Um casal de classe média alta de Betim, na Grande BH, está sob investigação por suspeita de tráfico de criança. O empresário teria “comprado” um bebê para driblar a impossibilidade da mulher de ter filhos. Nascida em São Paulo, a criança foi trazida recentemente para Minas, segundo a polícia, onde gerou suspeita por causa da gravidez inexistente da “nova” mãe.
Se confirmado o crime, será o segundo registrado em Betim somente neste mês. Há pouco mais de dez dias, seis pessoas foram indiciadas por tráfico de um bebê que nasceu no Hospital Regional da cidade.
Apesar de as ocorrências desse tipo de delito ainda serem subnotificadas, por desconhecimento, medo ou conivência, os casos têm sido mais frequentes. Desde a criação do Programa de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, em abril de 2012, foram registrados 31 casos no Estado, uma média de dois por mês.
“Minas ocupa o terceiro lugar no ranking de tráfico de pessoas por Estado, atrás de Goiás e São Paulo. Nosso maior desafio é como fazer o registro desses dados e padronização dos levantamentos e processos de responsabili-zação criminal”, explica a coordenadora do programa, Flávia Gotelip.
Violações do direito
Muitas vezes, o tráfico é registrado como outro tipo de crime, já que pressupõe múltiplas violações do direito da vítima. “Quanto maior a institucionalização do programa, mais casos têm chegado”, alega Flávia. “Há confusão entre prostituição e exploração sexual, e trabalho escravo e tráfico de pessoas. A caracterização está no ato, meio e fim do delito”, explica.
Os crimes têm fins variados, como a exploração do trabalho, sexual, suspeita de adoção ilegal, tráfico de órgãos e de crianças. Os casos mais recorrentes estão ligados à prostituição e ao trabalho escravo, principalmente na construção civil, de pessoas vindas do Norte e Nordeste do país.
“Assim que um serviço ou cidadão levanta a suspeita de tráfico, o núcleo é acionado para qualificar o caso e encaminhá-lo para uma rede especializada, que trata da atenção à vítima e da responsabili-zação dos culpados”, esclarece a coordenadora do programa.
No caso da exploração sexual, as próprias vítimas contribuem para que o ato acabe proliferando à margem da lei e da punição.
“Pesquisas mostram que a maioria das mulheres e travestis identificados como aliciados pelo tráfico de pessoas sabem perfeitamente o que vão fazer. Eles acabam ‘concordando’ com a situação por considerarem uma boa oportunidade no momento”, revela o assessor técnico da Rede Brasileira de Prostitutas, Roberto Chateaubriand.
Polícia descarta existência de rede especializada
O novo caso que está sendo apurado pela Polícia Civil em Betim surgiu durante as investigações (encerradas recentemente) de outro tráfico de criança na cidade. Ao fim da apuração será aberto inquérito.
“Devemos fazer isso esta semana. Antes, precisamos de elementos que expliquem os fatos relatados via denúncia anônima. Ao que tudo indica, não há relação com o outro caso registrado”, adianta o delegado de Betim Tito Barichello, referindo-se ao processo que culminou com o indiciamento de seis pessoas.
Mesmo com dois casos registrados na mesma cidade em tão pouco tempo, a polícia descarta a possibilidade de existir uma rede criminosa especializada em tráfico humano em Betim.
“Ainda é muito cedo para afirmar isso porque não temos elementos suficientes. Pode ser que as investigações avancem nesse sentido, mas ainda estamos na fase preliminar de coleta de dados”, argumenta o delegado.
Colaboração
A dificuldade de tipificar os casos de tráfico não está apenas na identificação e registro do crime. A investigação policial também é bastante delicada e depende da colaboração de testemunhas e denunciantes para garantir o correto indiciamento.
“É um trabalho complicado porque envolve pessoas de classe social mais elevada. Crimes patrimoniais, como roubo e furto, são mais fáceis de investigar. Precisamos, sem dúvida, da participação da sociedade”, ressalta o delegado.
“O tráfico não é problema de polícia, é problema da sociedade. Sem essa ajuda, a apuração é quase impossível”, reforça Tito Barichello.