Trabalhos artísticos se inspiram na vida do "Santo protetor dos animais"

Patrícia Cassese - Hoje em Dia
03/11/2015 às 07:28.
Atualizado em 17/11/2021 às 02:19
 (Frederico Haikal)

(Frederico Haikal)

O violeiro e compositor Gustavo Guimarães sempre nutriu simpatia por São Francisco de Assis. E explica: “Aquela figura carismática, de roupas simples e rodeada por pássaros. E ouvia falar do Rio São Francisco, o que reforçou essa referência”.

A tal simpatia ganhou contornos mais amplos quando ele, ainda adolescente, assistiu ao filme “Irmão Sol, Irmã Lua” (1972), de Franco Zeffirelli. Não bastasse, ele e a esposa, Maria Célia, ainda mantêm uma coleção de imagens do santo em casa... “Então, resolvi estudar um pouco mais sobre a vida e os ensinamentos dele e tive a oportunidade de visitar Assis, na Itália, por duas vezes. Algumas passagens e ideias me tocaram muito forte e me inspiraram a compor”. O resultado está em “Canções de São Francisco”, CD recém-lançado pelo moço, com 14 músicas inspiradas na filosofia e nas ideias do italiano.

Quem acompanha os cadernos culturais da cidade certamente vai perceber, nesta história, uma série de semelhanças com as vividas pelo ator Carlos Nunes, cuja mais recente montagem – “Francisco de Assis – do Rio ao Riso” – faz alusão ao santo. Sim, Carlos Nunes também foi recentemente a Assis e também assistiu, mais jovem, a “Irmão Sol, Irmã Lua”. “Desde sempre aprendi a respeitá-lo e a admira-lo”, disse Carlos Nunes, ao Hoje em Dia, lembrando que, com base nas biografias que leu, concluiu que o santo não era tão bonito assim quanto o ator que o interpretou no filme de Zeffirelli. Mas esse é apenas um detalhe. O que importa, claro, é a essência, o que Giovanni di Pietro di Bernardone, o nome real do mais tarde tido como “o protetor dos animais” tinha de sobra.

Os ensinamentos de Francisco são ecumênicos e muito atuais, lembra Gustavo. “Ele foi, muito provavelmente, um dos primeiros ambientalistas e, já nos séculos 12 e 13, pregava o amor e o respeito à natureza e a todas as criaturas. Sempre optou pela simplicidade e pelos mais pobres, e pregou também o perdão, o desapego das coisas materiais e a tolerância”.

Motivos pelos quais Gustavo acha que seus ensinamentos estão na ordem do dia. “Todas essas questões são urgentes, hoje. Sua transformação teve início após seu contato com o evangelho e acredito que através de suas reflexões sobre a natureza e as questões humanas e existenciais, ele ampliou a sua percepção de Deus, de si mesmo e do universo como um todo. Sua experiência foi muito íntima, profunda e mística. Sua maior descoberta é exatamente aquilo que a sua figura transmite: um amor simples, humilde, paciente e perfeito”.

‘Carisma de Francisco inspira a arte’, diz violeiro

Gustavo Guimarães calcula ter mais de cem imagens do santo. “Na verdade, Célia começou a coleção antes da minha chegada. Fomos ampliando, comprando umas e ganhando outras. Temos uma do mestre Cambota, que aproveita madeiras nativas, esculpidas naturalmente, e só faz os encaixes, revelando a figura de São Francisco (a imagem deste, aliás, está no encarte do CD). Temos outra feita a partir de um garfo e mais uma de um palito de fósforo. Eu mesmo fiz uma, a partir de uma cabaça”.

Não bastasse, há cerca de um ano, Gustavo encontrou uma imagem do santo meditando, o que fez todo sentido para ele, que admira a opção do santo pela busca interior e pelo autoconhecimento. “Enfim, o carisma de Francisco inspira a arte, e os artesãos têm formas lúdicas e diferentes de caracterizar o santo”.

Sobre o CD – que sucede “Vaqueiro” (2008) e “Viola de Todos” (2012) – vale destacar a faixa “Canto da Natureza”, com introdução em tupi guarani, cantada pela índia Adana Omágua. “Acredito que os povos indígenas, pela proximidade histórica com a natureza e pela relação respeitosa com o meio ambiente, estabelecem uma interface com os ideais de Francisco. Por isso a ideia de fazer essa conexão. Adana estuda Medicina na UFMG com o propósito de aliar o conhecimento acadêmico aos ensinamentos ancestrais de seu povo”.

Na faixa, ela repete o refrão que diz: é preciso ser terra, água, fogo e ar. “É a integralidade dos elementos, o meio ambiente em seu sentido amplo – uma coisa natural para os indígenas – e para São Francisco.

Gustavo Guimarães lembra, ainda, que São Francisco tem uma relação interessante com a cultura popular. "Porque foi o primeiro a encenar um presépio, na cidade italiana de Greccio, no Natal de 1223. Por isso, é considerado patrono das folias de reis, que saem na época do natal para fazer a louvação dos presépios". Ele aproveita para ressaltar que a viola caipira é um instrumento típico dessa manifestação cultural e religiosa. "No meu CD, tem uma folia mantra, onde São Francisco entra como um folião. O santo também adorava cantar. Nessa folia uso alguns instrumentos típicos da cultura popular, como viola, rabeca e caixa e misturo com instrumentos orientais como o citár indiano e a tabla, para fazer referência aos Três Reis Magos", anuncia.

Nascido em Diamantina, Gustavo passou boa parte da infância e juventude em João Pinheiro. "Meu trabalho tem traços dessas duas realidades: os rios, o Cerrado, as veredas; toda a riqueza cultural do Vale do Jequitinhonha e a vida sertaneja do Noroeste de Minas". Neste caldeirão entram, ainda, influências musicais recebidas desde a infância, quando ele escutava, atento, as folias de reis e as modas caipiras, "até a juventude, quando o rock nacional e a MPB eram os destaques nas rádios".

Curiosamente, seu contato com a viola se deu quase que por acaso. "Professor de violão, recebi uma viola para afinar e descobri ali meu instrumento. A versatilidade da viola foi fundamental para que eu pudesse trabalhar todas as suas influências, as memórias de um repertório muito diversificado e de paisagens inesquecíveis". Além da carreira como violeiro, compositor e cantor, Gustavo se dedico a registrar trabalhos de grupos de cultura popular e mantém um estúdio de gravação. "Produzi o CD 'Folia de Reis de Venda Nova' e o CD do violeiro Zé Padre, de Araçuaí. Participei, ainda, da produção do CD 'O Congado em Bom Jesus de Matozinhos'", enumera.

Ainda em 2008, iniciou um trabalho coletivo com os violeiros Chico Lobo, Pereira da Viola, Wilson Dias, Joaci Ornelas e Bilora, formando o VivaViola. O grupo lançou o CD "VivaViola - 60 cordas em movimento" e "VivaViola - Viva a Cantoria".
 

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