Vencedora do Jabuti lança livro e busca memórias em BH

Elemara Duarte - Hoje em Dia
20/02/2016 às 10:06.
Atualizado em 16/11/2021 às 01:30
 (Edson Matos/Divulgação)

(Edson Matos/Divulgação)

Após vencer dois prêmios Jabuti 2015 e de encarar o auê – e consequente estafa – para atender a demanda pesada de compromissos derivada do feito, a escritora e religiosa paulista Maria Valéria Rezende vem a BH, hoje, para lançar o romance “Outros Cantos” (Alfaguara, 146 páginas).

No intervalo da visitinha para resgate de memórias, na casa da madrinha, de 91 anos, no Sion, a escritora atendeu a mais uma dentre estas demandas incontáveis e falou com o Hoje em Dia. Ô, generosidade! Boa de prosa, com currículo vasto de vivências nos “anos de chumbo”, Maria Valéria foi integrante da Juventude Estudantil Católica e entrou para a Congregação de Nossa Senhora.
 
Ajudou a esconder opositores após o golpe e saiu do país, em 1972. Passou por Itália, França, Argélia, EUA e México antes de voltar ao Brasil. Inclusive, no novo livro, a história se passa no sertão de Pernambuco, durante aquele período. Nele, a protagonista é uma educadora que, numa viagem de ônibus pelo Nordeste, recorda seu trabalho no povoado fictício de Olho d’Água.

“Outros Cantos” é o primeiro lançamento de Maria Valéria Rezende depois do sucesso de “Quarenta dias” (mesma editora), que no fim de 2015 ganhou dois prêmios Jabuti: melhor romance e livro do ano de ficção.

Conexão Paraíba-Minas

Hoje, aos 73 anos, a escritora vive em João Pessoa. Algumas das vivências pessoais colocou no livro. Só algumas. Nada de autobiografia, já avisa. Vez por outra vem a BH, como nesta oportunidade. “Memória preciosa. É a minha fonte para tirar minhas memórias de infância”, diz, sobre a madrinha mineira.

“Meus avós moravam aqui, meu pai era de Santos e se casou com minha mãe e a levou para lá, onde nasci. Durante toda minha vida estudantil, a gente tinha aula aos sábados, então, as nossas férias eram de quatro meses. Então, a gente vinha para cá. Era quase metade do ano aqui”.
 
O avô, Elpídio Lemos de Vasconcelos, era fotógrafo e antiquário. A casa dele era um mundo de descobertas para a pequena Maria Valéria. “Era uma casa fantástica. Ele fazia fotografias oficiais dos políticos de Minas”, lembra. A neta lembra que o avô chegou a abrir uma galeria, na avenida Afonso Pena. “Ele achava que todas as coisas misturadas no ambiente de loja desvalorizava as peças. Daí, construiu duas ou três salas, que mobiliava cada uma a seu estilo com os objetos que tinha para vender”. Algum leitor por aí vislumbrou um protótipo de “Casa Cor”?

Recentemente, descendo a Rua Tomás Gonzaga, entre Rio de Janeiro e São Paulo, teve uma tristeza: “Fui lá ver a nossa casa e não vi mais nada. Só tem prédio. Tudo com a mesma cara. Não reconheço mais nada da minha infância”. Fazer o quê, né, irmã? “Pois é. Bobagem minha, já deveria ter previsto. Mas fui toda alegrinha”.

SERVIÇO

Lançamento do livro “Outros cantos”, neste sábado, às 11h, na Livraria Scriptum (rua Fernandes Tourinho, 99, Funcionários)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“'Veterana desbanca Chico Buarque e Cristóvão Tezza'. Mesmo quando ganho, continuo a ser anônima e a notícia é sobre eles. Este tipo de manchete é deselegante”, diz Maria Valéria Rezende, sobre a notícia veiculada

ENTREVISTA

Cada um que procure uma vida que valha a pena’, aconselha autora, que também comenta prêmio

A senhora teve, e tem, uma vida muito dedicada ao outro, inclusive, escrevendo sobre a dura realidade do próximo. Por que é mais interessante olhar?
Eu sou uma religiosa. A minha vida na infância e, principalmente, após a adolescência, foi motivada por um apego ao Evangelho. Eu não teria continuado na vida religiosa caso não tivesse este apego. Mas é que as pessoas conhecem muito pouco o Evangelho. Leem aqueles pedacinhos escolhidos. Se você pegar os quatro Evangelhos e ler direto, sem explicação ou teologia, é algo muito objetivo. E tem também as famílias nas quais eu cresci. Quanto mais velha eu fico, tenho a noção do privilégio que foi ter nascido nas duas famílias. São famílias de artistas, mas pessoas excepcionalmente generosas e que nunca fizeram diferença de classe com ninguém. Tanto a minha família mineira quanto a paulista. Sempre achei os outros mais interessantes do que eu. A meu respeito, já sei tudo. O que me interessa é descobrir o que não sei. Pediram para escrever uma autobiografia. Mas que coisa chata! A minha biografia já conheço demais. Cada um que procure uma vida que valha a pena.

Porque tem muito religioso que só pensa em si...
Então, está no lugar errado! (Risos)

E o Prêmio Jabuti, o que mudou?
Desde o dia 4 e 3 de dezembro que não tenho mais sossego. É! A minha geriatra diz que estou com sinais de estafa. E ela tem uma certa razão. São entrevistas, viagens para lançamento... Mas tenho um temperamento light, vamos dizer. Sou por temperamento uma pessoa paciente, não faço dramas das coisas, gosto de rir e brincar. Agora, o que me alivia é que este agito todo vai passar. Então, estou aguentando aqui. Depois de março, para. Mas fiquei feliz.

No Facebook da senhora há uma descrição na profissão: “Sonhadora”. Tem vaga lá para uma colega?
(Risos) É só escolher, viu! O fato de eu ser religiosa me deu esta liberdade de não ter que fazer carreira. Eu fiz voto de pobreza, de obediência e de castidade. Não precisava de fazer carreira e manter o emprego, nem ter meus filhinhos e marido para cuidar. Isso me deu uma liberdade enorme para andar pelo mundo e para responder aos apelos da missão em qualquer lugar. Isso está no Evangelho: quem deixar seus pais, suas terras e seus irmãos para me seguir vai receber o cêntuplo em terras, casas, irmãos, mães, ainda neste mundo e ainda, de quebra, ganha o reino dos céus. Você já pensou? E eu lhe digo. Depois de 50 anos de vida religiosa, posso ir para qualquer lugar do mundo que tem casa para eu ficar e companheiros. É verdade. Não é uma metáfora.

E se realmente houver uma vida após a morte, a senhora espera receber isso tudo?
Aí, é mistério. A gente só vai saber quando chegar.

E se não tiver nada, não receber o “reino dos céus”?
Ah! Se não tiver, já valeu! Já valeu, minha filha! (Risos) Outro dia, vi uma frase: “Você nasceu sem pedir e vai morrer sem querer. Então, aproveite o intervalo”.
 

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