Yara Tupynambá: as artes plásticas precisam de um local e não tem

Vanessa Perroni - Hoje em Dia
27/07/2015 às 06:31.
Atualizado em 17/11/2021 às 01:05
 (Eugênio Moraes/Hoje em Dia)

(Eugênio Moraes/Hoje em Dia)

Em seu ateliê, a artista plástica Yara Tupynambá está, neste momento, focada em contar a história de Contagem por meio de suas pinceladas. O mural, que deve ficar pronto no próximo mês, é o seu mais recente projeto, após ter exposto, em Brasília, 14 obras que retratam a riqueza natural de reservas ecológicas de Minas. Ao Hoje em Dia, a artista, que possui um acervo pessoal com mais de 70 peças de colegas, como Carlos Bracher, Carlos Scliar e Inimá de Paula, discorreu, dentre vários assuntos, sobre o ensino das artes no Estado e o cenário das artes plásticas em Belo Horizonte. Confira.

A senhora, que acompanha o cenário das artes plásticas em Belo Horizonte, destacaria alguns nomes da nova geração?
Eu gosto de alguns artistas que têm uma relação com a vida do Estado. Eu cito o Fernando Lucchesi, que acho que tem um feeling muito grande com Minas Gerais, dentro da modernidade. Está aparecendo uma geração jovem muito interessante que está procurando uma modernidade, mas por meio ainda da figuração, que se contrapõe, de certa forma, a uma geração que apareceu no ano 2000, muito abstrata, muito gestual e que realmente não dizia nada. Sergio Machado é outro nome muito interessante dessa nova geração, e também o Daniel Bilac. Artistas figurativos, modernos, mas que estão trazendo uma contribuição boa para o cenário das artes plásticas.

Os equipamentos instalados em Belo Horizonte ganharam com o fluxo de turistas que chegam a Minas para ir a Inhotim?
Sim. Belo Horizonte se tornou um ponto de visitação, mas vamos lembrar que o Inhotim tem um foco específico (a arte contemporânea), e boa parte de sua coleção é composta por coisas de fora do país – e também praticamente não tem quase nada de arte mineira. O foco é esse, tudo bem, é isso mesmo. Mas eu penso que ali não poderia faltar algumas coisas do (Alberto da Veiga) Guignard, por exemplo. Uma pequena sala, ou uma parede que seja, mas uma formação da arte de Minas Gerais. Belo Horizonte começou em 1930 com os artistas já trabalhando. Então, essa contribuição histórica seria importante.

Para a senhora qual a grande função do artista na sociedade?
Primeiro, todo mundo fala que a arte não tem função – uma função prática como a de um médico ou um engenheiro que constrói uma casa – mas a arte é algo inefável, e é ela que te traz uma vida espiritual, e te torna melhor perante o mundo, mais compreensível, e de certa forma até mais feliz. Quando você vê um grande concerto, um espetáculo de balé ou uma maravilhosa exposição, você sai dali melhor, mais em paz consigo mesmo e em paz com o mundo. Ela é, sem dúvida alguma, terapêutica.

Certa vez, a senhora disse que já havia feito um filho, plantado uma árvore e escrito um livro. O que falta realizar?
Eu até vou acrescentar que eu tenho formado também discípulos, e isso eu acho importante. E é o grande retorno de um artista. Tem muita gente que passou pelas minhas mãos, e que está trabalhando em outros setores, mas ligados à arte. Pessoas que são capazes, por meio do seu trabalho, de viver de arte. Não precisa ser pintor, eles vivem de outra coisa, pode ser de moda, de desenhar sapato, de artes gráficas, mas são pessoas que estão vivendo de arte por meio da base que eu dei. Essa é uma grande contribuição minha ao Estado, a de formar pessoas, como todo professor. Qualquer professor é um elemento fundamental para que a cultura do Brasil se estruture.

A senhora percebe uma efervescência cultural na capital?
Eu acho que há interesse de um público novo por exposições do Centro Cultural Banco do Brasil, e também do Museu da Vale. Em ambos há uma procura muito grande de formação de público. Há os monitores que acompanham e dão aulas ao público. Isso, eu poderia dizer que é uma efervescência. Agora, ainda não há uma integração, curiosamente, de parte das camadas mais altas de Belo Horizonte, com a cultura. Eu estranho, não consigo entender porque uma pessoa rica não vai a uma exposição, e não vai a um concerto. BH é muito focada – parte da classe mais alta – em roupas e na compra do carro. Tem mulher que declara ter 380 sapatos, o que acho uma agressão ao país. Ela está agredindo a sociedade menos favorecida.

