Vitor Ramil: ao sul de qualquer lugar

Hoje em Dia - Belo Horizonte
16/01/2018 às 17:57.
Atualizado em 03/11/2021 às 00:47
 (divulgação)

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Vitor Ramil parece quase sempre estar se deslocando ao sul, por vezes de forma radical. Ao final da entrevista avisa que está partindo, de férias, para a “última praia do Brasil, para ficar em uma casa a poucos metros do Uruguai”. Mas ao contrário do título cunhado por Charles Bukowski para uma de suas obras– “Ao Sul de Lugar Nenhum”– o vetor meridional é mais do que espaço para o cantautor gaúcho: é espécie de condição de existência. “Existe esta mítica do isolamento, da introspecção, da reflexão. A gente vai ficando imbuído disso, não me livro”, ri o morador de Pelotas, cidade que o viu nascer e que o abriga numa casa centenária, pertencente à sua família. 

A cidade emerge como uma “grande sugestão formal para o que crio”. Assim, parece (co) existir também um outro Ramil, este habitante de Satolep, uma espécie de “transcendência, uma mitificação do lugar original”. É aí que o músico se acolhe em um “mundo muito misterioso, preservado dentro uma espécie de pureza, um tesão original pela musica, pela arte”.

Para nossa sorte, é ali também que ele dá corda a uma das carreiras mais interessantes da música popular brasileira, trajetória que ganhou ainda mais força com “Campos Neutrais”, lançado no final de 2017 e facilmente ranqueado como um

Se tal espaço imaginário ganha uma das elegias mais belas do trabalho, com “Satolep Fields Forever”, o álbum promove um outro deslocamento, a partir de seu título. “Campos Neutrais foi um tratado entre Portugal e Espanha, na época da colonização, que colocou no nosso imaginário esse lugar, uma espécie de ocupação, no sul, improvisada e criativa, como tudo que se faz sem muita lei. O que é muito significativo pra uma região de fronteira: isso gera uma série de coisas, como miscigenação de linguagens. Pensei em aproveitar positivamente essa história”, diz o músico.
No disco, tal gancho se transfigura n o conceito de um sul do Brasil “não isolacionista, mas integrador”, atravessado pelos mais diferentes âmbitos de criação. “Quando fui selecionar o repertório, a faixa-título era uma das músicas mais antigas, e achava que ela apontava para o futuro, era bastante representativa”. 
Antigo diapasão do músico, as mesclas se dão em diversos eixos de “Campos Neutrais”, materializando em música os imaginários do território que compreende uma planície que hoje compreende os municípios de Santa Vitória do Palmar e Chuí.“Tinha muita música em inglês, em espanhol, as parcerias, a versão de Dylan”, ilustra. Assim, Ramil buscou interlocuções no mundo e no extremo do Brasil: do norte, musicou o poema “Contraposto”, do paraense Joãozinho Gomes, que teve acesso durante uma temporada de trabalho e descanso em Macapá.
Do nordeste, vieram as parcerias com Chico César (em “Olho d’água”) e Zeca Baleiro, na linda “Labirinto”, música que compôs em Buenos Aires e Baleiro pôs letra em inglês, depois vertida para o português. “Me sinto muito próximo dos, dois geracionalmente. Temos muita coisa semelhante em termos de formação de musica pop. São duas pessoas de marcas autorais muito fortes. Já tentei compor com outras pessoas, e algumas vezes foi um embate. Nesses casos, deu certo”, elogia. 

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