração”, observa o “quarentão” Dellani.

Sobre a música, Nicole diz: “é de uma banda ‘underground’ daqui. Amei!”. A atriz lembra que a pornochanchada era, sim, “ridicularizada”. Mas, em direção oposta à da vitimização garante: “Amava ser marginalizada”. O filme mineiro, vale lembrar, traz, no elenco, Claudio Cunha, outro nome icônico do período das pornochanchadas. Não menos importante: a direção é de Flávio C. Von Sperling, que foi contemplado no Filme em Minas 2013 com o projeto.

‘Fazer cena de sexo, nesta idade?’, diverte-se ela

Além da TV e do cinema, Nicole também analisa originais para uma editora. “Quase ghost writer”, diz sobre o termo inglês que refere-se a um autor que não recebe créditos pela autoria. “Se não está ok, coordeno a mudança. Às vezes, o autor começa escrevendo o fim do livro, aí, perde a graça”.

“Tenho um acordo. O editor não revela meu nome nem eu revelo o da editora”. O motivo? “Um autor faz um livro seríssimo e poderia dizer: ‘A Nicole Puzzi vai dar palpite? Tá louco!”, brinca, ao adentrar o Espaço Cultural CentoeQuatro. “Lindo isso aqui”, admira, referindo-se à arquitetura da extinta fábrica de tecidos de 1908, hoje adaptada.

Atualmente, Nicole apresenta um programa sobre sexo, no Canal Brasil. “Com 56 anos, faço um programa, o ‘Pornolândia’, indo para a segunda temporada! Volto a ser símbolo sexual e o maluco aqui (Flávio C. Von Sperling, o diretor do curta que a fez vir a BH), me convida para um filme com uma cena de sexo. Nesta idade?”.

Neste ponto, uma coincidência. Em um dos espaços do centro cultural acontecia o debate “Sexualidade e Educação”, do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT da UFMG. E Nicole por acaso toparia tentar participar do debate? “Ah, mas não avisamos. Eles podem não gostar”, desculpa-se, toda elegante.

Voltando ao filme mineiro, em “Lembranças de Mayo”, Nicole interpretará, sim, uma cena de sexo, mas “light”. Conteúdo que a atriz não encara há tempos. Aliás, Nicole assegura que, na época da pornochanchada, a maior parte das situações era apenas sugerida. “Nas cenas mais fortes, recorria à imaginação. Na verdade, não praticava. Li muito Aluísio de Azevedo (1857-1913), que considero um autor bastante sexualizado, Raul Pompeia (1863-1895)...”

Além disso, outras inspirações para a liberta visão da sexualidade para a atriz foram os filmes franceses da Nouvelle Vague, a comédia italiana, o movimento hippie britânico. “Hoje confundem pornografia com sacanagem. Mas a pornografia tem uma estética”.

Entrevista com a atriz Nicole Puzzi

Hoje em Dia - Quando começou a carreira?

Nicole Puzzi - Comecei a desfilar com 13 anos. Na TV Tupi, aos 14, fazia a linha de shows e programas humorísticos e viajei com “Os Trapalhões”, indo a circos em todo país. Eles não eram “globais” ainda. Trabalhei mais com o Dedé, o Mussum e o Zacarias.

E na pornochanchada?

Comecei aos 17 anos. Era a ditadura, 1975. A gente conseguia tirar um registro novo na Praça da Sé. Baratinho. Não era nada tão difícil assim.

Hoje tem gente que consegue tirar atestado médico assim...

Pois é... Aí, tirei o registro de 18 anos para fazer pornochanchada. A primeira pessoa com quem eu trabalhei foi o David Cardoso (ator). Mas eu não precisava de trabalhar, diferentemente de outras atrizes. Eu queria ser rebelde. Eu gostava dos Beatles, queria fugir para a Inglaterra. Minha família era boa e tradicional. Pelo fato de eu não precisar trabalhar é que meu cachê era alto. Eu fazia charme: “Ah, não quero fazer...” (Risos)

Seu rosto angelical passava esse ar de ingenuidade, isso fez diferença no perfil de atriz de filme adulto?

Eu conheço todos esses lances. Fez uma diferença, sim, pois eu não era “a” sensual. A minha sensualidade era de menina. Até hoje, quando eu faço uma sensual é naquele estilo francês. Não me comparando porque ela é fantástica, mas eu fazia uma coisa dentro do estilo de Catherine Deneuve, que tinha um rosto angelical. Hoje, eu tenho um rosto de uma pessoa boa, pura. Sempre soube que foi essa imagem que eu vendia.

Rosto angelical mas por dentro gosta de rock'n'roll...

Faço meditação, sou vegana, sou extremamente zen, mas ao mesmo tempo sou rock'n'roll. Eu não consigo viver a vida sem conhecer o oito e o 80. Tenho que viver tudo. Temos que conhecer todos os tipos de arte. Onde tem arte eu vou e presto atenção. “Ah, essa arte é menor...” Não interessa! Não existe arte maior ou menor. Se a gente fosse desconsiderar a arte menor, “Aquarela do Brasil” (canção de Ary Barroso, de 1939) não seria a música do nosso país. Ela que foi considerada arte menor. Os pintores impressionistas eram ridicularizados na época deles.

