Primeiro Ato estreia montagem inspirada na história do maior hospício do Brasil, em Barbacena

Elemara Duarte - Hoje em Dia
23/08/2013 às 09:40.
Atualizado em 20/11/2021 às 21:14

Com entrega absoluta de quatro bailarinos que ficam cara a cara e aos pés do público, o espetáculo de dança "Só um pouco a.normal", do grupo Primeiro Ato, estreia nesta sexta-feira (23), às 21 horas, e continua em cartaz no sábado (24), às 20 horas, e domingo (25), às 17 horas. As apresentações acontecem no Espaço de Acervo e Criação Compartilhada (EACC) (rua Búfalo, 261, Jardim Canadá, Nova Lima).

A montagem exorciza a dor de uma das memórias mais tenebrosas da história do Brasil: a morte de mais de 60 mil pessoas – loucas, mas também indesejadas pelos padrões da sociedade – no Hospital Psiquiátrico, mais conhecido como "Colônia", em Barbacena.

Mesmo que a intenção primordial não seja essa, é nela que se chega. Basta deixar um pedaço do coração aberto e se entregar à proposta encenada em toda sua plenitude pelos jovens bailarinos Lucas Resende, Pablo Ramon, Vanessa Liga e Verbena Cartaxo. "Nada será dado mastigado ao público. Ele também tem trabalho", avisa a diretora-encenadora Suely Machado.

"Só um pouco a.normal" tem direção, concepção e coreografia do coreógrafo, pesquisador e também bailarino Wagner Moreira. Ela faz uma imersão nas várias feições da loucura. A montagem é resultado da tese de mestrado de Moreira, iniciada em 2010, e defendida na Alemanha, cuja inspiração é aquele hospital ainda em atividade, hoje, com tratamentos mais humanizados.

O coreógrafo nasceu em Barbacena e atualmente vive na Alemanha. Coincidências? Muitas. O episódio em terras mineiras ficou conhecido como "holocausto brasileiro". Uma referência direta aos anos de domínio nazista na Alemanha. "Quando souberam dessa história, na Alemanha, eles não estranharam. Porque isso é do ser humano e eles têm isso mais próximo do que nós", comenta Wagner.

Zona de conforto

É por essas e outras que a vida, muitas vezes, não nos deixa confortáveis. "Você está bem? Está tudo bem?", perguntam os bailarinos, com roupas "normais", a cada um dos presentes na plateia, durante ensaio, na última quarta-feira. Esta pergunta, num primeiro momento, dentro da "normalidade" é repetida várias vezes. Aí, faltam respostas. Já é a loucura batendo na porta?

Não há conforto no que sai do comum. Temos medo de que as coisas saiam da programação de nosso cotidiano, "normalmente" sob nosso controle.

Os aparentemente anormais é que iam para Barbacena. A história diz que pelo menos 70% dos pacientes foram levados para lá à força e sem diagnóstico de doença mental. Alcoólatras, homossexuais, prostitutas, filhas de abastadas famílias que perdiam a virgindade antes do casamento. Ou pessoas com características como mostram os baldes com que os jovens dançam: genial, frágil, ingênuo, delicado.

Da anormalidade para a loucura desenvolvida é um passo. Por isso, nada está bem, vale admitir em resposta aos bailarinos. E eles vivenciam isso. Corpos esculturais despidos mostram a vulnerabilidade na qual a sociedade lhes colocou. E nisso, não há beleza. A vontade é de levantar e cobri-los maternalmente. Não podia ser assim. Mas foi.

E que a arte e as rosas de Barbacena continuem a acolher, em reflexão e cor, o que o orgulho não permitiu ser entendido.

Livro-reportagem fala sobre hospício

Já está nas livrarias o livro-reportagem "Holocausto Brasileiro", da jornalista Daniela Arbex, sobre a história do Hospício de Barbacena. No best-seller lançado pela Geração Editorial, em julho deste ano, ela conta, entre outras atrocidades, que quando os pacientes chegavam ao hospício, suas cabeças eram raspadas, suas roupas arrancadas e seus nomes descartados. Alguns morriam de frio, fome, doença e de choque.

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