(DOWNTOWN/DIVULGAÇÃO)
Um problema de boa parte das cada vez mais frequentes cinebiografias de músicos e cantores brasileiros é querer dar conta de toda uma trajetória, artística e pessoal. Disponível no cardápio do Telecine Play, “Elis” acerta ao escolher um viés, uma forma de contar a história de uma artista tão pulsante e grandiosa como Elis Regina.
Desde o momento em que o filme a mostra chegando ao Rio de Janeiro de ônibus, acompanhada do pai e vinda de Porto Alegre, exatamente em 1º de abril de 1964, dia do golpe militar, ela será sempre mostrada acompanhada de homens, seja no palco, na vida doméstica ou mesmo nos muitos embates que travou na carreira.
Depois do pai, surgem o coreógrafo Lennie Dale, os produtores Miele e Ronaldo Bôscoli, que seria também o primeiro marido dela, o pianista César Camargo Mariano (segundo companheiro), o desafeto Henfil e até mesmo a ditadura, na pele de um tenente que a induz a cantar para uma plateia de militares no auge da repressão.
Não que o filme de Hugo Prata seja feminista ou mostre a Pimentinha submissa, como se não pudesse dar rumo à própria vida. Mas são eles que fazem a narrativa avançar, como as mudanças musicais provocadas pelo encontro com Nelson Motta e César Camargo e pela difícil vida a dois com o mulherengo Ronaldo Bôscoli.
Só homens
São esses encontros que evidenciam a personalidade da artista gaúcha, na maneira como tenta prevalecer o seu talento com coragem e persistência, muitas vezes recuando quando sente que há coisas importantes a serem ouvidas. Em meio a esse universo essencialmente masculino, a voz de Elis reverbera e se fortalece.
O espectador talvez não dê falta, mas não há nenhum outro personagem feminino importante, mesmo coadjuvante, no filme – a mãe só é citada algumas vezes, no início. O que nos leva a pensar que tanta presença masculina contribua poderosamente para o desfecho trágico de Elis, ao criar uma sensação de abafamento.
Sufocamento gerado por uma censura pior que a oferecida pela ditadura: a do mercado. O que era para ser um momento forte do filme, quando ela critica as mudanças determinadas pelas gravadoras, as únicas que poderiam efetivamente “calar” a sua voz, ganha um final acelerado e abrupto, sem dar conta da grandeza da artista.