Presidente da Fundação Clóvis Salgado fala sobre programação e desafios

Lucas Buzatti
lbuzatti@hojeemdia.com.br
12/05/2017 às 17:13.
Atualizado em 15/11/2021 às 14:32

Quem visitar o Palácio das Arte até o dia 25 de junho pode conferir a exposição “Borda!”, montada na PQNA Galeria. Ela é uma das mostras que compõem a robusta programação de artes visuais da casa, e a primeira que leva a assinatura do presidente da Fundação Clóvis Salgado (FCS), Augusto Nunes- Filho, como curador. A exposição, que conta com trabalhos de Domingos Mazzilli, Juçara Costa e Rodrigo Mogiz, é a segunda a ocupar a nova e intimista galeria cuja criação figura entre as iniciativas da nova gestão para aproveitar melhor o Palácio das Artes e cumprir, de forma mais efetiva, sua função pública. Há pouco mais de dois anos na presidência da FCS, Nunes-Filho comenta a programação de 2017 e faz um balanço dos acertos e desafios da atual gestão até agora.

A readequação de espaços internos do Palácio das Artes tem sido um foco dessa gestão?
Na curadoria institucional da casa, nos deparamos com algumas dificuldades. Temos um teatro com 1.700 lugares, um com 150 e outro com 170. Não temos um teatro intermediário, nossas galerias são muito grandes e inviabilizam o convite para a exposição de artistas que trabalham com formatos menores, que têm uma produção mais intimista. Sempre me incomodou, por exemplo, aquele espaço Maristella Tristão. Era um espaço expositivo horroroso, com uma só parede de 10 metros, com duas ou três colunas na frente, e três nichos. Então, tivemos a ideia de colocar a entrada da galeria pelo jardim do parque, cultivando a ideia original de Niemeyer. Além disso, tiramos um pedaço da galeria e ela cresceu. Agora, temos uma parede de 20 metros, duas paredes de 10 metros e dois nichos. E hoje eu acho a galeria mais instigante do Palácio, porque ela pode ser transformada a cada exposição.

E a PQNA Galeria, como surgiu?
Mesmo com a Maristella Tristão reformada, vimos que ainda faltava um espaço para exposições de obras pequenas. Havia um corredor subutilizado, que servia como uma espécie de depósito, e resolvemos transformar aquilo num lugar de exposição. Para dar o tom, de que não é por ser pequeno que é menor, a exposição inaugural teve obras de sete grandes nomes do nosso acervo: Amilcar de Castro, Beatriz Milhazes, Burle Marx, Fayga Ostrower, Franz Krajcberg, Lótus Lobo e Marcelo Grassman. A ideia, agora, é dar espaço para exposições inusitadas.

Como no caso da “Borda!”, cujo suporte artístico, o bordado, é ainda pouco explorado.
Pois é. A exposição trabalha com a borda do bordado, mesmo, e com a borda estrutural da própria galeria, que é separada do jardim apenas por um vidro. Escolhemos o bordado por ser um suporte instigante e convidamos três artistas, ao invés de fazer uma exposição individual. Na verdade, é como se fossem três individuais. O primeiro e o último nicho têm obras dos três artistas, uma de cada. E os três nichos centrais têm uma exposição individual de cada um. O bordado está pipocando em vários lugares, num resgate recente, que veio com a exposição do Leonilson em Fortaleza. Quando pensamos em bordado, os nomes que vêm a cabeça são Bispo do Rosário e Leonilson. Vendo esse movimento, achamos que seria legal problematizar o bordado como suporte artístico.

E como se distinguem os trabalhos dos três artistas?
Cada um borda de uma maneira, tem um conceito e um método diferente. O Mazilli borda pequenas pérolas vermelhas em fotos de família, que ele imprimiu em canvas. As pérolas são bordadas nos olhos das pessoas, deixando dúvidas. Ele está cegando essas pessoas? Por que os olhos? Isso é bordado? O da Juçara eu acho interessante pelo desmétodo. Ela sai bordando aleatoriamente, a linha não acaba, ficam fiapos e são nos percursos das linhas que ela constrói a obra. Já o Mogiz é o bordador clássico. Desenha com a linha, utiliza miçangas e outros elementos para dar uma conotação pop. Ele faz um jogo de véus e camadas que sobrepõem cenas homoeróticas.

