Nome por trás do palhaço Viralata lamenta falta de apoio à classe artística

Thais Oliveira
taoliveira@hojeemdia.com.br
02/01/2017 às 08:09.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:17

Rodrigo Robleño nasceu paulista, mas, desde os 10 anos, “é” mineiro. Duas paixões também têm o dividido desde os 12 anos, quando se enveredou pelas artes e pelo escotismo. Nunca abriu mão de nenhuma das duas. A maioria das pessoas, contudo, o conhece pelo primeiro ofício, afinal, neste ano, ele completa 25 anos da criação de um dos palhaços mais conhecidos do estado, o Viralata.

Filho de mãe brasileira e pai espanhol, para sobreviver, no início, passava o chapéu nas ruas da Espanha. Desde então, foi ator do Cirque du Soleil, quando fez turnê mundial com o espetáculo “Varekai” por quatro anos, passou por grupos nacionais como o Armatrux e fez diversos trabalhos.

Atualmente, é coordenador artístico do projeto Uniclown e dirige peças, como as do Grupo Matraca, de teatro de bonecos, além de fazer apresentação solo e dar aulas de palhaço. Mesmo com a bagagem extensa, Robleño confessa ter pensado em desistir devido à falta de reconhecimento geral da arte como profissão e também por ouvir pessoas chamando artistas de vagabundos que “mamam nas tetas do governo”.

Qual é a avaliação que faz da sua trajetória?
Agradeço por ter continuado, porque muitas vezes pensei em desistir. Até mesmo nesse ano que se passou, quando vi conhecidos, amigos, pessoas chamando artistas de vagabundos que “mamam nas tetas do governo”. Sei que escolhi lutas eternas, que vou morrer e essas lutas continuarão. Será difícil a humanidade entender o valor da arte, da educação, da cultura. Será difícil entender que um artista trabalha, que um palhaço de verdade é diferente de alguém que apenas pinta a cara e põe uma roupa colorida, que um artista merece ser pago, que existe um estudo, um aprendizado para se fazer o que faço. Estou satisfeito por ter escolhido esse árduo caminho. As mesmas dificuldades que, às vezes, me deixam com vontade de desistir, são as que me dão forças para superá-las e seguir em frente, porque sei o valor das minhas escolhas e encontro pessoas que sabem ou descobrem isso através do meu trabalho.

Trabalhar no Cirque du Soleil é um sonho para muitos e você o largou. Por quê? O que significou esse período?
O Soleil é uma grande empresa. Foi lindo trabalhar lá, uma experiência ímpar. Com meu trabalho de palhaço, conheci lugares e pessoas que jamais pensei em conhecer: Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Europa. “Varekai” é um espetáculo lindo e estar em cena todos os dias para tanta gente é incrível, mas sentia que vivia pouco estando lá. Ao mesmo tempo, via os palhaços mineiros fazendo mil e uma coisas. Então, conheci uma garota por quem me apaixonei e, juntos, decidimos voltar para Minas. O namoro não deu certo, sofri demais, mas a escolha foi correta, pois voltei a viver as coisas que mais gosto e a ter de fazer de tudo um pouco para sobreviver: dirigir, escrever, atuar, ser artista e ativista ao mesmo tempo.

Como avalia a cena atual da arte da palhaçaria da cidade?
Por um lado, Belo Horizonte tem muitos palhaços e isso é bom. Mas, por outro, tem muita coisa ruim sendo feita. Acredito que isso acaba fazendo com que as pessoas pensem: “ah, palhaço é isso? Então não gosto” ou “se isso é ser palhaço, qualquer um pode fazer”. Sempre digo que o que me tira trabalho não é a existência de muitos palhaços. O que me tira trabalho é a existência de maus palhaços. Por essa razão, dentro de minhas possibilidades, tento ajudar aqueles que querem ser palhaços a acharem bons caminhos para trilhar. Ser palhaço é coisa séria!

Há artistas ou grupos da área que te chame atenção especial?
Biribinha, de Alagoas; Verônica Tamaoki e o Centro de Memória do Circo, Alice Viveiros de Castro, Ermínia Silva, Grock, Arrelia, o Grupo LUME, de Campinas. Essas pessoas, além de me inspirarem por seu trabalho, me inspiram como pessoas que lutam pela arte e por mais dignidade para o povo, porque ser palhaço também é se expor ao ridículo, denunciar a nossa ridícula condição humana para que possamos resgatar e valorizar a nossa dignidade.
 Carla Mesquita/ Divulgação

