Samba de BH vive uma riqueza estética, mas precisa se profissionalizar mais

Cinthya Oliveira
cioliveira@hojeemdia.com.br
25/11/2016 às 19:30.
Atualizado em 15/11/2021 às 21:49

O samba completa cem anos amanhã, mas ainda esbanja juventude. O popular gênero musical continua sendo entoado em bares e casas noturnas, se reinventando nas trocas entre mestres e iniciantes. Mesmo que muitos shows insistam em repetir os clássicos amados, tem muita gente boa fazendo música autoral em Belo Horizonte e um público sedento por novidades.

Quem visita os principais redutos de sambistas da capital, normalmente em bairros da periferia, já viu muita gente acompanhando os versos de compositores como Dé Lucas, Fabinho do Terreiro e Serginho Beagá. 

“Sempre que componho com pessoas de fora de Minas Gerais, as pessoas ficam impressionadas é com a qualidade da melodia. O Clube da Esquina influenciou toda a música daqui e o samba também”, afirma Dé Lucas, que comanda, há dez anos, sempre aos domingos, o Samba do Divina Luz, no bairro São Marcos (região Nordeste da capital). 

O artista, que lançou o disco “Clarear” ontem, conta que o Divina Luz foi criado justamente para dar espaço às composições atuais do pessoal da cidade. “Na época, eu e outros músicos reclamávamos que não tínhamos lugar para apresentar a nossa música. Aí meu amigo Serginho falou ‘tenho um espaço aqui’, e montamos o projeto no lugar. Rapidamente se tornou referência”.

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Almanaque
Além da movimentação em espaços da periferia em nome do samba autoral, há também outros projetos que buscam divulgar o trabalho feito na cidade. Caso do jornalista Zu Moreira, que prepara o almanaque “BH tem Samba: Perfil de Sambistas Mineiros” – trabalho que só não está publicado porque foram roubados o computador e o HD externo de Zu, onde estavam todo o material. 

O meu desejo é preservar a memória dos sambistas. Há muito material de áudio e documentários sobre esses personagens, mas não há nada literário sobre eles”, conta Zu, que pretende também fazer um portal com essas informações.

Segundo ele, o samba feito em Minas tem uma qualidade muito alta por contar também com instrumentistas virtuoses. “(O violonista) Thiago Delegado e (o cavaquinista) Warley Henrique são exemplos de grandes músicos que enriqueceram a cena do samba”, afirma. 

Para ele, o entrave para que todos conheçam o bom samba feito em BH é o amadorismo da produção e o olhar comercial. “Em muitos shows, as músicas são as mesmas, são os clássicos. Muitas vezes o dono do lugar pressiona o músico para tocar somente isso”, diz. 

Amanhã faz cem anos que “Pelo Telefone”, música de Donga e Mauro de Almeida, foi registrada na Biblioteca Nacional – o primeiro samba a ser documentado no país. Já o Dia Nacional do Samba é celebrado no dia 2 de dezembro

Na internet
Quem quer saber sobre programação, músicos e bandas, lançamentos e tudo mais sobre o samba mineiro pode acessar o site Samba de Minas (sambademinas.com.br). 

A ideia partiu da designer Silvana Vilela, que percebeu uma lacuna na divulgação dos eventos de samba da cidade. “Como desenvolvo sites, para mim foi relativamente fácil fazer o projeto. O problema é que, para estarem no site, as pessoas devem me mandar as informações e muitas não mandam”, conta a designer, que espera ver o projeto crescer, divulgando as letras das músicas dos sambistas mineiros. 

 Cantoras e compositoras buscam visibilidade no gênero

 Élcio Paraíso / Divulgação 

Aline Calixto e Lucas Fainblat – Os dois comandam programas dedicados ao samba na rádio Inconfidência


Para a cantora Aline Calixto, além de espaço para a música autoral, é preciso se pensar melhor nas condições da cadeia produtiva. “Existem muitos músicos competentes, talentosos, mas com pouca oportunidade. Pois não adianta apenas essa nova cena se mostrar, há que se oferecer uma estrutura mínima para a realização das apresentações, cachês. É uma equação complicada, pois a crise econômica afeta diretamente o consumo de bens culturais”.

Aline é um exemplo de como é possível empreender no universo do samba. A carioca criada em Minas tem três discos lançados, comanda um dos maiores blocos de Carnaval de Belo Horizonte, tem um projeto mensal no Contemporâneo Gastrô Show e um programa de rádio na Inconfidência, o “Papo de Samba” – que traz músicas e entrevistas. 

Desde o início, sua intenção foi abrir espaço no programa para músicos mineiros e cantoras da cidade e de outros lugares. “No programa eu quero tocar um número consideravelmente grande de cantoras, compositoras e instrumentistas, pois é importante praticarmos essa paridade em todos os espaços possíveis, afinal de contas, são muitos anos de desigualdade e é preciso reverter isso”, conta Aline. “Normalmente, o número de cantores sambistas que tocam é infinitamente maior do que o de cantoras. Isso não se dá por falta de trabalho com vozes femininas”.

Projetos
Há vários projetos na cidade que buscam a valorização do autoral – Como Meu Samba É Assim, no Samba Rooms Hostel, e Samba da Criação, n’A Casa –, mas alguns já começaram a chamar a atenção para as mulheres sambistas, que têm pouca visibilidade na cena, como o Samba na Roda da Saia, realizado no Opção Bar. 

O projeto Cai Dentro é um outro exemplo. Por meio de apresentações conjuntas, Marina Gomes, Cinara Ribeiro e Giselle Couto mostram ao público seus trabalhos como cantoras e compositoras. 

“É um espaço que temos de conquistar”, afirma Cinara Ribeiro, acrescentando que suas composições apresentam um olhar feminino. Hoje sou mãe e, nas minhas músicas, gosto de falar sobre a minha luta em conciliar o trabalho e a vida em casa”.Pablo Bernardo / Divulgação 

Cinara Ribeiro – Artista é destaque da cena de samba na cidade e engajada na busca por mais espaço para as mulheres

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