Sem clichês, filmes mostram balada insana de cubanas e dor de marginalizados de SP

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
12/08/2015 às 18:27.
Atualizado em 17/11/2021 às 01:19
 (Hoje em Dia)

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GRAMADO – O início não faz a típica apresentação dos personagens, abrindo mão de desenhar, nos primeiros minutos, os conflitos que surgirão. E o final não tem aquele clímax costumeiro, encerrando todas as questões propostas ao longo da narrativa. Esse tipo de cinema mais naturalista dominou a programação da mostra competitiva do 43º Festival de Cinema de Gramado, na noite dessa terça-feira (11).

Tanto o cubano “Venecia”, de Enrique “Kiki” Álvarez, quanto o brasileiro “Ausência”, assinado por Chico Teixeira, têm em comum esse desejo de fugir às narrativas tradicionais, como que se quisessem flagrar apenas um instante de uma história, mas o suficiente para levantar algumas questões, sem necessariamente dar resposta para elas. O que importa não são menos os personagens e mais o contexto em que estão inseridos.

Em “Venecia”, o interesse está numa nova cena sócio-cultural, até certo ponto livre da censura e da necessidade de não repetir modelos comportamentais de fora. Ao filme não interessa discutir a razão disso estar acontecendo agora e não há nenhuma crítica de cunho político ou mesmo um indício do que levou à mudança. O enredo trabalha com um elemento exterior à cena, da concepção que cada espectador carrega do país caribenho.

Escapes da realidade e a volta para "bater o ponto"

O choque está justamente nessa Havana que poderia ser qualquer outra cidade do mundo. Nela, um trio de garotas trabalha num salão de beleza e participa de uma jornada etílico-dançante noite adentro, tentando apagar suas angústias diárias. A câmera as segue nos diversos ambientes, como num documentário, tentando acompanhar suas emoções de momento enquanto o ritmo eletrônico dá a sensação de um crescendo narrativo.

Essa sensação é um pouco falsa, mais induzida, porque ao fim da noite não há grandes transformações nas personagens. Uma das garotas transa alucinadamente com um desconhecido no banheiro. A outra dança até cair no chão da boate. E a terceira experimenta drogas, mas mantém a decisão que já havia tomado. Mesmo cansadas, a manhã seguinte começará da mesma forma como as encontramos, chegando para mais um dia de trabalho.

Outras misérias, mas do lado de baixo do Equador

Muitos filmes já foram feitos assim, de maneira mais distanciada, sem dar brechas para que haja uma identificação imediata com os personagens. Eles querem ampliar o olhar, fazendo-nos enxergar o ambiente que os rodeiam. É o caso de “Ausência”. Nele, o bairro de Santo Amaro, em São Paulo, surge como um personagem à parte, abrigando pessoas de famílias disfuncionais e marginalizados, mas sem traçar estereótipos.

O filme de Chico Teixeira é cheio de desvios, levando-nos a imaginar um caminho que logo é refeito, evitando o clichê e deixando espaços. A ausência do título é exatamente isso: buracos que não precisam, necessariamente, serem preenchidos. Vale para a perda familiar do menino Serginho, que não consegue processar racionalmente o que está acontecendo em sua vida. Vale para a narrativa, que nunca chega a um fim reconfortador que desejamos.

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