Tragédia em Mariana é tema do novo filme do Walter Salles

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
27/10/2017 às 15:42.
Atualizado em 02/11/2021 às 23:25
 (Lucas de Godoy/Divulgação)

(Lucas de Godoy/Divulgação)


 SÃO PAULO - Ao pisar em Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, distritos de Mariana que foram soterrados por lama e rejeitos da barragem do Fundão, a equipe do cineasta Walter Salles ficou impressionada com a forma como foi recebida pela comunidade, pouco mais de um ano após o rompimento que resultou na maior tragédia ambiental do país.

“Estavam sempre com sorriso nos lábios, mostrando uma doçura de quem tem consciência de que é preciso seguir. Nós fomos atrás dessa doçura para fazer o filme”, observou a atriz Maeve Jinkings, que interpreta a protagonista de “A Terra Treme”, um dos cinco episódios do longa-metragem “Em que Tempos Vivemos?”.

O filme teve sua estreia nacional na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, na semana passada. Salles não pôde estar presente, mas enviou um texto para ser lido antes da sessão. Na carta, ele lembrou que recebeu, em março, convite do diretor chinês e amigo Jia Zhang-ke para fazer um curta em apenas três meses. 

Salles chamou Gabriela Amaral Almeida para ajudá-lo no roteiro, em busca de um tema que os tocasse. “Focamos na tragédia de Mariana, algo que nos deixou muito tristes e cujos culpados estão impunes até hoje”, justificou.

A partir da história de um casal e seu filho, que têm suas vidas abaladas pela tragédia, o cineasta fez um filme de denúncia, que evidencia as sequelas emocionais e o descaso do governo, com mil pessoas ainda deslocadas. “Nesses tempos de notícias terríveis no campo político, não podemos deixar o que aconteceu cair no esquecimento”, sublinhou Maeve.

Para Gabriela, foi um grande desafio construir uma história em tão pouco tempo. “Um roteiro precisa de um tempo para decantar, para virar cinema. Fomos buscando as linhas dramáticas e históricas até chegar nestes personagens, com a questão do feminino e da criança como representativo da esperança”.

A professora vivida por Maeve Jinkings mostra, de acordo com a roteirista, a capacidade de superar e seguir em frente, a partir da ideia da mulher como geradora de vidas. Já o filho do casal vive a expectativa de rever seus familiares meses após o incidente, por mais que as autoridades apontem o contrário.

A atriz destacou que Salles é um conhecedor das técnicas de atuação, o que, de acordo com ela, foi importante “como mais uma ferramenta para propor e ajustar maneiras de interpretação”. Maeve também ficou impressionada com a “capacidade dele de fundir o documental e o ficcional”, valendo-se de não-atores.

“Nós, atores, não vivemos aquilo e precisamos deles para passar essa experiência para a gente. Foi muito importante para o filme os moradores terem dividido suas vidas com nós. Assim como eles precisavam da gente também. Partindo de dois pontos diferentes para o filme poder existir”, assinalou Maeve.
 

Contato com população local emociou produção
 

Um dos não-atores de “A Terra Treme” é o garoto Richard Santiago, que faz o filho de Maeve e Rômulo Braga na trama. Uma das sequências mais bonitas do filme é quando ele e Rômulo estão numa mata, com o pai ensinando uma forma característica de assobiar, dias antes do rompimento da barragem do Fundão.

“Curiosamente, essa cena foi improvisada no set. Waltinho percebeu, durante as filmagens em Mariana, que precisava de uma cena para reforçar a relação dos dois. Ela é diferente do restante, pois tem uma textura diferente, como se fosse uma lembrança ou sonho”, explicou Gabriela, que é diretora de curtas-metragens de terror.

Richard chegou meio “duro”, sem dizer muitas palavras. Com a ajuda de um preparador de elenco, foi se soltando ao passear pela região da tragédia, que conhecia muito bem, e contar as histórias do local. 

“Entre os jogos que foram criados para ele, foi pedido que falasse uma boa lembrança e Richard citou a igreja de Paracatu, um dos prédios mais altos”, lembrou Maeve.

Maeve conta que a captação de sons feita por Edson Secco foi fundamental para a recriação do momento em que a lama avança pelos distritos. “Alguns viram a lama, mas a maioria apenas escutou. O material que ele preparou é cheio de camadas, incluindo sons de animais sofrendo”, ressaltou.

Os animais presos nas casas são um dos aspectos mais sentidos pela comunidade, nos relatos dados à produção. “Eles não tinham como fugir. Alguns moradores trancaram os animais para protegê-los e, quando foram para os lugares mais altos, sofriam ao ouvir os animais agonizando”, recordou a protagonista.

“Se dependesse de mim, faria um melodrama, pois chorava baldes. Mas Waltinho se agarrou na força de vida deles, mesmo que hoje eles ainda estejam deslocados, dispersos, após terem perdido suas referências e visto amigos morrerem. Muitos estão com depressão e sofrem preconceito. Mas essa força para seguir é o que mais nos impressiona”, analisou Maeve.
 

(*) O repórter viajou a convite da organização da Mostra

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