Quando você assumiu, falava principalmente na vocação pública do Palácio das Artes. Como isso vem sendo trabalhado?
Seguimos fieis a esse intuito, trabalhando a casa, a causa e a coisa pública com muito rigor e esmero. Um dos pontos foi estabelecer programas. Por exemplo, o ArteMinas. Quando fizemos o primeiro, logo vimos que viraria um programa fixo da casa. Outro exemplo são os programas ao meio-dia, Sinfônica e Coral. Temos atingindo uma média de 600, 700 pessoas a cada terça-feira, sendo que em alguns dias chegamos a ter mais de mil espectadores. Agora, também faremos o Sarau, que vai acontecer no foyer. Ou seja, quem passar pelo Palácio às terças-feiras, nesse horário, sabe que haverá uma programação gratuita e de qualidade. Estamos com as nossas galerias todas ocupadas até o começo do ano que vem, com uma abertura de exposição por semana. Outro ponto interessante é a itinerância nas artes visuais. A exposição que inaugurou a galeria Maristella Tristão foi para Congonhas, Barbacena, Ouro Preto e, agora, segue para Cataguases. A exposição inaugural da PQNA está em Congonhas, agora. A Orquestra e o Coral sempre vão tocar em cidades do interior, mas uma itinerância de artes visuais ainda não tinha acontecido. Eu também destaco a consolidação do CâmeraSete, que agora está recebendo uma exposição do Miguel Aun. Era um espaço que não pegava, imagino que por conta do nome que levava. Centro de Arte Contemporânea e Fotografia. Não dá nem sigla, isso. Mudar um nome é mudar, também, o conceito, o direcionamento. Depois de rebatizado, o espaço está sempre lotado, com fotógrafos se encontrando, trocando.

Apesar dos avanços, alguns desafios persistem. Em março, alunos do Cefart publicaram uma carta se queixando da precariedade da escola e da falta de professores. O que foi feito desde então?
Fizemos o edital de designação para a contratação de 20 professores, que já foram escolhidos. Agora, mesmo depois que eles assumirem, continuaremos com um buraco, por conta de algumas baixas que tivemos no nosso quadro pessoal. E isso fica completamente fora da minha governabilidade. O Cefart é uma escola pública que passa por todos os percalços que isso quer dizer. É uma escola de nível médio e, quando assumi, começamos a fazer as exigências que a Secretaria de Educação cobra. E isso gerou muito atrito. Mas, gente, não pode ter uma escola sem diário de classe, sem comprovação de grade curricular, sem ementa, sem avaliação. Coisas básicas que não aconteciam aqui.

E no que diz respeito à estrutura do Cefart, há alguma mudança em vista?
Vamos receber as chaves do prédio do Detel, que será nosso. Faremos um programa para captar recursos e adaptar o prédio para o funcionamento da escola. Mas o Cefart não está saindo do Palácio. O desafio é devolver os espaços do teatro para o teatro e ampliar o espaço do Cefart, com o prédio do Detel.

Quais outros destaques da programação de 2017 você citaria?
Olha, vou te dar uma informação em primeira mão. O tema do terceiro “Inverno das Artes”, que vai se estender por todo o segundo semestre, será a arte negra. Quem vai abrir o evento será a rainha Elza Soares, com o show “A Mulher do Fim do Mundo”. E teremos apresentações às segundas-feiras, na Juvenal Dias, com quatro cantoras negras de renome da nossa música. Na mesma pegada, teremos o “Sinfônica Pop” com o Chico César e a ópera “Porgy & Bess”, de Gershwin, cujo o elenco é todo negro.

Vocês também têm feito uma campanha contra o mau uso dos celulares no teatro, certo?
Sim. Durante a ópera “Olga”, vimos um excesso de selfies e tivemos muitas reclamações da plateia. Além de atrapalhar a plateia, também incomoda o artista, que se desconcentra com as luzes e barulhos. Agora, antes de todas as peças, estamos pedindo ao público que desligue o celular e liberando o uso nos intervalos, no foyer, inclusive para tirar fotos com os artistas.

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