Qual a avaliação da senhora sobre a atuação dos governos estadual e municipal, no que diz respeito à ifusão das artes plásticas em Minas Gerais?
Eu acho que o governo estadual passado foi fraco. Já a Fundação Municipal de Cultura tem investido muito em cultura popular, mas é preciso agora trabalhar com a cultura erudita. Eles têm tido uma atuação muito grande, especialmente, em relação ao teatro. Mas o primo pobre, ou patinho feio, são as artes plásticas, que precisam de um local e não têm. Em relação ao novo governo, ainda não notei nenhum avanço. Não sei o que vai existir. Se falou muito na modificação do Circuito Cultural da Praça da Liberdade. O circuito melhorou muito o público de Belo Horizonte, são entidades não governamentais que estão fazendo o movimento cultural da cidade, e espero que o governo não toque nisso. Mudar isso é impossível. Eu tenho que fazer uma referência, isso do governo passado, que foi a criação do Museu de Arte Popular, muito importante. Esse é um pequeno museu, mas ele é uma graça, tem uma produção muito interessante, e tem circulação. Mas falta o museu de arte erudita. Tem-se falado de um espaço para a criação de uma pinacoteca, isso seria super importante.

Como a senhora percebe e avalia o processo de ensino das diferentes linguagens artísticas nas escolas de Ensino Fundamental?
Não temos, até porque, as professoras não tiveram isso. Essa é uma grande defasagem da cultura mineira. As professoras não tiveram a oportunidade de fazer um curso de História da Arte, de frequentar uma exposição, então não podem ensinar. Eu tenho notícia, às vezes, que uma professora está mandando o aluno copiar Picasso. E digo: “Meu Deus”. Primeiro, o que Picasso tem a ver com o Brasil? E segundo, com Minas Gerais? Copiar Picasso é dar a ideia aos jovens de que qualquer coisa é válida, que é uma deformação que possa ser praticada, e que aquilo realmente é o caminho. Quando a gente sabe que ele (Picasso) teve um longo processo para chegar até o cubismo, tanto que depois retornou ao clássico desenho. Então, essa falha, a Secretaria de Educação teria que completar com possibilidades de as professoras fazerem cursos. Eu acho que, antes da arte internacional, seria importante que se tivesse conhecimento do Brasil.

O que a senhora acha de trabalhos como os do artista plástico britânico Damien Hirst, que criou uma série de animais mortos flutuando em formol e a caveira cravejada de diamantes?
Ele é um artista versátil e midiático. Se no Reino Unido tivesse melancia, ele colocaria em seu pescoço, porque é midiático. Mas é um artista que tem feito muitas outras coisas, inclusive, tinha uma galeria que possuía uma gravura dele feita só com borboletas. Ele montou essas borboletas fazendo mandalas, que me lembram até muito um caleidoscópio, era até bonito, mas bastante decorativo e comercial. Parece que a galeria não sabia que era gravura, e estavam pedindo um preço que era quase de uma pintura. Tem muitos artistas, hoje, midiáticos, que fazem coisas para “épater la bourgeoisie” (espantar a burguesia, na tradução do francês). Ele teve uma formação boa, e tem suas pinturas, mas partiu para isso que, para mim, hoje é um dos aspectos negativos da arte contemporânea. Os artistas se tornaram midiáticos, ou seja, se for preciso ficar nu durante a exposição para dar notícia, vão fazer. Ou então prender um cachorro em uma galeria sem água e comida até morrer (referindo-se ao que o porto-riquenho Guillermo Habacuc Vargas fez, em agosto de 2007, em Manágua, e que revoltou o mundo). Há um vídeo que passo em aula, do “Porta dos Fundos”, o “Arte Moderna”, que traz um anão amarrado em um quadro. Achei fantástico por que reflete muito essas coisas midiáticas.

E como avalia as transações milionárias que envolvem essas obras?
Hoje, os curadores são altos negociantes, que sabem trazer essas obras para um público pouco conhecedor de arte. Eles não conhecem e pagam fortunas. Hoje, a arte se tornou, de certa forma, um grande evento. Motivo para os grandes curadores negociarem altos percentuais. Mas a arte em si continua eterna. Os grandes artistas que abordam a vida humana continuam importantes, pelo menos para mim. O Damien Hirst não fez o retrato da rainha, foi o Lucian Freud que fez. Um retrato até cruel, porque ele trabalha com a velhice, com a feiura de todos nós. Então continuam sendo esses os grandes artistas. Essa arte de beleza continua permanente, ela não acaba porque alimenta a alma.

Minas Gerais é a grande inspiração da senhora. O que mais te encanta?
Vou falar feito Tolstoi que dizia o seguinte: se você quer ser universal parta da tua pequena aldeia. “Guerra e Paz”, e toda obra de Tolstoi gira em torno da sua pequena aldeia. A de Guimarães Rosa gira em torno da nossa pequena aldeia. Então, Minas, para mim, é minha pequena e grande aldeia. É isso, na minha obra, passo por grandes personagens, por figuras históricas. Passo pelas festas populares, que são importantíssimas, pelo congado, as florestas, o Jardim Botânico do Inhotim, para preservar aquilo que foi nossa história. Tudo isso é que marca a nossa formação cultural e humanística.
 

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