É a velha e boa história do filho pródigo. Em “O Cidadão Ilustre”, em cartaz nos cinemas, Daniel Mantovani é um escritor argentino de sucesso, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura e residente na Espanha, que aceita o convite para voltar à cidade natal, após 20 anos de ausência, num momento em que vive sua pior fase criativa. Sentindo-se num “ocaso”, pouco à vontade com o status de celebridade e cada vez mais recluso, o retorno acaba alimentando-o de várias formas, não só porque todos os seus livros foram inspirados em acontecimentos reais ocorridos no lugar, mas também para repensar o papel do artista na sociedade, visto como um mártir. Nas primeiras horas em Salas, Daniel é confrontado em sua posição, seja pela indiferença do motorista que o leva do aeroporto à cidade ou pela proximidade de pessoas que apenas querem lhe tirar proveito, como o prefeito que o torna cidadão honorário e um morador que lhe pede dinheiro para comprar a cadeira de rodas do filho. Assim, ele é constantemente afrontado, saindo de sua zona de conforto para ressuscitar velhas feridas que, por muito tempo, foram o combustível de sua obra. Em determinado momento, uma garota o lembra de uma entrevista, em que Daniel afirmava que a miséria e a dor são ingredientes inerentes às obras-primas. A narrativa pontua essa difícil volta para casa com bom humor e crítica, especialmente quando Daniel fala de aspectos do mundo cultural. Para o escritor, cultura é uma palavra que “só sai da boca de pessoas mais ignorantes, estúpidas e perigosas”. E que a realidade é apenas uma interpretação que prevaleceu sobre as outras. Enquanto se interage novamente com aquela vida e acirra a inveja, a discórdia e a vingança dos que se sentiram lesados por sua saída, o personagem se reinventa, comprovando a parábola do filho pródigo, extraída da Bíblia, em que o vazio só pode ser preenchido quando assumimos as nossas origens.