Vemos pessoas que se vestem de palhaço para levar alegria a outros, como em hospitais, por exemplo. Como enxerga essas iniciativas?
Vestir-se de palhaço não é ser palhaço, como vestir um jaleco não te faz um médico. Para qualquer profissão é necessário um aprendizado. Ações voluntárias e ajudas humanitárias são importantes, mas tem muita gente fazendo coisas equivocadas com a imagem do palhaço. Tem uma técnica que deve ser minimamente aprendida. A pessoa pode fazer outras coisas para ajudar num hospital, não precisa ser palhaço. Coordeno um grupo de palhaços que visitam hospitais e lares de idosos, o Uniclown. Esse grupo tem um treinamento constante e trabalhamos em conjunto com palhaços profissionais e voluntários. Além da técnica, nos preocupamos com um suporte psicológico e com os cuidados com as rotinas das instituições às quais visitamos. Estar num hospital não é o mesmo que se apresentar nas ruas, exige conhecimentos específicos.

A referência do palhaço ainda é o circo ou isso mudou?
Apesar de a figura do palhaço de circo ainda estar muito presente no imaginário das pessoas, isso vem mudando. É bom saber que o palhaço existe muito antes do circo. O circo tem pouco mais de 200 anos e o palhaço tem, pelo menos, mais de 4 mil anos. É um “ser artístico” que, mutante como é, se adaptou a cada cultura, a cada tempo e a cada lugar. Hoje, você encontra palhaços atuando em diferentes espaços, como teatros, TV, ruas, circos, hospitais, zonas de conflito etc. Alguns usam o termo “palhaço tradicional” para se referir ao palhaço de circo. Prefiro me inserir numa tradição que remonta à ancestralidade dos palhaços, que engloba os palhaços de circo, mas também os hotxuás das tribos krahôs, os zannis e arlequins da Commedia Del´Arte, os palhaços da antiga Roma e os de tantas culturas e manifestações como os das folias de reis. Sou palhaço como profissão de provocação, de denúncia pelo riso, milenar e atual.

O Rodrigo tem muito do Viralata e vice-versa?
A maioria das pessoas me conhece como palhaço, mas eu penso que sou um pouco mais do que isso (risos). Trabalho em diferentes atividades ligadas ao teatro e, na vida pessoal, sou mais pacato. Gosto de conhecer pessoas, lugares e, também, de ficar em casa. Já sobre a relação Viralata/Rodrigo, a coisa até complica. Com tanto tempo de “convivência”, o Viralata acabou influenciando a vida do Rodrigo. Como palhaço, pego uma característica minha e, em cena, amplio, dou um tratamento artístico, me divirto com ela e as pessoas se divertem. Então, eu, Rodrigo, acabo gostando e usando mais essa característica na minha vida “comum”. Meio terápico até não é mesmo?

Já sofreu preconceito por ser palhaço?
Por mais que o palhaço seja uma figura atrativa, ele não é, muitas vezes, considerado como profissão. O maior preconceito, para mim, aparece velado em forma de desvalorização. Uma das formas sutis de preconceito é achar que ser palhaço é só por um nariz e pintar a cara; é querer pagar pouco por um trabalho. O pior que escutei, foi no ano de 2016. Com as denúncias da Lei Rouanet, ouvi que “artista é tudo vagabundo”. Isso doeu fundo, porque sou artista e passo a vida lutando contra os gatos pingados que se aproveitam das leis de incentivo, porque eles existem, ainda que sejam poucos. Os verdadeiros artistas querem uma revisão dessa lei. Lutamos para isso há anos e, no final das contas, de maneira hipócrita e sem fundamento, colocaram todos no mesmo saco.

Você tem outra paixão que é o escotismo. Conte sobre esse trabalho.
Com 15 anos, fundei, em Betim, o Grupo Escoteiro Olave Saint Clair. Em 2017, o grupo faz 35 anos. Acredito que o escotismo pode contribuir muito para a formação cidadã dos jovens, de uma maneira mais ampla do que se possa imaginar e do melhor jeito: se divertindo, usando corpo, mente e fazendo amigos. Viajando com o Soleil, adquiri um considerável acervo de livros, distintivos, objetos diversos e um de meus sonhos é criar um “Museu do Escoteiro”, onde possamos criar atividades ligadas à formação cidadã e educação ambiental.
 Beatriz Guimarães/ Divulgação

Quais são os planos para este ano?
Em 2017, celebro 50 anos de vida e 25 anos de Viralata. Queria fazer um ano de comemorações, mas não consegui aprovar nenhum projeto nas leis de incentivo e, hoje, as empresas só apoiam se for através de leis. Não sei, então, se farei uma celebração junto ao público. A ideia era fazer 25 espetáculos em cidades mineiras. Restam os planos, sonhos, objetivos: celebrar a vida, lançar um livro infantil, montar um espetáculo teatral com texto meu, continuar a trajetória do Viralata, dar aulas de palhaço… ser feliz! 

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