Teatro Kapital leva ao palco matanças no Chile

Miguel Anunciação - Do Hoje em Dia
15/11/2012 às 11:26.
Atualizado em 21/11/2021 às 18:18
 (Francisco Bermejo/Divulgação)

(Francisco Bermejo/Divulgação)

O grupo chileno Teatro Kapital tem como mote para suas criações a realidade sociopolítica do Chile, os aspectos performativos do teatro e o trabalho com o texto não-dramático. A trupe está em Belo Horizonte para participar da primeira edição do “Esquyna Latina”, projeto de intercâmbio entre grupos de teatro da América Latina, realizado pelos grupos Teatro Invertido e Mayombe, no Esquyna – Espaço Coletivo Teatral (Rua Célia de Souza, 571, Sagrada Família – fone: 9395-0500). A programação acontece entre até do mingo (18), sempre às 20h30, com ingressos a R$ 10 e R$ 5 (meia-entrada, válida também para moradores dos bairros Sagrada Família, Horto e Santa Tereza). O Teatro Kapital é a atração de sábado (17) e domingo (18), com o espetáculo “La Matanza”, que entrecruza o ensaio histórico “Las grandes masacres”, de Patricio Manns, com a reflexão que o diretor Iván Insunza e sua companhia fazem em relação aos limites do teatro. No dia 17, a apresentação será seguida por bate-papo com mediação de Marcos Alexandre. O diretor Iván Insunza conversou com o Hoje em Dia:



Do que trata o seu espetáculo?

A montagem está baseada em um ensaio histórico de Patricio Manns chamado “Las grandes Masacres”, e reúne todas as matanças que o estado do Chile cometeu contra estudantes, campesinos, operários e manifestações populares no século 20, até 1970. A obra recorre a esses relatos, cruzando-os com uma dramaturgia própria, abordando os limites do teatro enquanto representação, o paradoxo entre ficção e realidade ao tratar de temas históricos e do trabalho do ator na cena. Além disso, a peça faz conviver, em cena, música, teatro, dança, projeções audiovisuais.

 

O diretor e dramaturgo chileno Guillermo Calderón esteve este ano em Belo Horizonte, com "Villa + Discurso", e comentou da longa tradição do teatro político chileno. Como seu teatro participa desta tradição e até onde ela influenciaria a cena teatral chilena?

Sim, o grupo se interessa pelo teatro político, especificamente a dramaturgia anarquista do início do século 20, o teatro operário, mas minha principal preocupação, como diretor, está no caráter formal do teatro político. Neste sentido, pensar e discutir Brecht tem ocupado boa parte de nossas preocupações. Acredito que, no Chile, há muito teatro sobre a temática política, mas muito pouco desenvolvimento de projetos que investiguem a partir da estética do político. Isso nos aproximou da teoria teatral alemã como marco teórico de nossa produção artística. Por outro lado, é complicado o desenvolvimento de um teatro político sem concessões, pois os espaços de financiamento e validação são restritos e limitados a empresas privadas e a fundos estatais.

 

Sobretudo após o período de ditadura militar no Brasil, o teatro de intenções políticas perdeu público e importância. Qual fato  você atribui para que a longa ditadura militar nãote reduzido a importância do teatro de coloração política no Chile? Ou reduziu?

Eu acredito que desenvolveu e não reduziu, mas, como você bem disse, é um teatro de coloração política, não teatro político como tal...
 

De que modo se estabelece o sistema de subvenções públicas ao teatro chileno? De algum modo ele determinaria o que é produzido no teatro em seu país?

Sem dúvida, a Fondart é a grande esperança da produção teatral no Chile, e é muito complexo o tema, pois de algum modo foi estabelecida uma espécie de paradigma, a partir do qual os artistas pensam suas obras para ganhar o financiamento. Os fundos privados ficam restritos a grandes atividades culturais como “Santiago a Mil”, por exemplo; as empresas não apoiam pequenos projetos. Por uma questão de visibilidade e impacto, não lhes convém.



 Ainda segundo Calderón, durante muitos anos o Brasil esteve menos interessado no teatro que se pratica nos demais países da América do Sul, mas, progressivamente, esse interesse estaria mudando. A atenção que festivais reservariam aos espetáculos latinos sinalizaria este novo diálogo. A importância geopolítica do Brasil, sobretudo no momento, indicaria a importância que este diálogo assumiria para todos. Como você veria estas questões?

Devo ser sincero, minhas oportunidades de viajar e conhecer, na prática, esses assuntos, são muito mais limitadas que as de Guillermo, a quem respeito muito pelo seu trabalho artístico, não me atreveria a dar uma opinião a respeito. Entretanto, obviamente, parece-me de suma importância este diálogo para evitar que nossas influências sejam limitadas a uma questão euro-centrista.

 

Qual a importâmciia da apresentação do grupo no Brasil?

É de tremenda importância. É nossa primeira viagem internacional para mostrar nosso trabalho, tivemos conversas com grupos na Espanha, Argentina e outros países, que nunca chegaram a se concretizar e, por outro lado, o fato que seja com esta obra também significa. “La Matanza” foi vista por quase três mil pessoas em um total de apresentações que supera a 30, porém, muitos desses espectadores locais parecem estrangeiros diante da desconhecida realidade que a obra mostra, essa outra história, oculta, vergonhosa. Interessa-nos poder compartilhar este trabalho fora do Chile, pois o consideramos urgente e necessário.

 

 Você se sentiria confortável em traçar um panorama de teatro que se faz hoje em seu país ou ele é por demais diverso para caber numa visão resumida?

Penso que atualmente, no Chile, há muitas “modas” teatrais convivendo. Sem o afã de ofender ninguém tentarei nomeá-las... as obras de nomes extensos e belos; um realismo importado da Argentina, bem psicológico e dramático; um teatro cheio de luzinhas e neons que fala de marginalidade e um teatro que desenvolve sua estética a partir de uma classe, um bairro e sua oferta gastronômica, assim bem europeu e burguês... isso a partir da oficialidade, as grandes salas etc.  Também existem artes cênicas mais próximas da investigação, interdisciplinares e com um trabalho político mais forte, mas com um certo nível de invisibilidade oficial, como, por exemplo, o “Colectivo de Arte La Vitrina”, “Teatro Público” que dirige Paty Artés, Paula González e outros...

 

Você já pensou na possibilidade de poder produzir alguma obra artística fora do seu país, no Brasil, por exemplo.

Eu ficaria feliz em dirigir fora do Chile, no Brasil, por exemplo. Minha aproximação com o teatro documentário faz com que valorizeo a possibilidade antropológica contida em um processo artístico, a convivência, o intercâmbio, o limiar da cultura, a possibilidade, de fato, de gerar diálogos artísticos. Eu adoraria dirigir um elenco brasileiro e descobrir que há diálogo, também seria uma possibilidade  de falar de questões políticas e de levá-las para o debate neste espaço, diante das luzes em cena.

 

No Brasil e em muitos outros países, o público procura majoritariamente as comédias. Ocorreria o mesmo no Chile? O senhor teria alguma explicação para o fato?

No Chile, existe um teatro comercial, que, majoritariamente, oferece comédias leves, sobre gênero, sexo, divórcio; se bem que prolifera e tem um espaço conquistado, restringe-se a uma classe que busca no teatro diversão superficial e distração, uma lógica muito parecida com a televisão, de fato atuam rostos de TV que não são atores, que não se dedicam à atuação. Acredito que não nada de mal na comédia, a dificuldade é que, como se trata de um modelo que se reproduz sistematicamente, não são trabalhos muito valiosos. m termos artísticos.
 

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