Sebastião Salgado: o homem por trás da câmera

Paulo Henrique Silva e Samuel Costa - Hoje em Dia
03/03/2015 às 08:11.
Atualizado em 18/11/2021 às 06:12
 (Samuel Costa/Hoje em Dia)

(Samuel Costa/Hoje em Dia)

AIMORÉS – Sebastião Salgado é quase um mito na cidade onde nasceu há 71 anos. Extremamente reservado, raramente é visto circulando em outro lugar que não o Instituto Terra, organização não governamental criada por ele em 1998 e fundamental por devolver o verde da Mata Atlântica a uma população muito ressentida pelo desvio do rio Doce para a construção de uma hidrelétrica na região.

Responsável por colocar Aimorés no mapa cultural – principalmente após falar com carinho, no documentário “O Sal da Terra”, candidato derrotado na última festa do Oscar, sobre os primeiros anos de vida na fazenda do pai –, um dos maiores fotógrafos do mundo, hoje residente em Paris, tem fama de pão-duro e fechado entre os conterrâneos.

Como ocorre com qualquer “lenda”, muito de fantasia e um pouco de verdade envolvem essa relação com a cidade de 25 mil habitantes, incrustada na divisa de Minas com o Espírito Santo.

“Quando ele (Sebastião) vem aqui, ninguém fica sabendo. Vai para o Instituto Terra e permanece o tempo todo lá”, registra Normilda Soares, que está desenvolvendo uma rota turística para o município, com o instituto como um dos carros-chefe. “Cerca de 200 pessoas visitam o espaço a cada fim de semana”, destaca a diretora de turismo de Aimorés.

Menina dos olhos

Não é mentira que Tião, como é chamado pelos mais antigos, dedique o tempo em Aimorés principalmente ao instituto, que ocupa 709 hectares onde funcionava a fazenda Bulcão.

No local há suítes onde o fotógrafo e a mulher, Lélia, passam a noite, além de uma sala de reunião um pouco distante da parte por onde visitantes e 64 funcionários transitam.

A própria irmã do fotógrafo, Maria da Penha, admite que o contato com o único homem dentre oito filhos é raro. “Sempre quando vem aqui, é muito rápido”, confirma Penha, 14 anos mais velha do que Sebastião e a única irmã a continuar na cidade natal. Na sala da casa dela, chamam atenção duas grandes fotos emolduradas enviadas pelo irmão famoso: uma da exposição “Êxodos” e outra do trabalho mais recente, “Gênesis”.

A professora aposentada mostra o livro resultante da viagem de oito anos em busca de lugares intocados pelo homem. Na dedicatória, na primeira página, lê-se “Para Maria da Penha, com carinho”.

Dona Penha conviveu pouco com Sebastião devido à diferença de idade. Quando ele nasceu, no distrito de Conceição do Capim, ela já estava no internato.

Mas não se esquece de quando “o único loirinho de olhos claros” da prole do “senhor Salgado” faltou à aula para se aventurar no pontilhão, saltando em direção ao rio Doce. Só a mãe, Décia, ficou sabendo da proeza. “Papai era muito severo. Naquela época, (os chefes de família) não eram como os de agora”.

Apesar da rigidez dentro de casa, Tião foi muito paparicado pelas irmãs até os 15 anos, quando foi estudar em Vitória (ES). “Fez Economia e ganhou uma bolsa em São Paulo (pós-graduação na USP). Foi o que abriu o caminho para o estrangeiro. Não voltou mais”, lembra.

As perigosas expedições, realizadas a partir da década de 80, tiraram o sono da família. “Papai queria que Sebastião fosse advogado. Ele fez um ano de Direito, depois abandonou”.

A relação com o pai não foi das mais fáceis, dizem amigos de infância. Ana Carlota de Almeida, de 73 anos, conta que o senhor Salgado, presidente de uma associação esotérica conhecida como “O Pensamento”, não aprovava as fotos tiradas pelo filho.

Omar Gomes de Oliveira, hoje com 80 anos, também conviveu com o patriarca e o herdeiro. Era o braço direito do dono da fazenda Bulcão e o substituiu na associação quando percebeu que ele mal conseguia ler os textos no altar. “Fiquei com dó e passei a ajudá-lo”, recorda-se.

À espera de uma visita prometida por Tião, Omar se diz orgulhoso dos caminhos do velho amigo.

“Ele tomou conta do mundo inteiro”, assinala.

Trabalho social e de preservação ambiental, legado para os moradores

AIMORÉS – Pão-duro? A verdade é que Sebastião Salgado nunca fechou os olhos para Aimorés. “Mas ele não pode ser o salvador do mundo”, dispara Gladys Nunes Pinto, que gerencia a parte educacional do Instituto Terra.

O grande trabalho de Salgado, diz, está acima de qualquer verba direta destinada à cidade. “O que está fazendo nas áreas social e climática é tão importante quanto, tirando a região de um processo de desertificação”.

Basta ver os mapas de 2000 e 2012 dos 709 hectares do instituto. O marrom deu lugar ao verde em praticamente toda a área.

No viveiro perto dali, estão milhares de mudas de boa parte das 293 espécies florestais típicas da Mata Atlântica plantadas na reserva. Ao inegável esforço de recuperação da biosfera do Vale do Rio Doce, junta-se o trabalho social voltado para a comunidade, como a abertura de uma sala de cinema, criada com recursos de empresas, governos estrangeiros e personalidades como o falecido ator Robin Williams.

É o único cinema de Aimorés, e deve exibir, ainda neste ano, “O Sal da Terra”. Pipoca? Sim, é permitida, a contragosto de Sebastião. Um projetor da década de 40 decora o lado de fora.

O antigo convive bem com o novo no Instituto Terra. Prova disso é Manoel Lopes, de 76 anos. Um dos funcionários do pai de Salgado, ele ganhou outra função no instituto. No lugar do gado, agora cuida das plantas.

Única pessoa a morar na reserva, ele se diz feliz por aquela terra ter sobrevivido. “Estava tudo degradado”, lembra, ao posar ao lado de outro sobrevivente: uma árvore “Maria Pobre”.
 

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