O samba era marginalizado...

E hoje é cult. A pornochanchada era ridicularizada. Eu amava ser marginalizada. Muitas amigas minhas sucumbiram por terem sido consideradas marginalizadas. Eu não! F... ser marginalizada! Quando o Flávio (diretor do curta) me convidou, se eu não quisesse fazer, eu não faria. Não quero conviver com gente complicada. Não tenho mais idade para isso. Já não gostava na minha época, imagine agora. A gente tem que entrar em sintonia com as pessoas com as quais trabalhamos. Respeitando o profissional. Eu sempre pensei desta forma. Se for um ambiente complicado, com gente estressada, eu largo tudo e vou embora. Meta um processo em mim. Preocupação para mim é apenas com cachorro.

Como está o seu ativismo?

Muito forte. Faço parte de uma associação que estamos levantando agora e será uma organização internacional. Ela é formada por quase todas as pessoas que participaram da invasão do Instituto Royal (instituto de pesquisas com animais invadido por ativistas no final do ano passado, no estado de São Paulo). Eu estive lá com minha filha, catei beagle e saí de lá cheia de merda. Eles estavam dormindo no meio disso. Não avisei a ninguém, não era para dar entrevista. Foi uma das melhores coisas que fiz na minha vida. Mas isso não é apenas para salvar “bichinhos”. É para fazer com que o Brasil tenha uma consciência ambiental. Minha filha tem 30 anos está estudando engenheira ambiental. Agora está indo para a África para trabalhar com animais como voluntária.

Você acha que foi injustiçada pela televisão ou por alguma mídia?

Não, não... Não fui injustiçada em lugar algum. Eu não tenho problemas de amargura. Eu sei que poderia fazer assim ou assado, como todo mundo que faz essas revisões da vida, aos 30, aos 40, aos 50. Daqui a quatro anos faço 60, farei esta revisão novamente. Mas cheguei à conclusão que não tenho nenhum ressentimento. A responsabilidade da tua vida é tua, não é do outro. Não me sinto injustiçada. Todas as vezes que fiz um papel na televisão eu tentei fazer muito bem feito. A última novela que fiz foi no SBT, “Amor e Revolução” (2011), em que fiz uma mulher louca. Bom pra caramba. Só que eu assisti depois. Não gosto do meu lado perfeccionista. Acho que por causa disso, todos os meus filmes foram sucesso. E foram mais de 30.

Você escreveu um livro.

Chama-se a “A Boca de São Paulo”. É um livro histórico sobre a pornochanchada e o cinema nacional. É a visão de uma atriz que esteve lá. Está à venda em versão virtual. Não é uma biografia contando para quem eu dei ou para quem eu deixei de dar. (Risos)

Afinal, o povo também tem curiosidade com isso, você sabe...

Mas por que o povo tem que ser fiscal de b....?

Você quem escreveu?

Eu que escrevi. Vou falando de cada filme e conto os bastidores. E, no final, há algumas histórias engraçadas, dramáticas. Tem história de uma atriz que ia filmar nua, numa banheira. Mas no dia da filmagem ela menstrua e, na época, não existia O.B.. E ela: “Me desculpe...”. O diretor xingava.

Ao começar na pornochanchada aos 17 anos, você era uma menina inexperiente para um filme adulto?

Mais ou menos. O primeiro filme foi “Possuídas Pelo Pecado”. Eu era uma pessoa bem diferenciada. Eu lia muito e queria viver a vida, fosse de que forma fosse. Eu fui muito ousada para a minha época. Perdi a minha virgindade aos 14 anos com o homem que eu quis. Eu era muito determinada. Meu pai e minha mãe eram muito sábios, mas nunca aceitaram. Mas nunca me condenaram ou me trataram de forma diferente.

Você tem consciência com a natureza, tem respeito com as pessoas com quem trabalha, ama a família. Você ainda se acha a má da história?

(Risos). Minhas irmãs e meus irmãos são mais suaves. Não sou má. Eu falo o que penso e ouço o que não quero.

No filme, como a protagonista, você interpretará uma cena de sexo mais "light". Há quanto tempo você não interpreta esse tipo de cena?

Há bastante tempo. Mas todo trabalho que faço como atriz, sempre traz alguma coisa da sedução. Geralmente, faço uma pessoa má, mas que ninguém julga como má, e que é sensual.

Em algum momento da vida se sentiu refém do estigma do erotismo?

Não. Pelo contrário. Não ligo.

Lá na Praça da Estação todos viravam o pescoço pra você durante as fotos...

Os homens ainda me paqueram no Twitter. “Você não sabe o tanto que assisti seus filmes”, dizem. E respondo: “Ah, meu bem, espero que você não tenha tido uma tendinite”. (Risos) Adoro a sexualidade. Ela move o mundo. Mas como praticante, eu sou muito morna. Simulei tanta coisa na pornochanchada... Mas gosto do “papai-e-mamãe” e pronto.

