Novo órgão musical fará parte da preciosa coleção mineira de arte sacra em Mariana

Renato Fonseca - Hoje em Dia
26/07/2014 às 09:28.
Atualizado em 18/11/2021 às 03:31
 (FLAVIO TAVARES)

(FLAVIO TAVARES)

MARIANA – A caixa foi talhada em madeira de cedro, em exatos dois metros e 70 centímetros. Os acordes ressoam de seis fileiras de tubos e 270 flautas de liga de estanho e chumbo. Inspirado no estilo barroco de um secular instrumento, um novo órgão musical fará parte da preciosa coleção mineira de arte sacra.   O equipamento está diretamente ligado ao órgão da Catedral da Sé de Mariana, na região Central do Estado. Em 1984, o instrumento da primeira década do século 18 foi restaurado e algumas peças originais, substituídas. Duas décadas depois, após outra reforma, mais de 200 flautas, pedais, banco e teclado foram novamente trocados.   Em vez de serem “aposentados”, foram reaproveitados na construção do novo órgão. A iniciativa partiu da concertista Elisa Freixo, consultora em projetos de restauração. Reconhecida e respeitada no meio artístico, a organista contou com o apoio da Fundação Cultural e Educacional da Arquidiocese e da prefeitura.   O foco era perpetuar essa cultura erudita, com a possibilidade de formação de organistas. Porém, a verba necessária para o projeto, de R$ 55 mil, só foi liberada em 2010, e a montagem do órgão de tubos demorou três anos. O trabalho foi feito em Itatiba, no interior de São Paulo, pelo artesão Abel Vargas, que tem no currículo mais de 200 cravos construídos em 34 anos de carreira.   “Foi um trabalho extremamente minucioso, com horas de dedicação e a ajuda de quatro colegas artesãos. Além disso, tivemos que esperar por mais de um ano pela chegada do motor, que veio da Alemanha”, contou Abel Vargas, que precisou fazer incontáveis pesquisas de técnicas construtivas antigas para dar forma ao instrumento.   Depois de pronto, o órgão foi levado para o Museu da Música de Mariana. “O resultado final foi muito bom, mas como trata-se de um equipamento complexo, ainda carece de um bom período para afinação e melhorias na parte mecânica. Esses ajustes, porém, só poderão ser feitos com o tempo, após o uso”, acrescenta o artesão.     ADAPTAÇÃO   O período de adaptação, até que o instrumento seja usado em estudos, deve demorar pelo menos mais seis meses, conforme reforçou a organista e cravista, Josinéia Godinho. Formada pela escola superior de Música Santa Marcelina, em São Paulo, e com duas especializações na Alemanha, ela deverá ser uma das profissionais à frente do projeto de formação de novos músicos na cidade.   “Ainda ocorrerão muitas reuniões entre a arquidiocese, a prefeitura e outras pessoas envolvidas no processo para saber como isso se dará. Porém, não é tão simples. Para aprender a tocar esse órgão é preciso formação básica de piano e leitura musical, principalmente. O domínio da técnica depende de cada um, mas com certeza demandará, no mínimo, dois anos de muita dedicação”.     País carece de incentivos para manter viva tradição   Apesar de Minas estar na vanguarda da preservação dos órgãos barrocos, é preciso mais incentivo, principalmente pelos governantes. Do contrário, a preservação do patrimônio dependerá de iniciativas individuais, como a de Mariana, que demorou anos para conseguir a verba necessária. A afirmação é do organista Marco Brescia.   Doutor em ciências musicais e musicologia histórica, por universidade de Paris e Lisboa, ele observa que o novo instrumento é motivo de grande satisfação e vai complementar o leque de atividades já realizadas em torno do órgão da Sé.   “A formação contínua de organistas é essencial na conscientização da importância da salvaguarda e do uso responsável do nosso patrimônio organário. Além disso, a utilização do novo instrumento na vida cultural e artística da cidade, junto à participação de grupos de outras regiões do Estado e do país, colocarão em relevo o importantíssimo patrimônio musical do Museu da Música”, salientou.     ÓRGÃO DA SÉ   Guardado na catedral da Sé de Mariana, o órgão Arp Schnitger, que inspirou o instrumento do Museu da Música da cidade, foi construído em Hamburgo, na Alemanha, e enviado ao Brasil em 1753. Na época, tratava-se de um presente da coroa portuguesa ao primeiro bispo do município.   Após anos em silêncio, o instrumento passou por uma grande reforma em 1984 e voltou a ser o centro da vida musical da cidade, acompanhando missas e celebrações litúrgicas. Em 2002, passou por novo restauro e foram iniciados concertos regulares, que tem trazido ao Brasil organistas de renome mundial.     SAIBA MAIS   Duas décadas de concertos regulares    Há 20 anos, o órgão da Catedral da Sé de Mariana é tocado em concertos regulares às sextas e aos domingos. O instrumento também acompanha a vida litúrgica da igreja,  em missas e outras celebrações.    Para comemorar os 30 anos do primeiro restauro e as duas décadas de concertos ininterruptos, várias apresentações especiais irão ocorrer. A primeira está marcada para este domingo (27), às 12h15, e será comandada pelo organista francês Patrick Delabre. Ingressos custam R$ 28. Informações: concertosaoorgao@gmail.com ou pelo telefone (32) 8812-8512.     FIQUE POR DENTRO   Minas na vanguarda   Em março, o Hoje em Dia mostrou que Minas está na absoluta vanguarda do patrimônio musical nacional. Dos sete órgãos do século 18 ainda existentes no país, quatro estão em pleno funcionamento e integram parte da coleção das Gerais. Além de Mariana, os equipamentos podem ser vistos e apreciados em Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, São João del-Rei e Tiradentes, no Campo das Vertentes.

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