Nem um temperinho?

Eu não sei se o sexo precisa de tempero. Ele precisa de um homem e de uma mulher, ou de dois homens e de duas mulheres. Eu prefiro um homem. Não consegui ser homossexual. Mas também não fiscalizo ninguém. Tem que ter duas pessoas. Três, não! Não vou permitir que uma pessoa do meu lado olhe para outra. Aquele momento é meu! Mas não venha me pedir para subir na parede. E já tive homens que quiseram isso. “Cara, você está querendo trepar com a atriz Nicole Puzzi, não é comigo. Chega!”.

Acham que vão encontrar a “deusa da pornochanchada”...

Eu já levantei de cama por causa disso. Faço do jeito que eu quero e com quem eu quero. Quando eu me arrependo, levanto da cama. Se você vai para a cama com alguém, você tem que ter entrosamento com a pessoa, afinidade, tem que ir com tesão. Senão a pessoa vai lá faz estripulias e não vai dar em nada. Não vou por ir. Por isso, não tenho problemas sexuais. Até onde eu sei...

Como criava as cenas?

Eu sugeri a maior parte das situações. Inclusive as cenas mais fortes. Tirava da imaginação pois na verdade eu não praticava. Li muito Aluísio de Azevedo (1857-1913), que considero um autor bastante sexualizado. Li Raul Pompeia (1863-1895), que também é extremamente sexualizado e que, acredito, tenha sido um homossexual. Também por isso, ele morreu de forma trágica. Assisti muito os filmes franceses da Nouvelle Vague, a comédia italiana e acompanhava o movimento hippie da Inglaterra, que tinha a liberdade sexual, evidentemente, o que chegava aqui. Admirava a Beth Friedman (feminista), que queimou sutiãs. Eu me aprofundava nesses assuntos.

Era uma pornografia intelectualizada?

Hoje eles confundem pornografia com sacanagem. Pornografia é trabalhar com sexo de um jeito que você tem admiração, não porque quer banalizar pura e simplesmente, sem querer impingir isso aos outros, cagar regras. A pornografia tem uma estética. Não é qualquer um que penetra em mim. Você sabe que eu fui convidada para fazer filmes nas Brasileirinhas? Mas eu simulo. Nunca fiz penetração. Onde vão arrumar um cara que eu quisesse? Eles me chamaram na época que filmaram com a Leila Lopes, que não aguentou o rojão. Eu não vou me punir porque eu fiz este ou aquele tipo trabalho. Sexo eu fiz com quem eu quis. Desde o cara mais poderoso, mais pobre, mais bonito, mais feio.

E se o filme fosse com um conhecido, alguém de sua afinidade?

Acho difícil. Não combina comigo. Fazer esse tipo de filme não ia mudar a minha vida. O Alexandre Frota está tentando reverter os resultados de ter feito. Tem que ter muita estrutura. Na minha época foi muito mais forte fazer aqueles filmes. Eu apanhei na rua várias vezes.

E o programa no Canal Brasil?

É um dos programas mais assistidos. Por isso, estamos indo para a segunda temporada. Apresento o programa descalça, à vontade. Tem um monte de coisa sobre sexo que eu não sabia. Aprendi no programa. Mas não vou praticar não. Cansa.

Antes, você vivia de quê?

Eu trabalho com livros. Mas não vou dizer o nome com o qual trabalho. É quase um “ghost writer" (traduzido do inglês, é o autor que tendo escrito um texto, não recebe os créditos de autoria). Os autores mandam os livros, dou opinião sobre eles. Se não está “ok”, eu não mexo, mas coordeno a mudança. Às vezes, o autor começa escrevendo o fim do livro, aí, perde a graça. Sempre li demais, demais... Tenho um acordo com o editor. Ele não revela meu nome verdadeiro, nem eu revelo o nome da editora. Trabalho dentro da minha casa, em São Paulo.

Por que esse acordo?

Um autor faz um livro seríssimo e poderia dizer: “A Nicole Puzzi vai ler meu livro? A Nicole Puzzi vai dar palpite no meu livro? Tá louco!” Porque ninguém acha que a Nicole Puzzi tem capacidade para isso. Só que eu sei da minha capacidade, da minha inteligência e pronto. Com isso, ganho meu sustento e criei minha filha. A gente está bem. Minha filha é inteligentíssima. Ela tem uma cabeça totalmente aberta. Ela sofreu muito preconceito quando era pequena. Ela era a filha da atriz de pornochanchada solteira e que tinha uma babá que era travesti. Eu compliquei um pouco a vida dela.

E seus pais?

A única coisa que doía durante a pornochanchada eram eles. Família é tudo. Mas um não tem que punir o outro. Um dia me chamaram para conversar. Meu pai ele era filho de mineiros e um dia me disse: “Você vai quebrar a cara. Mas quando você quebrar a cara, você volte aqui para casa”.
 

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